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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Em Honra e Louvor da Mulher

  

  Aleluia

 Era a mulher — a mulher nua e bela,
 Sem a impostura inútil do vestido
 Era a mulher, cantando ao meu ouvido,
 Como se a luz se resumisse nela...
 Mulher de seios duros e pequenos
 Com uma flor a abrir em cada peito.
 Era a mulher com bíblicos acenos
 E cada qual para os meus dedos feito.
 Era o seu corpo — a sua carne toda.
 Era o seu porte, o seu olhar, seus braços:
 Luar de noite e manancial de boda,
 Boca vermelha de sorrisos lassos.
 Era a mulher — a fonte permitida
 Por Deus, pelos Poetas, pelo mundo...
 Era a mulher e o seu amor fecundo
 Dando a nós, homens, o direito à vida!

 Pedro Homem de Mello, in "Miserere"
  

O Poeta tece neste belo poema um hino de amor à mulher e, depois à ao amor fecundo da mãe que dá filhos ao mundo e de tal jeito se comportam de, no mistério do seu ventre esconderem a vida, que outro Poeta - e dos maiores - escreveu assim, cheio de dor à mulher, sua mãe, quando a sombra da morte passou lá por casa:
Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Miguel Torga, in 'Diário IV'

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Egas Moniz no brilhante e aturado estudo que emoldura no seu livro: "Julio Dinis e a sua Obra" no cap. XIX, aborda a saudade imensa que marcou na sua curta vida, a morte da mãe nos seus cinco anos de idade, a doce e terna melancolia em que envolve, a cada passo, a recordação dessa perda prematura, para concluir, adiante, que as forças impulsionadoras das crianças, vivem, ainda que muito esbatidas, na esfera afectiva dos adultos e, que, o homem tem pela mãe um afecto particular hetero-sexual de que Freud se baseou para formular o que ele chamou Complexo de Édipo, tendo por base a tragédia de Sófocles: Édipo Rei.
Este amor, que é um profundo respeito do homem pela mulher, com realce para os Poetas, têm enchido milhares de páginas dedicadas ao culto desse anjo-tutelar que lhes dá o direito à vida, no belo dizer de Pedro Homem de Mello, e que assim continua a ser, mesmo quando o Poeta se dirige à mulher-virgem, como o fez António Nobre num dos mais belos e comoventes sonetos da Língua Portuguesa, onde a mulher, para quem na época vivia em Paris é uma das mais doces lembranças do Poeta, a par da saudade dos campos do Norte por onde as raparigas passavam a cantar.


Ó virgens que passais, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido lar...

Cantai-me, n'essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formosura, o luar!
Cantai! cantai as límpidas cantigas!
Das ruinas do meu lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas
Que eu vi morrer n'um sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas;
Adormecei-me n'essa voz... Cantai!

António Nobre, in 'Só'

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É ver, depois, ler e sentir a mulher retratada em quadras simples de sete sílabas, onde a par da simplicidade, da beleza do metro e do sentido das estrofes, a mulher é enaltecida, respeitada e amada, como acontece no "Idílio d'Aldeia" traçado magistralmente por António Gomes Leal, em que o riso da mulher é a lua nova exposta desde o alto de um céu que ele inventou, na liberdade poética apenas consentida aos criadores de poesia.

Não sei que há que me impele
Para o teu escuro olhar!...
É mais branca a tua pele,
Do que o linho de fiar!
É tua boca um botão,
E o teu riso a lua nova; 
Quem me dera ter na cova
Os ais do teu coração!
Mal podes saber o gosto
Que tive da vez primeira
Que te avistei, ao sol posto,
Debaixo d'esta amoreira!
Desde esse dia, andorinha!
Desde essa tarde infeliz,
Fiquei preso da covinha 
Que fazes quando te ris!
Não sei que há que me impele
Para o teu escuro olhar!...
É mais branca a tua pele
Do que o linho de fiar!
A minha alma não descansa; -
Morra o sol, ou surja a aurora,
Só tu me lembras criança
De cabelos cor d'amora!
A tua doce ignorância
Tão cheia de singelezas...
Faz todas as almas presas
Como as perguntas da infância!
Tu és como um pomo d'ouro,
E o vivo sol que me alegras;
- Amo mais teu rir sonoro
Do que a voz das toutinegras!...
Quando eu for a enterrar,
N'algum dia, ao pôr do Sol,
Quero levar por lençol
Só a luz do teu olhar!
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- Mas tu só vives cantando! -
E ao vir da fonte com agora, 
Mais sentes que estou penando,
Mais te ris da minha mágoa!
Ah! nunca eu tivesse o gosto
Que tive da vez primeira
Que te avistei, ao sol posto,
Debaixo d'esta amoreira!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul'

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De candura imensa, a composição "Morena" de Guerra Junqueiro é um hino de amor às mulheres que no seu tempo se desgostavam de si mesmas pela cor de bronze da sua pele, o que levou o grande Poeta de "Os Simples" a dedicar-lhes em versos simples, mas de perfeita musicalidade pelo encadeamento da ideia, laboriosamente rendilhada, ao ponto de invocar para a sua aceitação, pelas morenas, o facto incontroverso de ter sido morena a Virgem Maria e Jesus Cristo.
Eis o modo expressivo como Junqueiro traça este belíssimo quadro:
 

Não negues, confessa
Que tens certa pena
Que as mais raparigas
 e chamem morena.
Pois eu não gostava,
Parece-me a mim,
De ver o teu rosto
Da cor do jasmim.

Eu não... mas enfim
É fraca a razão,
Pois pouco te importa
Que eu goste ou que não.
Mas olha as violetas
Que, sendo umas pretas,
O cheiro que têm!
Vê lá que seria,
Se Deus as fizesse
Morenas também!

 Tu és a mais rara
 De todas as rosas;
 E as coisas mais raras
 São mais preciosas.

Há rosas dobradas
E há-as singelas;
Mas são todas elas
Azuis, amarelas,
De cor de açucenas,
De muita outra cor;
Mas rosas morenas,
Só tu, linda flor.

E olha que foram
Morenas e bem
As moças mais lindas
De Jerusalém.
E a Virgem Maria
Não sei... mas seria
Morena também.

Moreno era Cristo.
Vê lá depois disto
Se ainda tens pena
Que as mais raparigas
 e chamem morena!

Guerra Junqueiro, in 'A Musa em Férias

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