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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A Lenda do Assobio do Pastor Yankelle



      Luigi Amicone, para situar a sobrenaturalidade que está intrínseca na lenda do pastor Yankele, começa o seu relato por se referir aos velhos pastores de Belém, do tempo em que nasceu Jesus, e que, embora rudes, foram as personagens escolhidas em primeiro lugar para dar conta de tão grande acontecimento.
     Faz, por esse motivo da sua personagem, alguém que vai beber nos tempos dos bíblicos guardadores de rebanhos, situando-o no grupo daqueles, que segundo o Talmude, permaneciam sempre no deserto noite e dia e que tinham, exactamente, como território os arrabaldes da cidade que não deu guarida aos pais sagrados.
Efectivamente, havia nos arredores – de Belém - uns pastores que vigiavam e guardavam os seus rebanhos durante as vigílias da noite, narra com precisão o evangelista S. Lucas.
Era o tempo do Inverno. Diz o evangelista que o céu estava verdadeiramente cheio de estrelas. O ar frio e  seco estaria certamente limpo e o  silêncio era apenas quebrado pelo tilintar dos sinos dos animais. Mas a noite bela, de frio acerbo como são as noites desta estação, como atesta o narrador bíblico é interrompida repentinamente pelo luzir de um imenso clarão, parecendo um raio no céu sereno.
De repente aqueles pastores incultos que usavam o assobio para se entenderem nas cristas dos montes e com ele chamavam  os animais que lhes obedeciam cegamente, são visitados pelo anjo, que lhes diz: eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo (...).
É para eles, que passavam o dia a assobiar aos rebanhos – mas lembrando-se de Deus -  que o anjo se dirige. É uma deferência da divindade.
São palavras estranhas para quem vivia solitariamente, fazendo dos seus assobios os únicos sinais que davam de si mesmos, noites e dias pelas imensidões dos desertos de Belém.
Luigi Amicone, após este intróito, dá-nos conta da lenda do pastor Yankele, focando um  assobio que ele soltou num dado momento solene, dando dele um breve retracto, focando que o jovem não quisera estudar, um facto que constituíra uma grande dor para o pai. De pronto, enviado para o deserto com um rebanho de ovelhas – como os velhos pastores bíblicos de Belém -   não se esqueceu, no entanto, do dia do Kippur (Dia do perdão na tradição judaica), descendo pressuroso, até ao vilarejo onde se iria assinalar a efeméride.
A sinagoga brilhava de luz e de divino esplendor. Baal Shem Tov (1) havia convocado os judeus para a importante reunião.
Na sinagoga chega o momento solene da oração dos Sacerdotes. Todo o sussurro se extinguiu, podendo-se ouvir apenas a respiração do grande Rabino recolhido no seu púlpito. De súbito, um assobio estridente, quebrou o silêncio solene. Todos, admirados, se viraram para o lado de onde ele tinha vindo.
O pai de Yankele empalideceu e cambaleou. O seu filho estava lá, com os dois dedos ainda sobre os lábios. Recobrando ânimo, abriu caminho por entre as pessoas, pronto para punir o filho com toda a raiva e a vergonha que sentia. O rapaz fugiu assustado e Baal Shem Tov, do alto do púlpito, disse:
- Tragam-me  aqui  aquele rapaz!.
Um murmúrio de maldizer encheu, de repente, a sinagoga:
- É o pastor Yankele. O pai não o soube educar, não soube ensiná-lo a amar a Deus!
Quando o jovem chegou à presença do Mestre, este  interrogou-o:
- Sabes o que fizeste, rapaz?
Com a cabeça inclinada, respondeu humílimo:
- Perdoai-me, grande Rabino. Não me consegui conter. Eu também queria rezar. Queria exprimir ao Santo Bendito a minha maravilha pela Sua criação, exactamente como faço quando estou lá em cima, nas montanhas, pois é de lá que eu vejo, à minha frente, no alto e em toda a minha volta, a majestade da Sua beleza! Perdoai-me, Mestre. Não acontecerá mais. Não virei mais à sinagoga. Ficarei nas montanhas para sempre!
Naquele momento, foi como se uma luz iluminasse tudo em volta. O Rabino pousou docemente a mão sobre a cabeça do rapaz e disse:
- Bendito seja este dia, no qual o Senhor quis falar a nós, filhos, através deste pequeno pastor. O teu assobio, rapaz, este gesto de amor que te foi dado exprimir, escancarou as portas do céu e fez chegar as Suas bênçãos sobre todos nós!
Afinal, o pastor Yankele, amava Deus, quando, –  como faziam os velhos pastores de Belém – erguiam na estridência do seus assobios, hinos a Deus, glorificando-O nas alturas do Céu, que de noite lhes dava a lição da Sua Omnipotência.
Que nos sirva a nós a lição.
A nós, que muitas vezes botamos lindos discursos cheios de palavras rendilhadas e, quantas vezes, nada dizem a Deus, ao contrário do que fazia o pastor Yankele com o seu assobio.
Acontece isto, contra os juízos precipitados de uma sociedade bem arrumada nos seus preconceitos vazios e que se escandaliza dos gestos que apenas são anómalos nas mentes de boas maneiras, mas sem que dentro delas more o verdadeiro amor pelo  sobrenatural que se pode viver de muitas maneiras, até assobiando.
E Deus, que tudo entende, escuta mais aqueles que se lhe dirigem sem gestos estudados ou de grande pompa, desde que neles vá uma alma limpa de preconceitos do mundo, do que aqueles, que com frases estudadas e de grande retórica académica enchem discursos bem feitos mas onde a alma fica à porta ou até se ausenta.
                                                                                             


(1) - Baal Shem Tov, quer dizer: “O Senhor de Boa Fama”. Trata-se aqui do místico Israel Ben Eliezer, criador do hassidismo em 1740, isto é, criador  do  sistema “hassid” que em hebraico significa “pio”, tendo como génese  as duas correntes que desde o princípio existiam no seio do judaísmo: a de um formalismo ritual da Bíblia e do Talmud e a do misticismo e ocultismo, que criou  a Cabalá e o Zohar. O formalismo ritual rigorosamente praticado na Europa Oriental nos séculos XVII e XVIII, pelos modos como era vivido tendia a gerar uma reacção, o que levou Israel Bem Eliezer à prática do hassidismo, despertando um maior sentido do religioso, com a oração impregnada de uma alegria tendente a dar ao homem uma maior proximidade com a divindade.
 

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