Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Cesário Verde (1855-1886)


 

Joaquim Cesário Verde nasceu no dia 23 de Fevereiro de 1855 na Rua da Padaria, ao pé  da Sé de Lisboa e morreu nas imediações do Paço do Lumiar, no dia 19 de julho de 1886.
 O pai, José Anastácio Verde, possuía um a loja de ferragens na Rua dos Fanqueiros. Era um comerciante conceituado, dono de uma quinta em Linda-a-Pastora, bem perto de Lisboa, e que deu a Cesário vários motivos de encanto e que ele não esqueceria. Em 1872 iniciou na loja do pai o contacto com o público e com a actividade comercial. Nesse ano, falece a irmã, Maria Júlia, a primogénita, vítima de tuberculose. Tinha dezanove anos  e esse facto havia de marcar para o resto da vida a sensibilidade do Poeta que lhe teceu versos de grande amargura, como estes:
 
Unicamente, a minha doce irmã,
Como uma ténue e imaculada rosa,
Dava a nota galante e melindrosa
Na trabalheira rústica, aldeã.

 
E foi num ano pródigo, excelente,
Cuja amargura nada sei que adoce,
Que nós perdemos essa flor precoce,
Que cresceu e morreu rapidamente!
 
Em 1873 matricula-se no Curso Superior de Letras onde conhece e se torna grande amigo do escritor António Silva Pinto, um moço arrebatado e simpatizante com os ideais da Comuna de Paris e que odiava a burguesia, pintando a sociedade entre exploradores e explorados. Começa por desprezar Cesário, que apelida de burguesinho mas fica seu amigo – e para sempre – quando leu os seus primeiros poemas que apareceram publicados no Diário de Notícias.
Na época era Director daquele Jornal, Eduardo Coelho, que em tempos fora caixeiro na loja do pai de Cesário e continuava a ter pelo antigo patrão uma grande estima. Foi quanto bastou para Cesário conseguir publicar no jornal os seus primeiros poemas.
Colabora, depois, em dois Jornais do Porto: Diário da Tarde e Tribuna.
O seu estro não passa despercebido a Ramalho Ortigão que lhe dedica uma das suas Farpas, a propósito do poema Esplêndida.
Trava amizade com o autor da Musa Alentejana, António de Macedo Papança, o futuro conde Monsaraz e enceta colaboração no Mosaico (Coimbra) cruzando-se com Junqueiro, João de Deus e Gomes Leal.
Em 1877 tem os primeiros achaques de tuberculose e passa a viver na sua quinta de Linda-a-Pastora, cujos ares são mais sadios.  Em 1880 dá à estampa  O Sentimento dum Ocidental no número do Jornal de Viagens que se publicava no Porto, dedicado ao tricentenário de Camões.
Em 1881 participa no “Grupo do Leão” (1) Convive com  José Malhoa, Silva Porto, Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro e com Abel Botelho, Alberto de Oliveira, Fialho de Almeida e Gualdino Gomes.
Em 1884 deixa de frequentar os meios literários. Recolhe-se na sua quinta de  Linda-a-Pastora. No ano seguinte agrava-se o seu estado de saúde e instala-se em Caneças e, depois, aceita a hospedagem de um amigo que possuía uma casa no Lumiar, onde faleceu aos 31 anos de idade.
No centenário da sua morte a edilidade lisboeta honrou a sua memória descerrando uma lápide na casa do Largo de S. Sebastião, última morada em vida do Poeta de Lisboa e dos seus costumes, dos quais traçou quadros de grande beleza literária e de um grande realismo. Em 1887 Silva Pinto, o seu grande amigo,  edita O Livro de Cesário Verde que é dedicado ao seu irmão Jorge Verde. Com uma tiragem de 200 exemplares englobava  os  trabalhos poéticos produzidos entre 1873 e 1886, sucedendo-se edições em 1901, 1911, 1919, 1926, 1945, etc.
O Poeta que inicialmente se assumiu influenciado pelo Parnasianismo (2) evoluíu com extrema rapidez para um realismo social, procurando nas imagens do quotidiano motivos para deixar aguarelas literárias de fino recorte, instituindo-se como um precursor e ponto de partida de um modernismo na Poesia portuguesa, tematizando com raro brilho poético as cenas da cidade com todo o seu bulício, buscando ali toda a dimensão humana e conseguindo valorizar o vocabulário urbano, num ritmo ondulante que não só fixa os horizontes do que exprime como os abre à sensibilidade humana.
Cesário foi um repórter lírico que se deixou atrair pela cidade de Lisboa, um facto que o singulariza de tal modo que parece, pelo precursor que foi, que o seu neo-realismo fez escola e viria a encontrar expressão após a Segunda Guerra Mundial.
Do seu passear pelas docas de Lisboa e da azáfama que nelas viu expressa nas varinas, a sua fina sensibilidade de artista ímpar deixou-nos este quadro muito belo, retirado do poema Ave Marias:
 
Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
 
E da sua rara sensibilidade, que o levava a captar a vida nos seus pormenores da labuta diária dos homens que trabalhavam, não deixou escapar, profissões como o  cutileiro, a  forjador e o padeiro, que junta numa simples quadra, que é um retrato da vida como este, intitulado Ao Gás:
 
Num cutileiro, de avental, ao torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.
 
E ao perder-se pelas ruas da cidade de Lisboa, há no mesmo poema, alguma amargura de não ser capaz de as pintar em versos magistrais, quando, afinal o fez, como só ele foi capaz:
 
Longas descidas! Não poder pintar
Com versos magistrais, salubres e sinceros,
A esguia difusão dos vossos reverberos,
E a vossa palidez romântica e lunar!
 
Dos seus passeios pelo campo – possivelmente, inspirado pela observação da vida campestre dos seus tempos em Linda-a-Pastora, onde o pai possuía a granja que lhe serviu de refúgio quando sentiu os primeiros achaques da tuberculose que o viria a vitimar  - o Poeta deixou-nos o poema De Tarde que é uma referência ao seu lirismo puro, servido por um encadeamento perfeito das ideias e das palavras:

 
Naquele pique-nique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
 
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
 
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
 
 
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

 
No tempo de Cesário, D. Luís era o rei de Portugal. Vivia-se o Liberalismo e a Monarquia Constitucional. Vale isto por dizer que a abertura política que tantos trabalhos dera a ser conquistada, faz que ele assista em plena juventude às Conferências Democráticas do Casino (3) realizadas em 1871 – tinha Cesário 16 anos, um tempo em que a juventude se abre a novos ideais – não tendo, por isso, ficado impune ao fervor social congregado à volta do Partido Republicano e que teria gerado em Cesário um pendor pelo desejo da República,  um facto que se nota na sua poesia Deslumbramentos onde a par de se revelar o homem ardente e apaixonado pela heroína do poema, milady , de quem afirma:
 
Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!
 
Na parte final, porém, faz emergir o crítico deixando perceber o tempo novo – que ele não teve tempo para viver – quando, com algum desdém dá a milady  este conselho:
 
Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.
 
E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos – as rainhas.

 
Cesário escreveu este poema em 1875.
No seu tempo no tecido social fervia a luta política. Em 1877 demitiu-se o ministério regenerador de Fontes Pereira de Melo. Posteriormente os progressistas atacaram o rei, acusando-o de patrocinar os regeneradores. O ministério regenerador caiu, em 1879, e D. Luís chamou os progressistas a formar governo. Cesário, como aconteceu com os grandes vultos da intelectualidade portuguesa de então, não foi indiferente ao tempo que viveu e que apontava – enterrado o absolutismo – para um tempo novo, compreendendo-se, assim, as duas últimas quadras do poema Deslumbramentos.

............................................................................
 
 (1) - José Malhoa, Silva Porto, Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro, entre outros, dão corpo a um movimento de renovação da arte em Portugal, dando-lhe características nacionais. O Grupo reunia-se no Café Leão de Ouro, da então R. do Príncipe, actual r. 1º de Dezembro. Daí o nome: Grupo do Leão.


(2)  - O vocábulo deriva de “Parnaso” monte da antiga Grécia, consagrado a Apolo, deus da poesia e às musas. Como designação de escola literária, deve a sua origem ao título da publicação francesa” Le Parnasse Contemporain” (1866) na qual se publicaram as primeira obras poéticas que reagiram contra o Romantismo, voltando-se o poeta para o mundo exterior, expondo os temas com realidade e sem sentimentalismos.

(3) - O grupo de intelectuais  que participou em Coimbra na “Questão Coimbrâ”, acabados os seus cursos reuniiu-se de novo em Lisboa, tendo-se agregado a Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga e Ramalho Ortigão, Jaime Batalha Reis, Salomão Saragga, Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, entre outros, formando o “Cenáculo” que foi interventivo nas chan´madas Conferências, realizadas no Casino Lisbonense, situado no Largo da Abegoaria.

Sem comentários:

Enviar um comentário