Deus empregou quatro mil anos para preparar
o povo eleito. Cumulou-o de atenções. Enviou-lhe, a intervalos, os profetas,
com a incumbência de manter acesa a espera. E quando o Cristo veio, a primeira
adoração solene e oficial foi-lhe prestada por gente estranha àquele povo, por
gentios. Que não aconteça a mesma coisa connosco. Mimados demais pela graça, acolchoados no
algodão de Deus, poderá acontecer que um dia chegue um qualquer, oriundo de
raias longínquas e nos peça informações a respeito daquele Menino. E nós,
tenhamos de confessar, com vergonha, que jamais o encontramos de verdade, que
naquela estrebaria jamais pusemos os pés.
A. Pronzato
in, Evangelhos que Incomodam
Os Evangelhos que Incomodam é um daqueles
livros raros e inquietantes que não deixam indiferentes os leitores. O trecho
que se transcreve ipsis-verbis pertence
ao cap. As Surpresas de uma Viagem
onde o autor divaga sobre os Magos, que representam no nosso imaginário uma
página cheia de poesia, de acordo com o senso comum, mas que dissecada como é,
pelo autor do livro, nos deixa reflexões pertinentes e algumas surpresas.
Reflectindo,
temos que a primeira das surpresas que nos é apresentada é o caminho.
Temos a ideia
que a estrela iluminou sempre todos os passos dos Magos, num íntimo desejo que
um qualquer dos nossos próprios caminhos seja sempre uma luz, se possível,
feérica. Mas não. Todos os caminhos têm luzes e sombras. Aconteceu isso com os
Magos. Nas dobras dos montes, naturalmente, tiveram sombras, mas não
desistiram. Viveram plenamente a própria
aventura, até chegarem ao seu destino.
E nós? –
Quantas vezes desistimos, se o caminho se entorta?
Diz o autor
que aquilo que é nossa tentação é ter um caminho
seguro. Directo, perfeito, uma espécie de auto-estrada do espírito. Se
possível, até, com placas de sinalização
bem visíveis.
Eis uma
reflexão que não podemos deixar de fazer, sem esquecer que os Magos eram
gentios – e não tiveram medo de certos percalços - e nós, ou somos cristãos ou andamos á procura
de o ser. Pensemos nisto.
Na
continuação, vem a segunda das surpresas são
os profissionais da lei.
Ao chegarem a
Jerusalém, os Magos depararam-se com o rei Herodes, com seus sacerdotes e
outros peritos da Lei, os escribas.
Nenhum deles sabia do Menino e, no entanto, eram homens informados.
A estrela,
porém, brilhava no céu. Estava informada. Era um sinal, ao invés de nós – obras primas da Criação – que nos recusamos,
embora nos digamos cristãos a ser sinais do Menino, ocultando, até, por
omissão, quantas vezes, aquela Luz que
não cessa de brilhar.
Somos,
procedendo desse modo, parecidos com os velhos profissionais da Lei da corte de Herodes, dando como eles deram, respostas
cheias de doutrina, mas pouco esclarecedoras.
Algo que nos
deve inquietar, se vivemos acolchoados no
algodão de Deus. Muita doutrina e pouca acção.
A terceira reflexão
e última surpresa é uma pergunta sobre os presentes dos Magos: bastam aqueles presentes?
Vindos de onde
vieram e pelo que representaram foram dádivas importantes.
Apesar disso,
diz o autor que houve uma desproporção dos
presentes em relação ao destinatário.
E nós, que
respondemos? – Aquele Menino, afinal, era Rei, e dos seus nada recebeu que não
fosse aquele casebre de animais e, até, por vergonha nossa, de empréstimo. Por
uma noite.
Cabe esta
pergunta: - À sua Mensagem de Amor, se faltamos naquela noite com uma prenda retumbante
e condizente com O Filho de Deus, como nos temos redimido? Demos de barato a
moeda que pomos aos Domingos na caixa das oferendas e pensemos no que nos falta
dar de amor pelos mais pequemos, não sendo, necessariamente – os de menor
tamanho - mas os que num dado momento
precisam de nós. Aquele Menino Jesus, disse, um dia, que se olhássemos pelos
mais pequenos era como se olhássemos para Ele.
Será que as
nossas prendas têm estado sempre de acordo com o destinatário, que sendo no mundo que passa o mais pobre, é uma imagem
de Jesus? – Ele mesmo o disse, não nos esqueçamos.
Ou vamos
continuar, contentes com a moeda que
damos e a viver felizes, acolchoados no
algodão de Deus?
Contentes, mas sem sabermos dar resposta – se nos
perguntarem – por aquele Menino que nasceu para dar cumprimento à falta de amor
que havia… e continua a haver neste mundo!
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