António Maria
de Sousa Sardinha nasceu em Monforte do Alentejo em 9 de Setembro de 1887 e
faleceu em Elvas, a 10 de Janeiro de 1925, quando contava apenas 38 anos.
Poeta
inspirado e político, destacou-se como ensaísta, polemista e doutrinador.
Foi pela mão
de Eugénio de Castro que António Sardinha publicou os seus primeiros poemas.
Tinha15 anos, assinando-os com o nome de António de Monforte.
Em 1911
concluiu na Universidade de Coimbra a
sua formatura em Direito.
Tendo no decorrer da vida académica sido um
fervoroso republicano após a implantação da República operou-se no seu espírito
uma profunda desilusão com o novo regime surgido da Revolução de Outubro.
Passou a ser um crítico da República, por motivos
que os próprios republicanos lhe serviram, dado o desnorte e falta de ética
política do novo regime.
Convertido ao
Catolicismo, teceu frases de um grande fervor espiritual como estas:
Todo me
curvo, todo eu beijo o chão, mais humilde que os bichos da terra... Mas o
Senhor foi para a minha aridez como a chuva da tarde pelo estio, eu sou um
homem de boa vontade, confio, aguardo, não serei confundido eternamente. «Só os
pagãos é que não têm esperança!» diz a letra admirável do Ofício de Defuntos. E
em frente do momento em que Cristo não tarda a repousar eu recito o versículo
sublime: «A minha carne descansará na esperança, ao lado do Senhor meu Deus
dormirei em paz».
Desfeito o
ideal republicano da era estudantil, seguiu-se a conversão aos ideais
monárquicos, tendo-se aproximado de Hipólito Raposo, Alberto de Monsaraz, Luís
de Almeida Braga e Pequito Rebelo, com os quais fundou a revista Nação Portuguesa, publicação
de filosofia política que deu aso ao lançamento do movimento político-cultural
denominado "Integralismo Lusitano" em defesa de uma "monarquia
tradicional, orgânica, anti-parlamentar". (1)
António Sardinha bem cedo se viria a destacar no
seio do grupo pela força do seu verbo.
A passagem das Letras à Política consumou-se em
1915, ano que publica o livro Epopeia
da Planície, de onde se destaca o soneto Letreiro, que é um
hino de amor à raça do sangue antigo e uma homenagem emocionada aos
lavradores alentejanos que lhe haviam moldado a alma:
Tudo o que sou o sou por obra e graça
da
comoção rural que está comigo.
Foi a
virtude lírica da Raça
a herança
que eu herdei do sangue antigo.
Foi esta
voz que em minhas veias passa
e atrás
da qual, maravilhado eu sigo.
Como um
licor de encanto numa taça,
assim se
quer esse condão comigo.
Olhai-me:
– Eu vim de honrados lavradores.
De avós e
netos, sempre os meus Maiores
fitaram o
horizonte que hoje eu fito.
«O que
estaria além da curva estreita?»
– E da
pergunta, a cada instante feita.
nasceu em
mim a ânsia p’ró Infinito.
Nesse mesmo
ano pronuncia na Liga Naval de Lisboa
uma conferência onde alertava para o perigo de uma absorção da Pátria pelos
espanhóis, com a alma posta na degradação dos costumes que a República – como
entendia - havia trazido à vida portuguesa.
Durante o
breve consulado de Sidónio Pais, foi eleito deputado na lista da minoria
monárquica. Em 1919, exilou-se em Espanha após a sua participação na fracassada
tentativa restauracionista da Monarquia, movimento que ficou conhecido
pela "Monarquia do Norte". (2)
Ao regressar
a Portugal, cerca de dois anos e meio, depois, publica Quando
as Nascentes Despertam, onde a alma do povo se espelha nessa formosa
composição: Versos do Trinco da Porta, no modo como então era uso,
ter-se a porta franqueada, fosse a quem fosse:
Versos do
trinco da porta,
- Louvado
seja o Senhor!
A casa é
Deus quem a guarda,
Ninguém a
guarda melhor!
Batem os
pobres à porta,
- Batem
com ar de humildade.
“Eu sei
que é pouco irmãozinho!
É pouco,
mas de vontade!”
...................................................
Mexem no
trinco da porta.
“Levante,
faça favor!”
A entrada
nunca se nega
Seja a
visita quem for!
Por esse
tempo, tornou-se Director do diário A Monarquia onde veio a desenvolver
um intenso combate em defesa da filosofia e sociologia política e onde se
afirma como arauto em defesa de um nacionalismo monárquico, empresa
que lhe consumiu os restantes – e já poucos – anos de vida.
Em 1922
publica mais um livro de poemas: Na Corte
da Saudade, onde o seu acrisolado amor à terra portuguesa lhe inspirou o
lindo soneto Memória, de louvor à saudade, esse sentimento tão nosso,
tão português:
Meu coração de lusitano antigo
bateu às
portas de Toledo, a estranha.
Mais roto
e ensanguentado que um mendigo.
só a
saudade as passos lhe acompanha.
Pois a
saudade ali me deu abrigo.
ao pé do
Tejo que a Toledo banha.
Levava os
dias a falar comigo,
como um
pastor com outro na montanha.
Em todo o
mundo há terra portuguesa,
desde que
a alma a tenha na lembrança
e a sirva
sempre com fervor igual.
Talvez
por isso, em horas de tristeza,
eu pude à
sua amada semelhança
criar pra
mim um novo Portugal!
Dois anos,
antes de morrer, mais um livro: Chuva da
Tarde. É um livro de despedida, que nos dá conta, no soneto Velho
Motivo de uma certa mágoa do Poeta, que, inspirado por Camões, deixa
transparecer – como sendo a sua dor superior è de Jacob, que não tendo
conquistado a sua amada Raquel, ainda assim a via - ao contrário dele.
António Sardinha, revela-se um lírico de fina água:
Soneto de Jacob, pastor antigo,
– soneto
de Raquel, serrana bela...
Oh!
quantas vezes o relembro e digo,
pensando
em ti, como se foras Ela!
O que eu
servira para viver contigo,
– tão
doce, tão airosa e tão singela!
Assim,
distante do teu rosto amigo,
em
torturar-me a ausência se desvela!
E vou
sofrendo a minha pena amarga,
– pena
que não me deixa nem me larga,
bem mais
cruel que a de Jacob pastor!
Raquel
não era dele, e sempre a via,
enquanto
que eu não vejo, noite e dia,
aquela
que me tem por seu senhor!
E do mesmo livro, na história da poesia portuguesa
hão-de ficar para sempre os versos desse soneto admirável e encantador: No
Deserto, enquanto hino de amor pintado num quadro asiático de uma beleza
ímpar e imorredoira:
Chegaram os camelos junto ao poço,
Quando
Rebeca tinha a urna cheia.
Foram
momentos esses de alvoroço,
Bem raros
de encontrar em terra alheia.
Também
meu coração, menino moço,
Nos
cardos do caminho se golpeia.
Ouço-te
os passos, dentro de alma eu ouço
O eco dos
teus passos sobre a areia.
Busquei-te
no deserto longamente...
Como
Rebeca outrora, condoída,
Surgiste,
calma, na poeira ardente.
De ânfora
baixa, à boca da cisterna,
Ficaste
assim, para toda a tua vida,
Matando a
minha sede, que é eterna!
No livro
publicado postumamente, Roubo da Europa
(1931) António Sardinha , no final do Poema deixou-nos os seguintes versos, que
parecem, hoje, quando vemos a velha Europa com receios de assumir a sua
vertente histórica cristã, terem sido escritos sob um clarão de um sentimento
dolorido, como que prevendo o que viria a passar-se sete décadas depois:
.........................................................................
E sigo-te
as pisadas, madre Europa,
Mal
reprimindo um grito em minha boca:
Não é
agora o toiro quem galopa, (3)
És tu que
vais em cavalgada louca!
.........................................................................
Europa!
Europa! (E já te não avisto!)
Não ouves
esta voz que por ti chama?!
Onde
ficou o lábaro de Cristo?
Onde
deixaste, Europa, a tua flama?
António Sardinha, é, hoje, injustamente um Poeta
esquecido, porque a intelectualidade do regime não lhe perdoou o seu pendor
monárquico, e aquela que situando-se distante do poder instaurado nunca teve
força nem engenho para o impor, o que tem sido um erro grosseiro, porque o
Poeta foi um português de alma inteira, um patriota esclarecido e motor de
homens, que no seu tempo tentaram – com todo o direito que lhe provinha de
serem homens livres – de restaurar a Monarquia, um ideia, que ainda hoje não
morreu na alma de muitos portugueses.
Da sua obra
póstuma, assinalam-se as seguintes: Era
Uma Vez um Menino (1926) ; Roubo
da Europa (1931) ; Pequena Casa
Lusitana (1937) .
Dos Estudos e
Ensaios, publicados em vida e após a sua morte, assinalam-se: O Valor da Raça (1915) Ao Princípio Era o Verbo (1924), A Aliança Peninsular (1924), A Teoria das Cortes Gerais (1924), Ao Ritmo da Ampulheta (1925), entre
outros.
De vida
curta, António Sardinha, foi um cultor da língua portuguesa de grande erudição,
pelo que lembra a sua memória, aos mais novos, é um acto de justiça.
(1) - Em 1914, na revista Nação Portuguesa, sob a direcção
de Alberto de Monsaraz, a expressão "Integralismo Lusitano" designava
já um índice de soluções sob o título "monarquia tradicional, orgânica,
anti-parlamentar". Tanto quanto promover o renascimento do espírito
católico na alma dos portugueses, criar uma nova literatura e uma nova arte
despojada do espírito romântico do século anterior, havia agora que trazer de
novo à luz do dia os princípios políticos da antiga Monarquia portuguesa.
Para os integralistas, não haveria uma verdadeira
regeneração portuguesa sem o retomar das suas antigas tradições políticas. A
Monarquia do absolutismo Iluminista (introduzida em Portugal pelo Marquês de
Pombal no século XVIII), bem como a sucedânea Monarquia da Carta (importada
pelos liberais de novecentos), tinham sido estrangeirismos descaracterizadores,
responsáveis pela subversão dos princípios democráticos e populares da antiga
Monarquia.
Se bem que os integralistas recuperassem o espírito dos
Vencidos da Vida ao defenderem o imperativo regeneracionista de um
"reaportuguesamento de Portugal", iam agora mais fundo: era
necessário recuperar o antigo pensamento político português que, do mesmo
passo, reconhecera os foros e liberdades
da República (das comunas urbanas, dos concelhos rurais, etc.),
estabelecera as regras da sua representação em Cortes e definira o conteúdo dos
pactos que os Reis, sob pena de Deposição, juravam respeitar.
E foi em torno desse princípio orientador -
"reaportuguesar Portugal" - que um grupo de jovens monárquicos, que
não se reconheciam na Monarquia deposta — como Hipólito Raposo, Luís de Almeida
Braga, José Pequito Rebelo —, se reuniu com um grupo de republicanos entretanto
convertidos ao monarquismo por se não reconhecerem na República
recém-implantada — António Sardinha, João do Amaral, Domingos Garcia Pulido,
entre outros.
(2) - A “Monarquia do Norte”
teve os primeiros passos a
3 de Janeiro de 1919 com o Manifesto da Junta Militar do Norte, sediada no
Porto, autoproclamando-se representante da herança sidonista.
A
19 de Janeiro é proclamada a Monarquia no Porto (e também em Lisboa). É
declarado o estado de sítio em todo o continente. No entanto a proclamação é efémera
(a 24 de Janeiro a revolta é subjugada no Sul), embora o Norte tenha resistido
até 13 de Fevereiro, tendo mesmo sido criada uma Junta Governativa do Reino
chefiada por Paiva Couceiro. A 13 de Fevereiro, após combates em todo o litoral
centro, a guerra civil termina com a entrada dos republicanos no Porto.
(3)
- Na Mitologia, Europa é filha de Argenor, rei da Fenícia e irmã de Cadmo.
Era de tal modo formosa que se dizia ter recebido um púcaro com os arrebiques
de Juno. Júpiter, por ela perdidamente apaixonado, tomou a figura de um touro e
tendo-a roubado, atravessou o mar e levando Europa no dorso trouxe-a para a
parte do mundo a que deu o seu nome. Esta é a lenda da formação da Europa.
Camões faz menção deste episódio da Mitologia, no Canto II, estrofe 72, quando
relata a chegada de Vasco da Gama a Melinde:
Era no tempo alegre, quando entrava
No
roubador de Europa a luz Febeia,
entendendo-se por
“Febeia” a luz do Sol, de Febo (brilhante) ou seja, Apolo, que era identificado
como Sol no ciclo das estações do ano, constituindo a sua mais importante
caracterização no mundo helénico.
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