Aleluia
Era a mulher — a
mulher nua e bela,
Sem a impostura
inútil do vestido
Era a mulher,
cantando ao meu ouvido,
Como se a luz se
resumisse nela...
Mulher de seios duros
e pequenos
Com uma flor a abrir
em cada peito.
Era a mulher com
bíblicos acenos
E cada qual para os
meus dedos feito.
Era o seu corpo — a
sua carne toda.
Era o seu porte, o
seu olhar, seus braços:
Luar de noite e
manancial de boda,
Boca vermelha de
sorrisos lassos.
Era a mulher — a
fonte permitida
Por Deus, pelos
Poetas, pelo mundo...
Era a mulher e o seu
amor fecundo
Dando a nós, homens,
o direito à vida!
Pedro Homem de Mello,
in "Miserere"
O Poeta tece neste belo poema um hino de amor à mulher e, depois à ao amor fecundo da mãe que dá filhos ao mundo e de tal jeito se comportam de, no mistério do seu ventre esconderem a vida, que outro Poeta - e dos maiores - escreveu assim, cheio de dor à mulher, sua mãe, quando a sombra da morte passou lá por casa:
Mãe:
Que desgraça na vida
aconteceu,
Que ficaste
insensível e gelada?
Que todo o teu perfil
se endureceu
Numa linha severa e
desenhada?
Como as estátuas, que
são gente nossa
Cansada de palavras e
ternura,
Assim tu me pareces
no teu leito.
Presença cinzelada em
pedra dura,
Que não tem coração
dentro do peito.
Chamo aos gritos por
ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o
rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me
enganas, ou te escondes
Por detrás do terror
deste vazio.
Mãe:
Abre os olhos ao
menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda,
que me queres.
Que és a eterna
mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te
afastou de mim!
Miguel Torga, in 'Diário IV'
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Egas Moniz no brilhante e aturado estudo que emoldura no seu livro: "Julio Dinis e a sua Obra" no cap. XIX, aborda a saudade imensa que marcou na sua curta vida, a morte da mãe nos seus cinco anos de idade, a doce e terna melancolia em que envolve, a cada passo, a recordação dessa perda prematura, para concluir, adiante, que as forças impulsionadoras das crianças, vivem, ainda que muito esbatidas, na esfera afectiva dos adultos e, que, o homem tem pela mãe um afecto particular hetero-sexual de que Freud se baseou para formular o que ele chamou Complexo de Édipo, tendo por base a tragédia de Sófocles: Édipo Rei.
Este amor, que é um profundo respeito do homem pela mulher, com realce para os Poetas, têm enchido milhares de páginas dedicadas ao culto desse anjo-tutelar que lhes dá o direito à vida, no belo dizer de Pedro Homem de Mello, e que assim continua a ser, mesmo quando o Poeta se dirige à mulher-virgem, como o fez António Nobre num dos mais belos e comoventes sonetos da Língua Portuguesa, onde a mulher, para quem na época vivia em Paris é uma das mais doces lembranças do Poeta, a par da saudade dos campos do Norte por onde as raparigas passavam a cantar.
António Nobre, in 'Só'
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É ver, depois, ler e sentir a mulher retratada em quadras simples de sete sílabas, onde a par da simplicidade, da beleza do metro e do sentido das estrofes, a mulher é enaltecida, respeitada e amada, como acontece no "Idílio d'Aldeia" traçado magistralmente por António Gomes Leal, em que o riso da mulher é a lua nova exposta desde o alto de um céu que ele inventou, na liberdade poética apenas consentida aos criadores de poesia.
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Egas Moniz no brilhante e aturado estudo que emoldura no seu livro: "Julio Dinis e a sua Obra" no cap. XIX, aborda a saudade imensa que marcou na sua curta vida, a morte da mãe nos seus cinco anos de idade, a doce e terna melancolia em que envolve, a cada passo, a recordação dessa perda prematura, para concluir, adiante, que as forças impulsionadoras das crianças, vivem, ainda que muito esbatidas, na esfera afectiva dos adultos e, que, o homem tem pela mãe um afecto particular hetero-sexual de que Freud se baseou para formular o que ele chamou Complexo de Édipo, tendo por base a tragédia de Sófocles: Édipo Rei.
Este amor, que é um profundo respeito do homem pela mulher, com realce para os Poetas, têm enchido milhares de páginas dedicadas ao culto desse anjo-tutelar que lhes dá o direito à vida, no belo dizer de Pedro Homem de Mello, e que assim continua a ser, mesmo quando o Poeta se dirige à mulher-virgem, como o fez António Nobre num dos mais belos e comoventes sonetos da Língua Portuguesa, onde a mulher, para quem na época vivia em Paris é uma das mais doces lembranças do Poeta, a par da saudade dos campos do Norte por onde as raparigas passavam a cantar.
Ó virgens que passais, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas,
a cantar!
Eu quero ouvir uma
canção ardente
Que me transporte ao
meu perdido lar...
Cantai-me, n'essa voz
omnipotente,
O sol que tomba,
aureolando o mar,
A fartura da seara
reluzente,
O vinho, a graça, a
formosura, o luar!
Cantai! cantai as
límpidas cantigas!
Das ruinas do meu lar
desaterrai
Todas aquelas
ilusões antigas
Que eu vi morrer n'um
sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas
raparigas;
Adormecei-me n'essa
voz... Cantai!
António Nobre, in 'Só'
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Não sei que há que me impele
Para o teu escuro
olhar!...
É mais branca a tua
pele,
Do que o linho de
fiar!
É tua boca um botão,
E o teu riso a lua
nova;
Quem me dera ter na
cova
Os ais do teu
coração!
Mal podes saber o
gosto
Que tive da vez
primeira
Que te avistei, ao
sol posto,
Debaixo d'esta
amoreira!
Desde esse dia,
andorinha!
Desde essa tarde
infeliz,
Fiquei preso da
covinha
Que fazes quando te
ris!
Não sei que há que me
impele
Para o teu escuro
olhar!...
É mais branca a tua
pele
Do que o linho de
fiar!
A minha alma não
descansa; -
Morra o sol, ou surja a aurora,
Só tu me lembras
criança
De cabelos cor
d'amora!
A tua doce ignorância
Tão cheia de
singelezas...
Faz todas as almas
presas
Como as perguntas da
infância!
Tu és como um pomo
d'ouro,
E o vivo sol que me
alegras;
- Amo mais teu rir
sonoro
Do que a voz das
toutinegras!...
Quando eu for a
enterrar,
N'algum dia, ao pôr
do Sol,
Quero levar por
lençol
Só a luz do teu
olhar!
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- Mas tu só vives cantando! -
E ao vir da fonte com agora,
Mais sentes que estou
penando,
Mais te ris da minha
mágoa!
Ah! nunca eu tivesse
o gosto
Que tive da vez
primeira
Que te avistei, ao
sol posto,
Debaixo d'esta
amoreira!
António Gomes Leal, in 'Claridades do Sul'
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De candura imensa, a composição "Morena" de Guerra Junqueiro é um hino de amor às mulheres que no seu tempo se desgostavam de si mesmas pela cor de bronze da sua pele, o que levou o grande Poeta de "Os Simples" a dedicar-lhes em versos simples, mas de perfeita musicalidade pelo encadeamento da ideia, laboriosamente rendilhada, ao ponto de invocar para a sua aceitação, pelas morenas, o facto incontroverso de ter sido morena a Virgem Maria e Jesus Cristo.
Eis o modo expressivo como Junqueiro traça este belíssimo quadro:
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De candura imensa, a composição "Morena" de Guerra Junqueiro é um hino de amor às mulheres que no seu tempo se desgostavam de si mesmas pela cor de bronze da sua pele, o que levou o grande Poeta de "Os Simples" a dedicar-lhes em versos simples, mas de perfeita musicalidade pelo encadeamento da ideia, laboriosamente rendilhada, ao ponto de invocar para a sua aceitação, pelas morenas, o facto incontroverso de ter sido morena a Virgem Maria e Jesus Cristo.
Eis o modo expressivo como Junqueiro traça este belíssimo quadro:
Não negues, confessa
Que tens certa pena
Que as mais raparigas
e chamem morena.
Pois eu não gostava,
Parece-me a mim,
De ver o teu rosto
Da cor do jasmim.
Eu não... mas enfim
É fraca a razão,
Pois pouco te importa
Que eu goste ou que
não.
Mas olha as violetas
Que, sendo umas
pretas,
O cheiro que têm!
Vê lá que seria,
Se Deus as fizesse
Morenas também!
Tu és a mais rara
De todas as rosas;
E as coisas mais
raras
São mais preciosas.
Há rosas dobradas
E há-as singelas;
Mas são todas elas
Azuis, amarelas,
De cor de açucenas,
De muita outra cor;
Mas rosas morenas,
Só tu, linda flor.
E olha que foram
Morenas e bem
As moças mais lindas
De Jerusalém.
E a Virgem Maria
Não sei... mas seria
Morena também.
Moreno era Cristo.
Vê lá depois disto
Se ainda tens pena
Que as mais raparigas
e chamem morena!
Guerra Junqueiro, in 'A Musa em Férias
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