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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A pedra do rei



Em terras situadas na antiga Bitínia (1) conta-se, vivia um rei (2) que governava o seu povo com a sabedoria que bebera na vizinha cultura grega sabendo-se que na velha Grécia dos Poetas e dos Filósofos, sempre se soube distinguir o saber – que era é só conhecimento – da sabedoria – que era – e é -  o supremo estádio do conhecimento assente simultaneamente nos pilares fundamentais da teoria e da prática.

O rei da Bitínia sonhava alcançar para os seus súbditos a sabedoria da Grécia, o grande pólo da cultura do seu tempo. Com este fundamento usava os mais variados ardis para os chamar à prática das boas obras, pondo em prática coisas que à primeira vista pareciam despropositadas e, até, para os mais calaceiros, profundamente tontas.

Dizia ele que nenhuma Nação podia prosperar se cada um ficar à espera que o outro resolva os seus próprios problemas, pois estes terão de ter resposta, precisamente, por aquele ou aqueles que os encontram, não estando à espera, por comodismo ou por inacção, de ajudas alheias.

Mais que saber, aquele rei queria que cada um dos homens do seu povo honrasse a sabedoria, usando não só o conhecimento, mas pondo ao pé dele a prática da execução das coisas, sem o que todos podiam ser sábios mas serem aprendizes quanto à maneira de agir, na prática, para poderem vencer as dificuldades da vida.

Numa dada altura, pela calada da noite, colocou na estrada que ficava defronte do seu palácio uma enorme pedra.

Estranha coisa aquela.

Quando rompeu a manhã os súbditos que tinham o hábito de passar por ali todos os dias tiveram para aquele objecto estranho àquele lugar, especialmente, por ficar à frente da moradia real os comportamentos mais diversos.

O primeiro a passar por ali foi um vendedor de legumes, que se fazia transportar que fora a uma das quintas da periferia mercandar vegetais para vender no mercado do povo-

Ao ver o empecilho deu ordem ao animal para o tornear e passar adiante, deixando no ar uma mão cheia de impropérios atirados contra aquele que ali depositara tal obstáculo, sem esquecer os serviços oficiais da serviços do rei que vendo a anomalia não a tinham retirado, desimpedindo o caminho.

Seguiu-se um dos próprios soldados da guarda do rei que ia entrar de serviço.

Descuidado, talvez pela hora matinal, tropeçou na pedra, tendo caído e manchado de pó a farda reluzente que num ímpeto mal humorado sacudiu apressadamente, tendo prosseguido a marcha até ao seu destino.

Durante o dia várias foram as cenas em que se repetiram gestos análogos a estes até que pelo cair da tarde o moleiro trazendo pela arreata o burrico carregado de sacos de farinha chegou àquele lugar e, porque, era um homem cuidadoso após uns momentos de reflexão,  entendeu que a noite que não tardava podia ser causa de  algum acidente num transeunte mais descuidado que por ali passasse.

Então, esforçadamente, rolou a grande pedra para uma das margens do caminho, tendo encontrado, escondido debaixo da massa pétrea, no momento em que acabou a tarefa, um cofre que denotava conter algo de grande peso. Abriu-o para satisfazer a natural curiosidade que o assaltou,  tendo descoberto que estava repleto de moedas de ouro.

Louco de alegria montou o burrico e correu para casa.

Sabedores do que acontecera, quer o vendedor de legumes, quer o soldado, quer todos os outros que viram a pedra no caminho e não tiveram a civilidade do moleiro – de fazer algo em prol da colectividade – fim último da sabedoria que o rei queria incutir no seu povo, vieram todos ao local onde esteve a pedra, e nele cavaram bem fundo o chão, pensando que ali encontrariam mais moedas de ouro.

Estavam longe de pensar que aquele acontecimento inaudito fora uma artimanha do rei, que da janela do seu palácio de tudo tomava conta, o que lhe permitiu, num certo dia, chamar todos os que passaram o obstáculo sem o terem demovido, tendo-lhes na ocasião falado da solidariedade social que se impunha como uma norma social e dever de todos, pois decerto, todos eram homens de algum saber mas de pouca sabedoria e, sobretudo, pouco dados ao trabalho de ajuda cominitária.

No século XIX, um estudioso cheio da sabedoria que agradava àquele antigo rei, disse, o seguinte: A sabedoria consiste em compreender que o tempo dedicado ao trabalho nunca é perdido.  (3)

Efectivamente, é assim.

Foi deste modo, o que aconteceu com o esforçado moleiro que após um dia inteiro de trabalho no seu moinho, às voltas com os pesados sacos do milho e do trigo, ainda assim encontrou forças e ânimo social para ser útil ao seu semelhante, tendo por via disso ganho um prémio de todo merecido.
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(1) Antigo reino da Ásia Menor.
(2) - Diz-se que se trata de Prusias (192-148 a.C.).  Foi o  rei mais importante da Bitínia, no palácio do qual  se envenenou Aníbal para fugir à má sorte de ser entregue aos romanos após a sua derrota em Zama.(202 a.C.)
(3) - Emerson, Waldo Ralph (1803-1882) foi um famoso escritor, filósofo e poeta, natural dos Estados Unidos. Estudou  em Harvard para se tornar ministro religioso. Foi pastor em Boston. Em 1833 viaja pela Europa e encontra Carlyle, com quem  criou uma profunda amizade. De volta aos Estados Unidos, começou a desenvolver sua filosofia "transcendentalista", exposta em obras como Natureza, Ensaios e Sociedade e Solidão. O transcendentalismo é, para Emerson, um esforço de introspecção metódica para se chegar além do "eu" superficial ao "eu" profundo, o espírito universal comum a toda espécie humana. Fundou um clube “transcendentalista” que contou entre muitos outros, pensadores como Thoreau e Margareth Füller, e cujo órgão oficial era a revista “The Dial”, que veio a exercer uma  grande influência sobre a vida intelectual americana do século XIX.

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