No livro Jacob e
o Anjo que é uma profunda análise do comportamento do homem de todos os
tempos perante o transcendente, Pierre Blanchard, faz ressurgir no nosso
pensamento um passo misterioso do Génesis que nos mostra o neto de Abraão em
luta durante toda uma noite até ao romper da aurora com um ser misterioso que
os exegetas sempre tomaram por um Anjo prefigurando o próprio Deus, que quis,
segundo eles, pôr à prova Jacob e
deixar-se, depois, vencer pelo rogo das
suas preces.
O autor ao longo de
todas as páginas não deixa de pôr em relevo a luta do homem para encontrar o
caminho a uma Luz procurada, consciente ou inconscientemente, por entre a
claridade e as sombras que fazem parte da existência, sobretudo quando nos
deixamos enredar na teia de um mundo cruel – que mais ou menos sempre quis a
morte de Deus, de que Nietzche falou -
sem no entanto se ter apercebido que no seu ateísmo havia uma procura e uma ânsia
de encontrar o caminho, porque a grande verdade é que a Cultura nunca não
deixará de chamar das profundezas algo que seja uma Presença que possa ser
companhia na estrada da vida
E isto, hoje e para sempre, há-de deixar a descoberto
esta coisa essencial: em cada homem estará sempre presente o espírito de Jacob
e o desejo de ter como contendor o Anjo – ou seja, Deus – para o defrontar e
perceber d’Ele qual o é melhor caminho. É, por isso, que o autor regista que o
homem está sempre em demanda com Deus, mesmo até, quando se apartou d’Ele.
É aqui que
Pierre Blanchard aponta a blasfémia de Sartre: Eu suprimi Deus-Pai,
para mais tarde, como uma nostalgia torturante ter declarado: É preciso que
haja alguém para inventar os valores”, dando-nos em toda a sua grandeza a
tragédia que acompanha o homem, porque tendo a liberdade de “matar” Deus, e ao
ficar órfão dos seu amor, sente a necessidade de alguém para recriar as coisas
importantes que ilusoriamente se haviam abandonado ou, até, supostamente
erradicadas.
Já antes do
Cristianismo se ter implantado como escola de valores, Platão escrevera na sua
“República” que seria indispensável que houvesse na cidade com que sonhava,
sábios que antes de agir, tivessem estado face a face com Deus e o seu
discípulo, Aristóteles – que o suplantou – havia de dizer que Deus é a
inteligência perpetuamente em exercício de pensamento, porque a mais
alta perfeição do homem está presente quando O imita.
E assim, se em Platão é ponto assente que o agir deve
ser precedido de um encontro para aferir dos valores espirituais e partir com
eles para a vida, em Aristóteles encontramos a máxima que nos diz que a nossa
perfeição é tanto maior quanto melhor nos identificarmos com Deus.
Os dois filósofos da velha Grécia não podem deixar de
nos inquietar, porque são um testemunho fiel da luta milenar do homem,
dando-nos a certeza que a luta de Jacob e o Anjo já existia no seu tempo e
chegou até ao nosso com toda a carga de mistério, mas também de certezas,
porque não se podem negar os benefícios para o equilíbrio da alma humana,
quando esta ao “vencer” Deus se vence a si mesmo e caminha com outra confiança
pelos caminhos do mundo.
Esta há-de ser uma luta eterna, mas nunca deixará de
ser na sua grandeza mística a grande vitória do homem, sobretudo num tempo –
como o nosso – em que um ateísmo militante quer de novo “um crepúsculo dos
deuses” para que ele mesmo seja arvorado num deus sem fé, o que nos faz lembrar uma afirmação de Karl Stern, quando
disse: que a ausência da fé ou a perda da fé é, muitas vezes, um sintoma
sério de anarquia mental:
Karl Stern era
psiquiatra e é um convertido.
É no tempo moderno um novo Jacob por ter chamado para
si mesmo a luta com o Anjo – O Deus da História – que há-de ser sempre no devir
de todos os tempos quem se há-de defrontar com todos os homens que tendo
entendido a mensagem da velha luta bíblica, têm a felicidade de O “vencer”,
porque Ele – sendo um Ser Absoluto e invencível – não se importa de perder para
ganhar o homem.
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