O juízo temerário é um problema humano antigo,
possivelmente tão antigo como são as idades dos primeiros homens, cuja
imperfeição moral tem atravessado os séculos e os milénios.
Jesus – um
conhecedor profundo da alma do homem -
chamou este problema para a sua pregação e é dele que S. Mateus nos dá
conta, relatando com mestria as Palavras que ouviu do Mestre, quando Ele falou
do seguinte modo:
Não
julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgais,
sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós. E por que vês
o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?
Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a
trave no teu? Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem
para tirar o argueiro do olho do teu irmão. (1)
A lição é
antiga, mas porque continuamos a ver argueiros nos olhos dos outros e ignoramos
as traves que trazemos nos nossos, de vez em quando chamar a atenção para as
Palavras de Jesus e contar uma história enquadrada naquilo que Ele nos quis
transmitir para valer até ao fim dos séculos é um dever social que nos cabe, na
certeza que, se eu emendar um pouco o espaço por onde giram os meus passos
estou a alindar o meu caminho, e em consequência, o caminhos dos outros.
Atentemos
nesta história:
Era uma vez,
um casal, como tantos outros, formado pela Elisa e pelo André, já com uma dúzia
de anos bem contados de casamento. Não tinham filhos, um facto que passou a
azedar o ânimo da Elisa, ao ponto de lhe virar do avesso a compostura humana
que tivera antes, passando a ter como diz o povo, a língua fácil.
Por tudo e por
nada apontava defeitos, sobretudo, nas outras mulheres.
O André,
compreensivo do desgosto da esposa – que também era o seu – ia ouvindo as
frioleiras e, quase sempre fazendo ouvidos de mercador deixava passar o
génio mal humorado da Elisa e os despautérios que ouvia.
Uma das
vítimas do mau génio da esposa passou a ser a Maria João, uma vizinha, mãe
recente de um menino de meses e que morava defronte da casa deles. Num certo
dia, com algum espanto, o André, que lia o jornal, ouviu da mulher esta crítica
acidulada e contundente:
- Repara
nisto. A Maria João acabou de estender a roupa. Anda cá ver como estão as
fraldas do menino... até parece que nem foram lavadas de tão sujas que estão...
O André
invocou uma qualquer desculpa e levantando-se não acedeu ao pedido da Elisa.
Uns dias
depois, a cena repetiu-se com uma crítica ainda mais feroz e, mais uma vez,
pacientemente, o André não assomou à janela para ver o objecto da crítica e
saiu para deixar de ouvir as palavras destemperadas da mulher.
Um dia, porém,
a Elisa mudou de discurso sobre a vizinha.
E do mesmo
modo, como por duas vezes chamara o marido para ver a sujidade das fraldas que
a Maria João colocava no estendal e constituíam uma prova evidente do desleixo
que ela verberava acidamente, chamou-o para ver o que se passava naquele dia
onde todas as fraldas, como por milagre, apareceram brancas, de tão bem lavadas
que estavam.
- André, anda
ver isto. Naturalmente alguém lhe terá ensinado a lavar a roupa. – concluiu a
Elisa, admirada.
Foi, então,
que ele tomando-a nos carinhosamente nos braços, mas com um sorriso
repreendedor e conciliador lhe lembrou as velhas Palavras de Jesus, para lhe
dizer que devia moderar os seus juízos temerários, porque afinal de contas, não
via os seus próprios defeitos mas não se cansava de os apontar nos outros.
Depois,
explicou-lhe o mistério que tinha acontecido no estendal da Maria João.
- Não
aconteceu nenhum milagre. O que aconteceu foi isto. Hoje levantei-me muito
cedo, ainda tu dormias e sem que desses por isso lavei os vidros da nossa
janela.
A Elisa
percebeu tudo, num repente.
Baixou os
olhos e corou.
Viu quão
grande era a trave que trazia nos seus olhos que lhe faziam ver limpos os
vidros da sua janela – quando, afinal, eram um espelho do seu desleixo - e sujas as fraldas que a Maria João estendia,
todas elas amorosamente bem lavadas e de uma brancura imaculada.
(1)- Evangelho de S. Mateus 7, 1-5
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