Serei eu uma harpa para que a mão do Todo
Poderoso
me possa tocar, ou uma flauta para que o seu
sopro
passe através de mim? Sou apenas um buscador
de
silêncios.
E que tesouros encontrei nos meus silêncios para os poder distribuir confiadamente? Se é
hoje o meu dia de colheita, em que
campos e em que estações esquecidas lancei a semente?
Khalil
Gibran, in “O Profeta”
No livro “O Profeta” Khalil
Gibran (1) criou a personagem de Almustafá, o
eleito, o bem amado que após uma espera de doze anos na cidade de Orphalese
se dispõe a partir no momento em que no mar avistou
o seu barco que se aproximava (...) É, então, que ouve vozes que lhe pedem
carinhosamente: Não deixes que as águas
do mar nos separem (...) Caminhaste entre nós como um espírito e a tua sombra
foi luz sobre os nossos rostos.(...)
Pedem para ele revelar o que
lhe foi mostrado no tempo em que permaneceu ali, para quem o profeta fora
extremamente honesto. Ele foi um lavrador de sementes de vida e as pessoas queriam
saber em que campos e em que estações havia lançado a semente.
O livro é uma ficção, mas é,
quase, um facto. É um trabalho artístico a rondar o religioso. Almustafá assinala
caminhos que devem ser percorridos e a sua palavra carrega a sabedoria da vida
e do universo. Tem consciência disto e, embora, sabendo que tem de partir,
emociona-se com o pedido: antes de nos
deixares, pedimos-te que nos fales e nos deixes a tua verdade.
Não se fez rogado e
falou-lhes do amor, do casamento, das crianças, do dom, do trabalho, da alegria
e da tristeza, do crime e castigo, da palavra, do bem e do mal, do prazer, da
religião e, por fim, da morte. Eram tesouros que havia encontrado nos seus
silêncios espirituais. Sementes que havia lançado na leira fecunda do pequeno
mundo de Orphalese, onde foi semeador de vida.
Faz-nos lembrar a parábola do semeador contada num dia por
Jesus quando estava assentado junto ao
mar. Tendo-se ajuntado muita gente ao
pé d’Ele, disse-lhes: Eis que o
semeador saiu a semear (Mt 13,1 - 3), alertando-nos que todos seremos
chamados a semear e a prestar contas ao Juiz Eterno do modo como usámos as
sementes que nos foram dadas.
Curiosamente, Almustafá é,
também, posto a olhar o mar, e é, nessa postura que responde àqueles que lhe
pediam para lhes falar das suas verdades, ou seja, dos campos onde havia
lançado a semente que Deus lhe dera.
O dia da partida era dia de
colheita.
Aprestou-se a ouvir o povo
com quem convivera, dando-lhes conta do que Deus o havia instruído, como se
antecipasse neste mundo as contas que Deus não deixaria de lhe pedir, um dia. Falou
como quem sabe. Ele era o profeta, o
eleito, o bem amado. Não havia semeado à beira do caminho, nem entre pedregais ou entre espinhos, mas
havia-o feito em terra boa. Por isso pode falar com autoridade de tudo, e no modo
como ensinou, prestou contas àqueles que pediam para lhes deixar a sua verdade.
Todos nos devíamos rever
neste herói de Khalil Gibran, porque Deus nos pede para sermos semeadores da
Palavra, isto é, distribuidores de graças nascidas dos nossos silêncios mais
íntimos, na certeza que um dia - no dia da colheita - nos há-de perguntar, em
que campos e em que estações lançamos a semente que Ele nos deu.
Atenção a isto. Não aconteça
que tenhamos perdido o nosso tempo, tendo andado a lançar sementes improdutivas
como acontece nas três primeiras sementes da parábola de Jesus, porquanto,
todos nós, somos chamados a ser profetas, pondo a render todas as sementes
recebidas.
Almustafá deu respostas convincentes
às gentes de Orphalese, tendo acrescentado esta sabedoria: Quando amardes, não digais: - Deus está no meu coração, mas antes: -
Eu estou no coração de Deus. Falou assim, porque termos a certeza que Deus
nos reserva um lugar no seu coração de Pai pela nossa acção no mundo, é
infinitamente um dom superior ao de sabermos que Ele está connosco, porque ele
está com todos os homens.
Que a espiritualidade de Almustafá
ilumine todos os homens.
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