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domingo, 22 de setembro de 2013

A face escondida do Romantismo



No século XIX, numerosos foram os europeus possuídos da paixão do poder que podiam exercer sobre os outros homens. Eis porque perseveraram e, muitas vezes, triunfaram nas sua empresas. Na grande tempestade romântica, arvoraram-se nos heróis capazes de dominar e conduzir o curso dos acontecimentos. O romantismo exaltou o indivíduo (...)
Jacques Néré - in, História Universal (O Mundo Contemporâneo)

O sublinhado do pequeno excerto que acima se reproduz é nosso. E foi feito intencionalmente e, de tal modo, que ele pudesse acentuar o quanto de enganoso existe no termo “romântico”, que podendo parecer, algo com auras de um certo lirismo poético ou sentimental –  assim concebido e aceite como um lugar comum  - em mentes como Pascal e Rousseau, tinha um sentido diferente quando estes intelectuais definiam e religião como um negócio individual, enquanto necessidade de cunho afectivo e de comunhão panteística, sendo esta entendida como um Deus imanente e não transcendente, ou seja, não aceitando Deus como uma entidade superior e exterior ao mundo - como é definido pelo cristianismo - mas tão só, permanecendo em tudo no campo da  Natureza e, esta, entendida como o conjunto de todos os seres que formam o Universo.
Esta tomada de posição teve a ver com desenvolvimento de um Romantismo ligado às transformações sociais, políticas e económicas que marcaram a Europa nos últimos anos do séc. XVIII e dealbar do séc. XIX, quando a burguesia oitocentista apresentava uma atitude revolucionária face às estruturas sociais estabelecidas.
Aconteceu isto com as conquistas técnicas, com o desenvolvimento dos caminhos-de-ferro, da indústria e meios de comunicação, acontecimentos que levaram a que se formasse um sentimento de crença quase absoluta nas capacidades da razão humana e num futuro em que o Homem seria como um deus.
Esta confiança, com efeito, passou a afirmar-se fora da esfera religiosa.
Daí que tivesse passado a haver um espaço propício à intervenção do escritor como o arauto privilegiado da nova ordem com a incumbência de espalhar doutrinas puramente sociais e mundanas e conduzir os homens à acção, sem a alavanca do sobrenatural que advinha da época clássica, sendo deste modo, a intervenção da escrita uma das marcas fundamentais do Romantismo e um dos pontos em que este, divergiu  da cultura anterior.
O escritor comunicava agora com a grande massa burguesa, e a sua obra era um meio de chegar até ela, tendo esquecido a transcendência de Deus
Entende-se, assim, a afirmação de Jacques Néré: . O romantismo exaltou o indivíduo (...)
É difícil a definição do Romantismo, mas há autores como G. Gusdorf em Le Romantisme (1993) pág. 657, que asseveram que foi uma tentativa de “edificar uma nova Fé que fosse capaz de substituir o catolicismo tradicional”, mas de um modo difuso como constatou David Hume, tendo falhado naquilo em que apostara, ou seja numa nova forma de Gnose em que o conhecimento exaltasse o homem, dando-lhe capacidades – o que não conseguiu  - deste acabar por conhecer o incognoscível, pois que no campo gnóstico o conhecimento consiste numa experiência interior inefável através da qual o homem de sabe divino e este conhecer-se como Deus dar-lhe-ia a revelação do mistério que ele representa.
Na História da Literatura Portuguesa (1) entre nós, o Romantismo teria começado em 1825 com a publicação em Paris do Camões de Almeida Garrett, mas mais seguramente, em 1836 quando Herculano publicou A Voz do Profeta, dando-se por volta de 1890 a transformação dos ideais que estiveram na sua nascença, em França, na época em que Napoleão tomou o poder.
Em Portugal, os ideais do Romantismo, presentes, ainda no tempo das reuniões do “Cénáculo” (2) transferidos depois para “Os Vencidos da Vida” (3) a breve prazo começaram a afastar-se da antiga problemática, tendo levado alguns deles, como Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Eça de Queirós e, sobretudo, Guerra Junqueiro a valorizar as raízes culturais do povo e a restituir à religião, que ele mesmo se empenhara em laicizar sob a forma de um panteísmo virado para endeusar o homem e esquecer o papel de Deus na sociedade.
É evidente que este tema daria para muito mais.
Mas, em linhas gerais, fica expresso o que foi o Romantismo, tendo surgido este apontamento, mercê da leitura actual da  História Universal ( O Mundo Contemporâneo) de Jacques Néré, onde ele traça o facto histórico da exaltação do indivíduo por aquele movimento intelectual, que nada teria de mal, se não fosse, o caso de se querer colocar o homem, como se a parte divina que ele tem – o que é um facto – acima de Deus.

 


 
(1) - da autoria de António José Saraiva e Óscar Lopes
(2) - O Cenáculo é um nome dado posteriormente nos escritos de alguns dos seus participantes para designar um grupo informal que se reuniu no fim do século XIX em Portugal, em casa de Jaime Batalha Reis com âmbito privado. O grupo surgiu no seio da boémia coimbrã, e posteriormente, formados os seus participantes na Universidade de Coimbra, continuou a funcionar em Lisboa. acrescentando outros elementos, perdendo outros. Reuniam-se para discutir livremente os assuntos que apaixonavam toda uma geração. Da Política às Artes, da Sociedade às Ciências. Integravam-no: Jaime Batalha Reis, Eça de Queiroz, Antero de Quental, Germano Vieira Meireles, Salomão Sáraga, Manuel Arriaga e Ramalho Ortigão 
(3) - Grupo formado por personalidades de relevo da vida portuguesa ligadas à Geração de 70. Reuniram-se entre 1887 e 1894. Pertenceram a esta tertúlia Ramalho Ortigão, Oliveira Martins (o pai da ideia), António Cândido, Guerra Junqueiro, Eça de Queirós, Luís Soveral (futuro marquês de Soveral), o conde de Ficalho, Carlos Mayer, Carlos Lobo d'Ávila e o conde de Sabugosa.
 

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