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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

António Sardinha (1887-1925)





António Maria de Sousa Sardinha nasceu em Monforte do Alentejo em 9 de Setembro de 1887 e faleceu em Elvas, a 10 de Janeiro de 1925, quando contava apenas 38 anos.
Poeta inspirado e político, destacou-se como ensaísta, polemista e doutrinador.
Foi pela mão de Eugénio de Castro que António Sardinha publicou os seus primeiros poemas. Tinha15 anos, assinando-os com o nome de António de Monforte.
Em 1911 concluiu  na Universidade de Coimbra a sua formatura em Direito.
Tendo no decorrer da vida académica sido um fervoroso republicano após a implantação da República operou-se no seu espírito uma profunda desilusão com o novo regime surgido da Revolução de Outubro.
Passou a ser um crítico da República, por motivos que os próprios republicanos lhe serviram, dado o desnorte e falta de ética política do novo regime.
Convertido ao Catolicismo, teceu frases de um grande fervor espiritual como estas:
Todo me curvo, todo eu beijo o chão, mais humilde que os bichos da terra... Mas o Senhor foi para a minha aridez como a chuva da tarde pelo estio, eu sou um homem de boa vontade, confio, aguardo, não serei confundido eternamente. «Só os pagãos é que não têm esperança!» diz a letra admirável do Ofício de Defuntos. E em frente do momento em que Cristo não tarda a repousar eu recito o versículo sublime: «A minha carne descansará na esperança, ao lado do Senhor meu Deus dormirei em paz».
Desfeito o ideal republicano da era estudantil, seguiu-se a conversão aos ideais monárquicos, tendo-se aproximado de Hipólito Raposo, Alberto de Monsaraz, Luís de Almeida Braga e Pequito Rebelo, com os quais fundou  a revista Nação Portuguesa, publicação de filosofia política que deu aso ao lançamento do movimento político-cultural denominado "Integralismo Lusitano" em defesa de uma "monarquia tradicional, orgânica, anti-parlamentar". (1)
António Sardinha bem cedo se viria a destacar no seio do grupo pela força do seu verbo.
A passagem das Letras à Política consumou-se em 1915, ano que publica o livro Epopeia da Planície, de onde se destaca o soneto Letreiro, que é um hino de amor à raça do sangue antigo e uma homenagem emocionada aos lavradores alentejanos que lhe haviam moldado a alma:
Tudo o que sou o sou por obra e graça
da comoção rural que está comigo.
Foi a virtude lírica da Raça
a herança que eu herdei do sangue antigo.
 
Foi esta voz que em minhas veias passa
e atrás da qual, maravilhado eu sigo.
Como um licor de encanto numa taça,
assim se quer esse condão comigo.
 
Olhai-me: – Eu vim de honrados lavradores.
De avós e netos, sempre os meus Maiores
fitaram o horizonte que hoje eu fito.
«O que estaria além da curva estreita?»
– E da pergunta, a cada instante feita.
nasceu em mim a ânsia p’ró Infinito.

 
Nesse mesmo ano pronuncia na Liga Naval de Lisboa uma conferência onde alertava para o perigo de uma absorção da Pátria pelos espanhóis, com a alma posta na degradação dos costumes que a República – como entendia - havia trazido à vida portuguesa.
Durante o breve consulado de Sidónio Pais, foi eleito deputado na lista da minoria monárquica. Em 1919, exilou-se em Espanha após a sua participação na fracassada tentativa restauracionista da Monarquia, movimento que ficou conhecido pela  "Monarquia do Norte". (2)
Ao regressar a Portugal, cerca de dois anos e meio, depois, publica  Quando as Nascentes Despertam, onde a alma do povo se espelha nessa formosa composição: Versos do Trinco da Porta, no modo como então era uso, ter-se a porta franqueada, fosse a quem fosse:
 
Versos do trinco da porta,
- Louvado seja o Senhor!
A casa é Deus quem a guarda,
Ninguém a guarda melhor!
 
Batem os pobres à porta,
- Batem com ar de humildade.
“Eu sei que é pouco irmãozinho!
É pouco, mas de vontade!”
 
...................................................
Mexem no trinco da porta.
“Levante, faça favor!”
A entrada nunca se nega
Seja a visita quem for!
 
Por esse tempo, tornou-se Director do diário A Monarquia onde veio a desenvolver um intenso combate em defesa da filosofia e sociologia política e onde se afirma como  arauto em  defesa de um nacionalismo monárquico, empresa que lhe consumiu os restantes – e já poucos – anos de vida.
Em 1922 publica mais um livro de poemas: Na Corte da Saudade, onde o seu acrisolado amor à terra portuguesa lhe inspirou o lindo soneto Memória, de louvor à saudade, esse sentimento tão nosso, tão português:
 
Meu coração de lusitano antigo
bateu às portas de Toledo, a estranha.
Mais roto e ensanguentado que um mendigo.
só a saudade as passos lhe acompanha.
 
Pois a saudade ali me deu abrigo.
ao pé do Tejo que a Toledo banha.
Levava os dias a falar comigo,
como um pastor com outro na montanha.
 
Em todo o mundo há terra portuguesa,
desde que a alma a tenha na lembrança
e a sirva sempre com fervor igual.
 
Talvez por isso, em horas de tristeza,
eu pude à sua amada semelhança
criar pra mim um novo Portugal!

 
Dois anos, antes de morrer, mais um livro: Chuva da Tarde. É um livro de despedida, que nos dá conta, no soneto Velho Motivo de uma certa mágoa do Poeta, que, inspirado por Camões, deixa transparecer – como sendo a sua dor superior è de Jacob, que não tendo conquistado a sua amada Raquel, ainda assim a via -  ao contrário dele.
António Sardinha, revela-se um lírico de fina água:
 
Soneto de Jacob, pastor antigo,
– soneto de Raquel, serrana bela...
Oh! quantas vezes o relembro e digo,
pensando em ti, como se foras Ela!
 
O que eu servira para viver contigo,
– tão doce, tão airosa e tão singela!
Assim, distante do teu rosto amigo,
em torturar-me a ausência se desvela!
 
E vou sofrendo a minha pena amarga,
– pena que não me deixa nem me larga,
bem mais cruel que a de Jacob pastor!
 
Raquel não era dele, e sempre a via,
enquanto que eu não vejo, noite e dia,
aquela que me tem por seu senhor!

 
E do mesmo livro, na história da poesia portuguesa hão-de ficar para sempre os versos desse soneto admirável e encantador: No Deserto, enquanto hino de amor pintado num quadro asiático de uma beleza ímpar e imorredoira:
 
Chegaram os camelos junto ao poço,
Quando Rebeca tinha a urna cheia.
Foram momentos esses de alvoroço,
Bem raros de encontrar em terra alheia.
 
Também meu coração, menino moço,
Nos cardos do caminho se golpeia.
Ouço-te os passos, dentro de alma eu ouço
O eco dos teus passos sobre a areia.
 
Busquei-te no deserto longamente...
Como Rebeca outrora, condoída,
Surgiste, calma, na poeira ardente.
 
De ânfora baixa, à boca da cisterna,
Ficaste assim, para toda a tua vida,
Matando a minha sede, que é eterna!

 
No livro publicado postumamente, Roubo da Europa (1931) António Sardinha , no final do Poema deixou-nos os seguintes versos, que parecem, hoje, quando vemos a velha Europa com receios de assumir a sua vertente histórica cristã, terem sido escritos sob um clarão de um sentimento dolorido, como que prevendo o que viria a passar-se sete décadas depois:
.........................................................................
E sigo-te as pisadas, madre Europa,
Mal reprimindo um grito em minha boca:
Não é agora o toiro quem galopa, (3)
És tu que vais em cavalgada louca!
.........................................................................
Europa! Europa! (E já te não avisto!)
Não ouves esta voz que por ti chama?!
Onde ficou o lábaro de Cristo?
Onde deixaste, Europa, a tua flama?
 
António Sardinha, é, hoje, injustamente um Poeta esquecido, porque a intelectualidade do regime não lhe perdoou o seu pendor monárquico, e aquela que situando-se distante do poder instaurado nunca teve força nem engenho para o impor, o que tem sido um erro grosseiro, porque o Poeta foi um português de alma inteira, um patriota esclarecido e motor de homens, que no seu tempo tentaram – com todo o direito que lhe provinha de serem homens livres – de restaurar a Monarquia, um ideia, que ainda hoje não morreu na alma de muitos portugueses.
Da sua obra póstuma, assinalam-se as seguintes: Era Uma Vez um Menino (1926) ; Roubo da Europa (1931) ; Pequena Casa Lusitana (1937) .
Dos Estudos e Ensaios, publicados em vida e após a sua morte, assinalam-se: O Valor da Raça (1915) Ao Princípio Era o Verbo (1924), A Aliança Peninsular (1924), A Teoria das Cortes Gerais (1924), Ao Ritmo da Ampulheta (1925), entre outros.
De vida curta, António Sardinha, foi um cultor da língua portuguesa de grande erudição, pelo que lembra a sua memória, aos mais novos, é um acto de justiça.



(1) - Em 1914, na revista Nação Portuguesa, sob a direcção de Alberto de Monsaraz, a expressão "Integralismo Lusitano" designava já um índice de soluções sob o título "monarquia tradicional, orgânica, anti-parlamentar". Tanto quanto promover o renascimento do espírito católico na alma dos portugueses, criar uma nova literatura e uma nova arte despojada do espírito romântico do século anterior, havia agora que trazer de novo à luz do dia os princípios políticos da antiga Monarquia portuguesa.
Para os integralistas, não haveria uma verdadeira regeneração portuguesa sem o retomar das suas antigas tradições políticas. A Monarquia do absolutismo Iluminista (introduzida em Portugal pelo Marquês de Pombal no século XVIII), bem como a sucedânea Monarquia da Carta (importada pelos liberais de novecentos), tinham sido estrangeirismos descaracterizadores, responsáveis pela subversão dos princípios democráticos e populares da antiga Monarquia.
Se bem que os integralistas recuperassem o espírito dos Vencidos da Vida ao defenderem o imperativo regeneracionista de um "reaportuguesamento de Portugal", iam agora mais fundo: era necessário recuperar o antigo pensamento político português que, do mesmo passo, reconhecera os foros e liberdades  da República (das comunas urbanas, dos concelhos rurais, etc.), estabelecera as regras da sua representação em Cortes e definira o conteúdo dos pactos que os Reis, sob pena de Deposição, juravam respeitar.
E foi em torno desse princípio orientador - "reaportuguesar Portugal" - que um grupo de jovens monárquicos, que não se reconheciam na Monarquia deposta — como Hipólito Raposo, Luís de Almeida Braga, José Pequito Rebelo —, se reuniu com um grupo de republicanos entretanto convertidos ao monarquismo por se não reconhecerem na República recém-implantada — António Sardinha, João do Amaral, Domingos Garcia Pulido, entre outros.
(2)  - A “Monarquia do Norte” teve os primeiros passos  a 3 de Janeiro de 1919 com o Manifesto da Junta Militar do Norte, sediada no Porto, autoproclamando-se representante da herança sidonista.
A 19 de Janeiro é proclamada a Monarquia no Porto (e também em Lisboa). É declarado o estado de sítio em todo o continente. No entanto a proclamação é efémera (a 24 de Janeiro a revolta é subjugada no Sul), embora o Norte tenha resistido até 13 de Fevereiro, tendo mesmo sido criada uma Junta Governativa do Reino chefiada por Paiva Couceiro. A 13 de Fevereiro, após combates em todo o litoral centro, a guerra civil termina com a entrada dos republicanos no Porto.
      (3) - Na Mitologia, Europa é filha de Argenor, rei da Fenícia e irmã de Cadmo. Era de tal modo formosa que se dizia ter recebido um púcaro com os arrebiques de Juno. Júpiter, por ela perdidamente apaixonado, tomou a figura de um touro e tendo-a roubado, atravessou o mar e levando Europa no dorso trouxe-a para a parte do mundo a que deu o seu nome. Esta é a lenda da formação da Europa. Camões faz menção deste episódio da Mitologia, no Canto II, estrofe 72, quando relata a chegada de Vasco da Gama a Melinde:

                                                                                          Era no tempo alegre, quando entrava 
                                                                                          No roubador de Europa a luz Febeia,

entendendo-se por “Febeia” a luz do Sol, de Febo (brilhante) ou seja, Apolo, que era identificado como Sol no ciclo das estações do ano, constituindo a sua mais importante caracterização no mundo helénico.

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