Guy de Maupassant
(1850-1893) é o maior contista de sempre na História da Literatura Universal,
tendo dado à estampa cerca de 250 pequenas histórias produzidas entre 1875 e
1885, cabendo-lhe a honra de ter sido nos últimos anos do século XIX o escritor mais lido no mundo.
Contemporâneo da revolução
social que ficou conhecida como Comuna de Paris de 1871, corrida no dia
18 de Março e que havia de durar apenas 72 dramáticos dias – tempo do Governo
dos Comunardos - o escritor nado e
criado com o “slogan” da Revolução Francesa de 1789 “Liberdade, Igualdade,
Fraternidade” , com o seu conto O Vadio lançou na sociedade do seu
tempo um grito de uma humanidade ferida, bem longe dos ideais revolucionários
da “Liberdade” que acabou por suprimir a
defesa dos réus nos tribunais, da “Igualdade” enganosa de todos serem iguais
perante a lei e com as mesmas oportunidades e da “Fraternidade” que ao negar
Deus, criou uma mentira, pois a penas a
fraternidade evangélica é que pode apontar caminhos fraternos, já que os homens sem Deus, o que
fazem – como aconteceu em 1789 – é criar lendas de amor social que pouco duram
e se desvanecem nas guerrilhas das invejas e da conquista do poder.
Nicolau Toussaint, pela pena
ilustre da Maupassant, passou a ser um farrapo humano, após ter sido atropelado
por uma carruagem na estrada real de Varville. Tendo ficado com ambas as
pernas esmagadas, desde aquele dia a sua sorte mudou, tornando-se um mendigo
ambulante balouçado entre duas muletas, que lhe tinham feito levantar os
ombros à altura das orelhas.
Morta a baronesa d’Avray,
que lhe concedera para dormir uma espécie de nicho cheio de palha, ao lado
do galinheiro, deu em percorrer as aldeias vizinhas de onde era
sistematicamente expulso. Haviam-lhe posto a alcunha de “Sino” porque
se baloiçava entre as suas duas muletas de pau como um sino se baloiça entre os
seus suportes.
Maupassant é impedioso na forma como relata os maus tratos que uma
sociedade adulta infligia ao pobre aleijado. E, no entanto, aquela sociedade
havia crescido debaixo dos ideais nobres de uma Revolução feita contra a
tirania de um rei e de uma realeza que esquecia os pobres, tendo criado ilusões
de Liberdade, Igualdade, Fraternidade, mas que passaram a ser chavões,
como costumam ser todos os princípios éticos e morais à sombra dos quais ao
longo dos tempos – e em qualquer latitude – os homens por meios violentos têm
tomado o poder.
Nicolau Toussaint nunca existiu. É uma criação da arte
formidável do grande escritor que recusou privilégios, como o de integrar a
Academia das Ciências ou receber a Legião de Honra, preferindo a criação de
retratos literários da vida parisiense ou do campo. Escritor de dramas
essenciais da condição humana, ele traça a paixão, o prazer, a solidão, o tédio
e a morte, como acontece em “O Vadio”, cujo herói mendigante, acaba por ser
preso e morrer só e abandonado por ter morto uma galinha ao tio Chiquet,
na mira de matar a fome que o consumia havia dias. Este homem de mau carácter
que o havia moído de pancada pelo roubo que sofrera, desculpou-se aos
gendarmes, afirmando ter sido atacado... e porque a sua posição social o
permitia, assim foi acreditado.
Quando o mendigo partiu da herdade do verdugo sob escolta da
autoridade, as mulheres mostravam-lhe o punho; os homens chacoteavam-no.
A sociedade, afinal, nada havia
aprendido dos ideais da Revolução, porque os seus mentores não foram
capazes de erigir no meio da massa do povo a Fraternidade tão apregoada.
É isto, que dá que pensar, não só, naquele tempo, mas hoje, onde continuam a
imperar homens poderosos e sem escrúpulos como o tio Chiquet e
autoridades vergadas ao poderio dos mais fortes, deixando estiolar os mais
fracos.
A Humanidade, precisa de facto, de uma Revolução verdadeira que ponha
de pé a beleza humana e divina que se esconde sob as palavras Liberdade,
Igualdade e Fraternidade, mas essa só pode acontecer quando os homens se
deixarem vencer pelo sentimento do Amor Universal que está acima de uma
qualquer Revolução das ideias, porque mora no íntimo do coração do homem.
Apesar de tudo, não podemos perder a esperança que isto venha a
acontecer, um dia.
Cumpre a cada um de nós trabalhar nesse sentido e até lá, é importante
que hajam sentinelas sociais como Maupassant, para que o mundo, envergonhado
das suas atitudes ampare os homens que caiem: os que são atropelados, pelas
carruagens –hoje, diríamos, automóveis – mas, sobretudo, atropelados pela falta
de amor humano que se sente, mais do que devia acontecer.
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