Joaquim Cesário Verde nasceu no
dia 23 de Fevereiro de 1855 na Rua da Padaria, ao pé da Sé de Lisboa e morreu nas imediações do
Paço do Lumiar, no dia 19 de julho de 1886.
O pai, José Anastácio Verde, possuía um a loja
de ferragens na Rua dos Fanqueiros. Era um comerciante conceituado, dono de uma
quinta em Linda-a-Pastora, bem perto de Lisboa, e que deu a Cesário vários
motivos de encanto e que ele não esqueceria. Em 1872 iniciou na loja do pai o contacto
com o público e com a actividade comercial. Nesse ano, falece a irmã, Maria
Júlia, a primogénita, vítima de tuberculose. Tinha dezanove anos e esse facto havia de marcar para o resto da
vida a sensibilidade do Poeta que lhe teceu versos de grande amargura, como
estes:
Unicamente, a minha doce irmã,
Como uma ténue e imaculada rosa,
Dava a nota galante e melindrosa
Na trabalheira rústica, aldeã.
E foi num ano pródigo, excelente,
Cuja amargura nada sei que adoce,
Que nós perdemos essa flor precoce,
Que cresceu e morreu rapidamente!
Em 1873 matricula-se no Curso
Superior de Letras onde conhece e se torna grande amigo do escritor António
Silva Pinto, um moço arrebatado e simpatizante com os ideais da Comuna de Paris
e que odiava a burguesia, pintando a sociedade entre exploradores e explorados.
Começa por desprezar Cesário, que apelida de burguesinho mas fica seu amigo – e
para sempre – quando leu os seus primeiros poemas que apareceram publicados no
Diário de Notícias.
Na época era Director daquele
Jornal, Eduardo Coelho, que em tempos fora caixeiro na loja do pai de Cesário e
continuava a ter pelo antigo patrão uma grande estima. Foi quanto bastou para
Cesário conseguir publicar no jornal os seus primeiros poemas.
Colabora, depois, em dois Jornais
do Porto: Diário da Tarde e Tribuna.
O seu estro não passa
despercebido a Ramalho Ortigão que lhe dedica uma das suas Farpas, a propósito
do poema Esplêndida.
Trava amizade com o autor da Musa
Alentejana, António de Macedo Papança, o futuro conde Monsaraz e enceta
colaboração no Mosaico (Coimbra) cruzando-se com Junqueiro, João de Deus e
Gomes Leal.
Em 1877 tem os primeiros achaques
de tuberculose e passa a viver na sua quinta de Linda-a-Pastora, cujos ares são
mais sadios. Em 1880 dá à estampa O Sentimento dum Ocidental no número do
Jornal de Viagens que se publicava no Porto, dedicado ao tricentenário de
Camões.
Em 1881 participa no “Grupo do
Leão” (1) Convive com José Malhoa, Silva
Porto, Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro e com Abel Botelho, Alberto de
Oliveira, Fialho de Almeida e Gualdino Gomes.
Em 1884 deixa de frequentar os
meios literários. Recolhe-se na sua quinta de
Linda-a-Pastora. No ano seguinte agrava-se o seu estado de saúde e
instala-se em Caneças e, depois, aceita a hospedagem de um amigo que possuía
uma casa no Lumiar, onde faleceu aos 31 anos de idade.
No centenário da sua morte a
edilidade lisboeta honrou a sua memória descerrando uma lápide na casa do Largo
de S. Sebastião, última morada em vida do Poeta de Lisboa e dos seus costumes,
dos quais traçou quadros de grande beleza literária e de um grande realismo. Em
1887 Silva Pinto, o seu grande amigo,
edita O Livro de Cesário Verde que é dedicado ao seu irmão Jorge Verde.
Com uma tiragem de 200 exemplares englobava
os trabalhos poéticos produzidos
entre 1873 e 1886, sucedendo-se edições em 1901, 1911, 1919, 1926, 1945, etc.
O Poeta que inicialmente se
assumiu influenciado pelo Parnasianismo (2) evoluíu com extrema rapidez para um
realismo social, procurando nas imagens do quotidiano motivos para deixar
aguarelas literárias de fino recorte, instituindo-se como um precursor e ponto
de partida de um modernismo na Poesia portuguesa, tematizando com raro brilho
poético as cenas da cidade com todo o seu bulício, buscando ali toda a dimensão
humana e conseguindo valorizar o vocabulário urbano, num ritmo ondulante que
não só fixa os horizontes do que exprime como os abre à sensibilidade humana.
Cesário foi um repórter lírico
que se deixou atrair pela cidade de Lisboa, um facto que o singulariza de tal
modo que parece, pelo precursor que foi, que o seu neo-realismo fez escola e
viria a encontrar expressão após a Segunda Guerra Mundial.
Do seu passear pelas docas de
Lisboa e da azáfama que nelas viu expressa nas varinas, a sua fina
sensibilidade de artista ímpar deixou-nos este quadro muito belo, retirado do
poema Ave Marias:
Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me
pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas
canastras
Os filhos que depois naufragam
nas tormentas.
E da sua rara sensibilidade, que
o levava a captar a vida nos seus pormenores da labuta diária dos homens que
trabalhavam, não deixou escapar, profissões como o cutileiro, a
forjador e o padeiro, que junta numa simples quadra, que é um retrato da
vida como este, intitulado Ao Gás:
Num cutileiro, de avental, ao
torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.
E ao perder-se pelas ruas da
cidade de Lisboa, há no mesmo poema, alguma amargura de não ser capaz de as
pintar em versos magistrais, quando, afinal o fez, como só ele foi capaz:
Longas descidas! Não poder pintar
Com versos magistrais, salubres e sinceros,
A esguia difusão dos vossos reverberos,
E a vossa palidez romântica e lunar!
Dos seus passeios pelo campo –
possivelmente, inspirado pela observação da vida campestre dos seus tempos em
Linda-a-Pastora, onde o pai possuía a granja que lhe serviu de refúgio quando
sentiu os primeiros achaques da tuberculose que o viria a vitimar - o Poeta deixou-nos o poema De Tarde que é
uma referência ao seu lirismo puro, servido por um encadeamento perfeito das
ideias e das palavras:
Naquele pique-nique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente
bela
E que, sem ter história nem
grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do
burrico,
Foste colher, sem imposturas
tolas,
A um granzoal azul de
grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns
penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas
rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
No tempo de Cesário, D. Luís era
o rei de Portugal. Vivia-se o Liberalismo e a Monarquia Constitucional. Vale
isto por dizer que a abertura política que tantos trabalhos dera a ser
conquistada, faz que ele assista em plena juventude às Conferências Democráticas
do Casino (3) realizadas em 1871 – tinha Cesário 16 anos, um tempo em que a
juventude se abre a novos ideais – não tendo, por isso, ficado impune ao fervor
social congregado à volta do Partido Republicano e que teria gerado em Cesário
um pendor pelo desejo da República, um
facto que se nota na sua poesia Deslumbramentos onde a par de se revelar o
homem ardente e apaixonado pela heroína do poema, milady , de quem afirma:
Em si tudo me atrai como um
tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de
oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!
Na parte final, porém, faz
emergir o crítico deixando perceber o tempo novo – que ele não teve tempo para
viver – quando, com algum desdém dá a milady
este conselho:
Mas cuidado, milady, não se
afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros
reais;
E os povos humilhados, pela
noite,
Para a vingança aguçam os
punhais.
E um dia, ó flor do Luxo, nas
estradas,
Sob o cetim do Azul e as
andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos – as
rainhas.
Cesário escreveu este poema em
1875.
No seu tempo no tecido social
fervia a luta política. Em 1877 demitiu-se o ministério regenerador de Fontes
Pereira de Melo. Posteriormente os progressistas atacaram o rei, acusando-o de
patrocinar os regeneradores. O ministério regenerador caiu, em 1879, e D. Luís
chamou os progressistas a formar governo. Cesário, como aconteceu com os
grandes vultos da intelectualidade portuguesa de então, não foi indiferente ao
tempo que viveu e que apontava – enterrado o absolutismo – para um tempo novo,
compreendendo-se, assim, as duas últimas quadras do poema Deslumbramentos.
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(1) - José Malhoa, Silva
Porto, Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro, entre outros, dão corpo a um
movimento de renovação da arte em Portugal, dando-lhe características nacionais.
O Grupo reunia-se no Café Leão de Ouro, da então R. do Príncipe, actual r. 1º
de Dezembro. Daí o nome: Grupo do Leão.
(2) - O vocábulo deriva de “Parnaso” monte da
antiga Grécia, consagrado a Apolo, deus da poesia e às musas. Como designação
de escola literária, deve a sua origem ao título da publicação francesa” Le
Parnasse Contemporain” (1866) na qual se publicaram as primeira obras poéticas
que reagiram contra o Romantismo, voltando-se o poeta para o mundo exterior,
expondo os temas com realidade e sem sentimentalismos.
(3) - O grupo de intelectuais que participou em Coimbra na “Questão
Coimbrâ”, acabados os seus cursos reuniiu-se de novo em Lisboa, tendo-se
agregado a Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga e Ramalho Ortigão,
Jaime Batalha Reis, Salomão Saragga, Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, entre
outros, formando o “Cenáculo” que foi interventivo nas chan´madas Conferências,
realizadas no Casino Lisbonense, situado no Largo da Abegoaria.
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