Num tempo ainda recente,notícia falaciosa deu conta da suposta existência de mais um Evangelho: o de Judas, apregoado aos quatro
ventos, como aconteceu entre nós, o que não foi novidade.
Trata-se de um escrito
gnóstico que ninguém pode garantir com fiável, mas que serviu para fazer o
alarido que costumam ter estas notícias em certos meios aferrados contra a
Igreja, situando-se o documento a par doutros, supostos como inspirados, como
são no Antigo Testamento, a Ascensão de
Isaias, a Assunção de Moisés, a Vida de Adão e Eva, o Testamento dos doze
Patriarcas, etc. e no Novo Testamento, o evangelho dos Hebreus, o evangelho dos
Ebionitas; o evangelho dos Egipcios; o evangelho de S. Tomé e o evangelho de
Filipe, todos eles escritos no século II, e bem assim, como o agora apregoado
evangelho de Judas, atestado pelo primeiro bispo de Lyon, Santo Irineu, que, no
meio do século II, o denunciou num texto contra as heresias.
O manuscrito, em copta foi descoberto na década de 70, no Egipto. Desde então passou por várias mãos
até chegar à Fundação Maecenas for Ancient Art (Mecenas para Arte Antiga), de
Basiléia, Suiça.
É um documento apócrifo do
século II.
Desaparecido até agora, a
única cópia conhecida foi publicada em 6 de abril de 2006 pela revista
“National Geographic.”
O evangelho de Judas teria
sido escrito por membros da seita gnóstica cainita, um movimento religioso
cristão que misturava misticismo e filosofia e influenciou grupos heréticos. Na
visão dos cainitas, Judas Iscariotes teria seguido um desígnio divino e não
podia fugir de seu destino. A traição faria parte do plano de Deus, era
necessária, e sem ela não haveria salvação para os homens.
Segundo a afirmação dos
gnósticos, Judas teria sido m confidente privilegiado de Jesus.
Confrontamo-nos assim com um
documento sem autor conhecido, mas provavelmente por algum dos iniciados no
movimento da Gnose, cuja raiz etimológica se radica na palavra grega gnosis que
significa conhecimento.
Este movimento do ponto de
vista histórico e religioso prosperou no decorrer dos séculos II e III, tendo
por base o Neoplatonismo reivindicando para si a posse de conhecimentos
secretos, que segundo a opinião deles, os tornava superiores ao comum dos
cristãos, radicando as suas teorias nas filosofias pagãs da Babilónia, Egipto,
Siria e Grécia.
Pode-se definir o gnosticismo
como designação para um grande número de seitas panteístas e eruditas que
floresceram desde tempos anteriores a Cristo até o século V d.C., pretendendo
reduzir o Cristianismo a uma religião de ciência esotérica.
O gnosticismo mancomunava
alguns elementos da astrologia e mistérios das religiões gregas, como os
mistérios de Elêusis com as doutrinas do Cristianismo, designando na actualidade, um conjunto de tradições que
acreditam no aspecto espiritual do Universo e na possibilidade de salvação, por
meio do Pleroma, entendendo-se a Gnose como uma corrente de pensamento esotérica,
normalmente identificada com o misticismo oriental.
Os gnósticos aceitam e
defendem acerrimamente a existência de
uma entidade imortal, que não é deste mundo, que pode ser chamada por divina
essência e que existe em todos os homens e é a sua única parte imortal. Os gnósticos
consideram que o estado do homem o submete ao sofrimento, sendo necessário que
ele se liberte desse estado, na certeza de que
isso só pode acontecer pelo conhecimento.
Constituíram uma corrente
muito forte na Igreja primitiva levando alguns cristãos da época como Marcião a ensinar uma cosmovisão dualista, o qual, de teólogo cristão se arvorou
em doutrinador gnóstico, ajudando a
defender a tese da existência de dois deuses proposta por aquele movimento de
um Criador imperfeito, que eles associam ao Jeová do Antigo Testamento e outro,
bom, associado ao Novo, devendo-se ao primeiro o mundo criado imperfeitamente,
donde advinha o sofrimento humano, e ao segundo - o deus bom - que teve pena dos homens e lhes deu parte de
uma divindade que lhes dá a capacidade de se superarem.
Segundo o gnosticismo, Cristo
surgiu através das trevas para transmitir o conhecimento - gnosis -
e libertar os espíritos cativos no mundo terreno para os conduzir até ao
mundo espiritual mais elevado. Ainda, segundo eles, Cristo não veio em carne e
nunca assumiu um corpo físico, nem foi sujeito a fraqueza e emoções humanas
embora parecesse ser um homem.
A maior polémica contra os
gnósticos apareceu no período patrístico, com os escritos apologéticos de
Irineu (130-200), Tertuliano (160-225) e Hipólito (170-236).
No evangelho apócrifo de
Judas, este aparece reabilitado.
Ao arrepender-se recebe o
perdão de Jesus, que o manda para o deserto fazer exercícios espirituais. Nos
evangelhos canónicos de Mateus, Marcos, Lucas e João, tal como foram definidos
no concílio de Niceia (Turquia), reunido em 325 por iniciativa do primeiro
imperador romano cristão, Constantino, a Igreja nascente afirma que Judas se
suicidou.
Esta é a grande razão da
polémica: segundo Vittorio Messori,
autor de vários livros sobre a Igreja Católica esta revisão da figura de
Judas é compreensível, na medida em que contribuiria (segundo o autor do “seu”
evangelho) para resolver o problema de como conciliar a justiça de Jesus,
confrontado o que aconteceu com apóstolo traidor e a misericórdia usada para
com o apóstolo Pedro, que O negou.
Fica, deste modo, a
descoberto a intenção da notícia do suposto “evangelho”, que mais não é, hoje,
como foi no tempo antigo, uma peça virada contra a Igreja com propósitos bem
conhecidos, a que só os incautos ou mal intencionados dão crédito. É assim que
temos de entender todo o alarido de um sino que soou a falso, num tom rachado,
mas onde muitos ouviram tons “harmoniosos”.
A mentira, ontem, como hoje,
sempre há-de ter os seus seguidores.
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