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sábado, 25 de maio de 2013

Semeadores da palavra




Serei eu uma harpa para que a mão do Todo Poderoso
me possa tocar, ou uma flauta para que o seu sopro
passe através de mim? Sou apenas um buscador
de  silêncios.
E que tesouros  encontrei nos meus silêncios para os poder distribuir confiadamente? Se é hoje o meu dia   de colheita, em que campos e em que estações esquecidas lancei a semente?
Khalil Gibran, in “O Profeta”


No livro “O Profeta” Khalil Gibran (1) criou a personagem de Almustafá, o eleito, o bem amado que após uma espera de doze anos na cidade de Orphalese se dispõe a partir no momento em que no mar avistou o seu barco que se aproximava (...) É, então, que ouve vozes que lhe pedem carinhosamente: Não deixes que as águas do mar nos separem (...) Caminhaste entre nós como um espírito e a tua sombra foi luz sobre os nossos rostos.(...)
Pedem para ele revelar o que lhe foi mostrado no tempo em que permaneceu ali, para quem o profeta fora extremamente honesto. Ele foi um lavrador de sementes de vida e as pessoas queriam saber em que campos e em que estações havia lançado a semente.
O livro é uma ficção, mas é, quase, um facto. É um trabalho artístico a rondar o religioso. Almustafá assinala caminhos que devem ser percorridos e a sua palavra carrega a sabedoria da vida e do universo. Tem consciência disto e, embora, sabendo que tem de partir, emociona-se com o pedido: antes de nos deixares, pedimos-te que nos fales e nos deixes a tua verdade.
Não se fez rogado e falou-lhes do amor, do casamento, das crianças, do dom, do trabalho, da alegria e da tristeza, do crime e castigo, da palavra, do bem e do mal, do prazer, da religião e, por fim, da morte. Eram tesouros que havia encontrado nos seus silêncios espirituais. Sementes que havia lançado na leira fecunda do pequeno mundo de Orphalese, onde foi semeador de vida.
Faz-nos lembrar a parábola do semeador contada num dia por Jesus quando estava assentado junto ao mar. Tendo-se ajuntado muita gente ao pé d’Ele, disse-lhes: Eis que o semeador saiu a semear (Mt 13,1 - 3), alertando-nos que todos seremos chamados a semear e a prestar contas ao Juiz Eterno do modo como usámos as sementes que nos foram dadas.
Curiosamente, Almustafá é, também, posto a olhar o mar, e é, nessa postura que responde àqueles que lhe pediam para lhes falar das suas verdades, ou seja, dos campos onde havia lançado a semente que Deus lhe dera.
O dia da partida era dia de colheita.
Aprestou-se a ouvir o povo com quem convivera, dando-lhes conta do que Deus o havia instruído, como se antecipasse neste mundo as contas que Deus não deixaria de lhe pedir, um dia. Falou como quem sabe. Ele era o profeta, o eleito, o bem amado. Não havia semeado à beira do caminho, nem  entre pedregais ou entre espinhos, mas havia-o feito em terra boa. Por isso pode falar com autoridade de tudo, e no modo como ensinou, prestou contas àqueles que pediam para lhes deixar a sua verdade.
Todos nos devíamos rever neste herói de Khalil Gibran, porque Deus nos pede para sermos semeadores da Palavra, isto é, distribuidores de graças nascidas dos nossos silêncios mais íntimos, na certeza que um dia - no dia da colheita - nos há-de perguntar, em que campos e em que estações lançamos a semente que Ele nos deu.
Atenção a isto. Não aconteça que tenhamos perdido o nosso tempo, tendo andado a lançar sementes improdutivas como acontece nas três primeiras sementes da parábola de Jesus, porquanto, todos nós, somos chamados a ser profetas, pondo a render todas as sementes recebidas.
Almustafá deu respostas convincentes às gentes de Orphalese, tendo acrescentado esta sabedoria: Quando amardes, não digais: - Deus está no meu coração, mas antes: - Eu estou no coração de Deus. Falou assim, porque termos a certeza que Deus nos reserva um lugar no seu coração de Pai pela nossa acção no mundo, é infinitamente um dom superior ao de sabermos que Ele está connosco, porque ele está com todos os homens.
Que a espiritualidade de Almustafá ilumine todos os homens.

 (1) - Gibran Khalil (1883-1931) foi um ensaísta, filósofo, prosador, poeta, conferencista e pintor, de origem libanesa. Produziu textos de profunda beleza e espiritualidade que lhe alcançam o reconhecimento mundial.

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