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domingo, 8 de setembro de 2013

Bernardo de Passos (1876-1930)



Bernardo de Passos é natural de S. Brás de Alportel, onde nasceu em 1876.
Impulsionado pelo ardor republicano do pai - um poeta e jornalista de mérito -  que acompanhou desde muito cedo nas lides jornalísticas, como ele, seguiu-lhe as pisadas no campo republicano de que se fez um acérrimo paladino e, como o pai,  enveredou pelo campo do jornalismo, havendo colaborado, sobretudo, em jornais da sua Província, entre os 12 e 15 anos, sob os pseudónimos: Brás Brasil e Passos Júnior.
Após a implantação da República veio a ser Administrador do concelho de Faro, onde viria a falecer em 1930.
Granjeou fama bem merecida como cultor do lirismo nacional, tendo-se irmanado neste campo literário a nomes sonantes como o do seu patrício João de Deus e Augusto Gil, pesassem embora, a seu desfavor, a reduzida cultura académica, mas contrapondo-se-lhe o fulgor emotivo, uma fina e bem arquitecturada sensibilidade artística, a pureza da forma, a elevação do pensamento, a bondade, a modéstia e o trato contemplativo sobre tudo o que se movia em redor.
É deste modo que a sua poesia é um hino à vida, à natureza e àquilo que é simples com a pureza que esta qualidade encerra, donde a nobreza dos sentimentos foi uma bandeira desfraldada na sua vida, dando a todos os seus versos a cadência rítmica do metro, seja na redondilha, no soneto mais elaborado ou nas quadras feitas ao jeito popular que se tornaram de tal modo conhecidas que o povo do seu tempo as cantou, ao ponto de a sua lira se compara em muitos aspectos à de João de Deus.
O seu lirismo não se compraz, apenas, com a aparências exteriores das coisas, mas vai dentro deles buscar as interrogações imbuídas de alguma beleza, às vezes, rude, mas sempre simples e de uma penetração filosófica acentuada em o "Grão de Trigo" e "Portugal na Cruz".
Possuidor de uma bondade inata ao serviço duma peregrina sensibilidade artística, pode dizer-se, sem que com tal asserção fujamos à verdade, que todas as poesias de Bernardo de Passos são cânticos à Natureza e ao Amor, não havendo palavras dúbias, o que faz com que o seu pensamento surja sempre límpido, com a sadia inspiração dos homens fadados para o vôo àlacre da Poesia.
Bernardo de Passos é um lídimo e respeitado filho de S. Brás de Alportel.
Eis a sua obra.
"Adeus" (1902) ; "Grão de Trigo" (1907); "Portugal na Cruz" (1909), Bandeira da República" (1913);"A Árvore e o Ninho" (1930); "Refúgio" (1937), sendo estas duas publicações editadas postumamente.
Profundo nacionalista, o seu poema "PÁTRIA" é disso um perfeito exemplo, sem contudo, deixar de ser, pelo espírito que o movia, um ser universal pelo sentimento.

Eu amo o meus País, embora sobre a Terra
Em cada homem veja apenas um irmão.
Nós somos como a estêva ou a urze da serra
Que só floresce bem no seu dorido chão...

Na Pátria, o coração é uma árvore. Cresce,
Prendendo-lhe a raiz e em flor sorrindo ao céu!
Quanto mais se ergue em flor, mais ele à raiz desce,
Mais ele beija e abraça o chão onde nasceu...

(in, Portugal na Cruz)

Mas é no poema "SÍLFIDE" que o seu lirismo se expande com todo o encanto do Poeta, que no fim da vida, quando escreveu esta composição, nos deu, como em despedida o sentido profundo da alma que o fez sentir e viver.

Nunca ainda os meus olhos conseguiram
Fitar-te e ver-te bem!
E os meus olhos, que ainda te não viram,
Não vêem mais ninguém!

Não te viram, ainda, de encantados;
Não te fixaram, não!
Porque os meus olhos andam deslumbrados
- Cegos do teu clarão!

Imaterial e, como um fumo leve,
Vela-te o próprio ar.
O corpo radioso, de oiro e neve,
O meu ansioso olhar!

E a cada olhar meu, tu és diferente,
Num reflorir sem norma,
- Nuvem de oiro correndo num poente
Sempre a mudar de forma!

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Passas oculta em luz! Teu corpo adeja
Num luar de jasmim!
Eu sei que és linda, não porque te veja
Mas por te amar assim!

.............................................................

Ó visão de incerteza! Ó flor celeste
Dum alado jardim!
Que crepúsculo etéreo te reveste,
A esconder-te de mim?

Que alvor envolve, ó Sonho em que me enlevo?
Que encantado arrebol?
Só te pressinto... a olhar-te sou um cego
Olhando para o Sol!

(in, Refúgio)

Sonetista emérito, eis algumas das suas inspiradas composições:

VAGABUNDO

Como alguém que menino se partisse
de casa de seus pais, aventureiro,
e envelhecido, e só, e sem dinheiro,
em pátria estranha a morte, enfim, sentisse:

E que lembrando então a meninice,
o lar distante, e o seu amor primeiro,
já tudo cresse um sonho (o derradeiro...)
uma incerta miragem da velhice:

Saudoso e triste. assim eu vou lembrando
esse bem que perdi num vão viver,
e que menino e moço andei logrando...

- Bem tão distante já, se o busco a ver,
que eu penso que, se o tive, foi sonhando,
que eu sinto que o perdi, sem nunca o ter...


AQUELA QUE PRIMEIRO AMEI

Já esqueci teu nome, essa harmonia
que, como um mel, a boca me adoçava,
mas não o teu amor, rolinha brava,
Ó meu sol de quando eu amanhecia!

Se lá, na infância, amor, quando te via,
eu te houvera deixado a alma escrava,
já ela, assim perdida, não me andava;
já, triste, eu não sonhava noite e dia.

Escuta a nossa história... Era uma vez...
um puro Amor, - o nosso... Mas parti;
menina te deixei num vale em flor...

Como esse amor de rosas se desfez!
- Eu amei castelãs que longe vi;
e tu, depois, amaste um cavador...



REGRESSO


Minha aldeia, voltei! Avé-Marias...
Teu crepúsculo d'oiro até parece
que me canta e me embala, e me adormece,
a florir a amargura dos meus dias....

Como a urze das tuas serranias,
poeta aqui nasci, sem que o soubesse!
E aqui. - visão de estrelas e de prece - 
vi meu primeiro amor, quando me vias!

Minha aldeia, voltei! Anoiteceu...
sobre o meu coração, como num ninho,
estendes a asa d'oiro do teu véu...

E ele dorme e sorri, - o abandonado! - 
como dorme e sorri um passarinho
sob a asa da Mãe agasalhado...


SOMBRA

Nestes ermos, ouvindo a voz das fontes,
de humildes alegrias fui pastor;
meus rebanhos guardava com amor
contemplando os longínquos horizontes...

Árvores maternais que ergueis as frontes
verde-tristes, num gesto criador,
junto a vós semeei sonhos em flor,
que vestiram de rosas estes montes...

Mas tudo, - riso e sonhos - me levaram...
perdi meu gado; meus jardins secaram.
Já neles não há rosas nem alfombras!

Doura a tarde estes ermos de abandono...
e eu passo, - folha morta dum Outono - 
sombra vaga a errar por ente sombras...


Puro lirismo é o que se depreende da lira simples ligada à terra e à paisagem que faz, efectivamente, deste Poeta um artista invulgar da palavra escrita com o ritmo do verso encadeado no pensamento sadio que foi buscar a verdade da sua poesia nos campos algarvios, dourados de sol e dourados pela pena de Bernardo de Passos que junto das árvores da sua infância, dos tempos em que foi pastor, deixou que por ele, os seus sonhos vestiram de rosas os montes

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