Pesquisar neste blogue

domingo, 22 de setembro de 2013

Antero de Quental (1842-1891)





Ao passar em tempos, propositadamente, durante uma viagem que fiz a S. Miguel (Açores), pelo muro do Convento das Clarissas da Esperança, em Ponta Delgada, lembrei o suicídio de Antero de Quental.

O meu carinho pelo Poeta guiou os meus passos até àquele fatídico muro que esconde por detrás da sua grossa parede o Senhor Santo Cristo dos Milagres e mostra pela frente, o banco onde está, desde então, omnipresente na sua ausência forçada o grande Poeta que ali acabou com a vida, perante as árvores do Campo de S. Francisco, uma praça quadrangular, onde o coreto – que já existia – parece desfiar uma música fúnebre pela alma do homem que não encontrou saída para os seus males – do corpo e do espírito – que não fosse no cano de um revólver comprado para o efeito, horas antes na loja de Benjamim Ferin, que não só vendia quinquilarias, como  também, armas de fogo.

Eça de Queirós cognomiou por “santo Antero” o seu confrade e grande amigo Antero de Quental, o proeminente pensador, poeta e filósofo nascido em Ponta Delgada  a 18 de Abril de 1842 e baptizado no dia 2 de Maio, na Igreja Matriz de S. Sebastião, onde está a mesma pia baptismal que fez entrar no corpo místico de Cristo, um cristão que ele nunca deixou de ser, pesasse, embora, o seu afastamento da Igreja nos seus tempos de adulto.

Era filho de Fernando de Quental, um dos bravos dos 7500 liberais que, em 1832, desembarcaram no Mindelo, a norte do Porto e contribuíram para implantar o regime constitucional. O avô paterno, André da Ponte Quental da Câmara e Sousa, destacara-se também pelas suas convicções liberais.. A mãe,  Ana Guilhermina da Maia, deu-lhe uma educação muito religiosa que irá contribuir para as suas reflexões místicas, mesmo depois de abandonar a religião.

Em 1856, matriculou em Direito na Universidade de Coimbra, tomando o grau de bacharel em 1864.

Antero de Quental foi o principal preceptor de um grupo de intelectuais ( Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Vieira Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel Arriaga, Salomão Sáraga e Teófilo Braga) que se dispunham a reflectir todas as grandes questões que agitavam o seu tempo, religiosas, políticas, sociais, literárias e científicas, tratando-as com radicalismo, especialmente as que se entroncavam com a religião cristã, dispostos a combater os mitos doutrinais das teologias.

O reflexo imediato teve eco nas chamadas “Conferências do Casino”, uma série de palestras realizadas na primavera de 1871 em Lisboa,  impulsionadas pelo Poeta que para tanto havia insuflado no “Grupo do Cenáculo” (1) o entusiasmo para as realizar, sob a influência das ideias revolucionárias de Proudhon.

Portugal agitava-se, ainda, pelos labaredas ateadas entre as lutas do radicalismo de D. Miguel e o liberalismo de D. Pedro, dois irmãos desavindos, mas cujos ideais se haviam gravado na alma portuguesa, gerando o clima propício ao conflito clericalismo-anticlericalismo, ainda hoje, está perfeitamente presente em muitos sectores da nossa cultura.

Em 1873, Antero adoece  gravemente

Em Julho daquele ano vai a Angra do Heroísmo para consultar um médico homeopata.

Em Setembro regressa a Lisboa e consulta dois médicos: Sousa Martins e Curry Cabral.

Em Maio de 1875, publica a 2ª edição do seu livro “Odes Modernas.”

Em 1876, toma contacto com a filosofia  do panteísta Hartmann que muito o influenciou. Depois de aspirar ao Nirvana budista, procurou uma consolação através da filosofia estóica.
 
Em 1877, vai a Paris consultar Charcot e tenta uma cura hidroterápica na comuna de  Bellevue.

Nesta localidade apaixona-se por uma aristocrata francesa, paixão que veio a redundar num fracasso que quase o levou ao suicídio. No ano seguinte tenta uma nova cura em Bellevue, mas não consegue melhoras.

Em 1878 é convidado a candidatar-se como deputado republicano socialista, o que recusa.

Em 1880 instala-se na Calçada de Santana, em Lisboa, no momento em que toma a seu cargo a educação das duas filhas do seu amigo do coração, Germano Meireles, falecido em  1877 e seu companheiro de tertúlia.

Em 1885 escreve os seus dois últimos sonetos.

Em 1886 publica os Sonetos Completos, prefaciados por Oliveira Martins.

Em 1887, vai, mais uma vez aos Açores.

Confessa: Tive um certo prazer em tornar a ver a minha terra (…) Tem-me agradado esta terra e foi até com certo prazer que ontem me achei a passear no campo de S. Francisco, local onde se suicidaria no dia 11 de Novembro de 1891, parecendo que o seu célebre soneto “Na Mão de Deus” foi na época em que o escreveu, um prenúncio do desenlace da sua vida

 
Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

 
Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

 
Como criança. em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

 
Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na não de Deus eternamente!

 
De Carlos Loures, e com a respectiva vénia, relata-se “ipsis-verbis”os últimos instantes do Poeta.

É um dia húmido de Novembro. São Miguel está, como quase sempre, sob uma espessa camada de nuvens. Azorian torpor é como os ingleses chamam a esta atmosfera opressiva, obsidiante, que não só atormenta o corpo como parece infiltrar-se e assediar a mente. Na baixa de Ponta Delgada, ao lado da Tabacaria Açoriana, fica a loja de quinquilharias de Benjamim Ferin. Antero entra na loja e cumprimenta o empregado. Está calmo, tranquilo. Pergunta se tem revólveres à venda. O empregado olha-o surpreendido. Antero, sorri:

- Sabe, vou morar para um local longe de vizinhança. Com os ratoneiros que andam por aí, é bom estar prevenido.

- Sem dúvida, senhor doutor. É mais prudente estar prevenido.

E vai buscar as armas que tem para venda. Antero analisa-as uma a uma. Acaba por optar por um revólver Lefaucheux. O empregado ensina-o a carregá-lo.

- Nunca peguei numa arma de fogo...

O homem dá-lhe mais algumas explicações. Quando vai a retirar as balas do tambor, Antero diz-lhe:

- Não, não. Deixe-o assim, já pronto.

O homem obedece, mas avisa de que convém nunca esquecer que a arma está carregada, pronta a disparar. Às vezes há acidentes...

- Esteja descansado. Vou ter todo o cuidado.

Enquanto embrulha o revólver com sucessivas camadas de papel, o empregado pergunta:

- Ouvi contar que o senhor doutor ia para Lisboa?

- Pensei nisso, mas desisti, pois ultimamente tenho passado melhor.

- Ainda bem, senhor doutor. Ainda bem.

Antero tira da algibeira algumas libras que põe sobre o balcão:

- Faça o favor de se pagar. Eu nunca me habituei a fazer dedução de moeda fraca.

Antero sai. Os homens que estão à porta, saúdam-no respeitosamente.

Vai a casa de seu primo, Augusto de Arruda Quental. Quando entra coloca o embrulho sobre uma mesa e, por cima, põe o chapéu. Conversa tranquilamente com o primo. Falam de banalidades. O tempo, a política, coisas da família. Quando Antero se ergue para sair, o primo dá-lhe o chapéu e faz depois menção de lhe entregar também o embrulho. Antero quase grita:

- Não lhe pegues!

Despedem-se.

Metendo pela Rua de S. Brás, encaminha-se a passos lentos para o Campo de São Francisco, uma ampla praça pública de Ponta Delgada. Aí, senta-se num banco, junto do muro do convento da Esperança.. Nesse muro, por cima do banco, um dístico em pedra lavrada mostra a palavra esperança sobreposta a uma âncora. Antero sorri. Esperança e uma âncora que o segurem à vida, eis precisamente o que lhe falta.

 Olha o largo, com as suas árvores, com as suas simétricas placas redondas de relva, circundando o pequeno coreto implantado no centro. Há pouca gente. Uma senhora passa perto levando pelas mãos duas crianças. À memória ocorre-lhe a imagem de um menino passeando ali, pela mão de seu pai, muitos anos atrás. De tudo, o pior mal é ter nascido, pensa.
..............................................................
 
(1) - Pode definir-se o Cenáculo como um grupo de jovens escritores e intelectuais, denominados de vanguarda, que trazem de Coimbra para Lisboa a disposição boémia e tentam agitar a sociedade no que diz respeito a questões políticas e mesmo sociais, agitação esta que terá como ponto culminante as Conferências Democráticas do Casino, organizadas pelos artistas e literatos que fundam e frequentam este grupo. Constitui-se este grupo no meio termo que se encontra entre a formatura destes intelectuais e as suas carreiras.
Esta espécie de tertúlia, iniciada por fins de 1867, tem como seu primeiro local de reunião a casa de Batalha Reis, na Travessa do Guarda-Mor, n.º 19 hoje Rua do Grémio Lusitano, situada no cruzamento desta rua com a Rua dos Calafates, actualmente Rua Diário de Notícias, no Bairro Alto. Quando Antero de Quental regressa das ilhas, cerca de Novembro de 1868, passa a desempenhar um papel primordial nesta tertúlia. (in C.I.T.I)

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário