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domingo, 22 de setembro de 2013

Os tartufos que vivem dentro de nós!

 

Tartufo, em ilustração do séc. XIX (III ato, cena 3
(in Wikipédia)

Tartufo (1) é, como se sabe, a personagem principal da peça do mesmo nome personificando um falso devoto criado pelo genial dramaturgo francês de fama universal, Moliére (1622-1673) de seu nome de baptismo, Jean-Baptiste Poquelin.

O religioso hipócrita criado pelo génio do seu autor tinha como finalidade o uso da sua falsa devoção para auferir as sinecuras em nome de Deus.

Na actualidade, o termo – tartufo – para além de continuar a empregar-se para os falsos devotos, passou a designar os hipócritas emergentes de um tempo falacioso onde pululam os que sonham com a obtenção de cargos de mando nas várias hierarquias do poder.

São os finórios instalados na sociedade, de onde, com golpes de asa costumam emergir, sem se saber, muitas vezes, de onde vieram e onde querem chegar.

Estes são os novos tartufos.

São os novos vendilhões do templo, os hipócritas que usam artimanhas – políticas ou não -  e depois de conquistadas as mercês que receberam em nome da causas apregoadas como cruzadas de coisas que eram precisas mudar, se esquecem do que prometeram, deixando tudo na mesma, quando não pioram o que estava feito.

Cuidado com eles, mas também, cuidado connosco, porque em todos nós vive um tartufo qualquer que é preciso educar.

É por isto e cuidando do tempo que passa, que não podemos deixar de apontar a existência de alguma desordem de sentimentos de amor à civilidade e aos seus nobres pergaminhos – não de uma nobreza balofa e empacotada – mas daquela nobreza que torna os homens forças da natureza, que sentimos a necessidade de arrepiarmos caminho colectivamente, para que o povo, enquanto força espiritual e a sua riqueza maior, se encontre consigo mesmo e não se deixe enganar pelos tartufos encartados – com as cartas de alforria que conseguem alcançar - e andam por aí, de vez em quando a apregoar paraísos, uns melhores que os dos outros, quando afinal, são as ofertas hipócritas de uns mais espertalhões, em detrimento das de outros menos arrojados na arte do engano.

A estes acenos dos devotos laicos de felicidades prometidas, desconfiemos, sabendo-se que as falsas devoções não existem apenas, na religião, como acontecia de uma maneira despudorada nos tempos de Moliére.

Existem, como sempre existiram em todos os campos da actividade humana e da qual os tempos que passam nos dão figurinos de sobejo.

Estejamos atentos aos novos tartufos.

Sobretudo, não nos deixemos acorrentar e submeter a facções de onde sobressaem as políticas, mas, se na assunção da nossa cidadania esta nos pede que não nos excluíamos de participar nelas, que isto nos sirva  para as ajudar a mudar por dentro com o fim de alcançarmos uma maior consciência urbana, porque esta não se faz por decreto, mas antes, tem de ser uma causa de amadurecimento colectivo.

É um caminho que todos temos de percorrer e não vale apontar o dedo a ninguém, porque todos temos dentro de nós os tartufos mais ou menos hipócritas onde a educação moral e cívica tem muito trabalho a fazer.

Não nos entreguemos, por isso, subjugadamente, porque ao fazê-lo não ajudamos a melhorar a sociedade.

Reservemos, pois, o nosso amor de um coração presente para o nosso clube de bairro ou outro – fenómeno social que  estranhamente nos amarra, ainda que o nosso clube perca todos os campeonatos -  mas que a nossa atitude perante qualquer facção gregária ao ter para com ela o dever cívico da participação, que esta nunca perca o sentido crítico de um coração expectante - sempre pronto a mudar de facção -  logo que aqueles que tendo falado em nome da conjunto dos cidadãos se esquecem depois das palavras que disseram, sem cuidar que estes continuam à espera de ver erigido em nome da moralidade pública, éticas comportamentais de acção.

Mas de tal monta que todos possamos dizer a frase erudita e simples que foi caldeada desde há muitos séculos na grande Universidade da Vida:

O exemplo tem de vir de cima.

Enquanto isto não acontecer é sinal que os tartufos encartados continuam a andar por aí a dar rédea solta às suas hipocrisias, reagindo sempre mal humorados ao contraditório.

E, portanto, não confiemos avalizando tudo o que ouvimos enquanto a uma acção dos que têm por hábito acenar com loas e estas se manifestarem – depois - pelo inverso do bem anunciado e contrárias à moral comum dos bons costumes não vierem  a merecer o respectivo castigo, para bem do exemplo… que tem de vir de cima, como diz o adágio popular.

Educar os tartufos é uma atarefa social.
Quem sabe… se a começar por nós mesmos!
 


(1)  - ´Tartufo é  uma comédia de Molière, constituindo uma das mais famosas da língua francesa de todos os tempos. Data de 1624 a sua primeira representação. O personagem é símbolo dessa bem comportada estrutura, usando-a a seu bel-prazer, a seu único e exclusivo proveito, sendo capaz de mentir, roubar, defraudar, especular, transgredir normalmente com o único objectivo de granjear mais privilégios. E tudo em nome de Deus. A peça, mantém-se actual ao denunciar males eternos como a corrupção, a hipocrisia religiosa – ou não -  a ocupação de cargos de mando e relevo por espertalhões.
Ao escrever sua obra, o autor ataca um grupo muito influente: os devotos. Entre estes se contavam homens cuja religiosidade era sincera, mas a maioria era de manipuladores conscientes do poder que poderiam obter com a sua falsa devoção. Foi a este segundo tipo que Molière atacou.
Na língua portuguesa, o termo tartufo, como em outro idiomas, passou a ter a acepção de pessoa hipócrita ou falso religioso.

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