A chave que abre no coração do homem a porta da caridade deve-se a Jesus. Que a vossa mão direita não saiba o que faz a esquerda. (Mt 6,3), no pressuposto que o exercício da caridade deva permanecer em segredo.
Depois
a sabedoria colectiva do povo, que é santa, foi ao longo dos tempos caldeando
no grande cadinho popular, aforismos imbricados na caridade ao estabelecer
conceitos que vão beber na fonte de Jesus, tal como Ele quer que aconteça na vivência humana.
Quem
dá aos pobres, empresta a Deus.
O pão do corpo é uma esmola pela qual sempre se receberá a
justa recompensa, mas o sorriso amigo é uma bênção para a eternidade.
O bem que praticares nalgum lugar
será teu advogado em toda parte.
A mão que escreve um livro nobre é respeitável e generosa, mas a mão que socorre um doente é sublime e santa.
Não taxes a tua bondade com impostos
de gratidão. O amor não é um cobrador de impostos.
Não esqueças nunca que a caridade é
o coração que levas na ponta do teu gesto.
Todo
aquele que semeia o bem é o primeiro beneficiado, como acontece com todo aquele
que acende uma luz, porque se ilumina a si mesmo, em primeiro lugar.
A caridade, é assim, um acto humano a roçar o divino e cuja
virtude maior está no modo como a praticamos: Que a vossa mão direita não saiba o que faz a
esquerda.
Assenta nesta frase lapidar de Jesus e, depois, nos aforismos
populares que se criaram em redor deste belo sentimento e acima reproduzidos,
que não consentem nem podem aceitar a caridadezinha, que muitas vezes – vezes demais – tem
existido ao longo dos séculos e que mais não é que uma afronta à beleza
evangélica que S Mateus guardou e nos transmitiu, tendo-a ouvido – enquanto
testemunha privilegiada – da boca de Jesus.
A caridade é, acima de tudo, amor.
Não se restringe à esmola, como é vulgarmente entendida, mas
antes abarca todo o universo das relações em que nos achamos encontrados com os
nossos semelhantes num dado tempo e lugar, sejam eles nossos inferiores,
iguais, ou nossos superiores, do ponto de vista social, donde se infere que a
caridade autêntica só existe, quando a justiça existe, não podendo esta ser uma
carapaça para vestir o exterior, deixando o interior comportar-se sem regras e
deveres sociais, impondo-se, por isso, ao homem, que o coração saia para fora e
se torne o aliado preferencial do espírito.
Digamos não – um não profundo – à caridadezinha.
É uma
máscara. Uma caricatura que não devia existir.
Caridade exemplar é a que Deus quer.
É aquela que retira algo do que se tem de bens materiais ou
espirituais, não daquilo que sobra, mas, muitas vezes, do que faz falta para
colmatar uma necessidade imediata ou minorar um sofrimento numa troca de bens e
sentimentos que faz do homem de hoje – como aconteceu desde sempre – alguém que
se parece com Aquele que um dia, exemplarmente, falou deste dom, de um modo
franco e fraterno, deixando por detrás das suas Palavras todo um esquema de
vida nova que era preciso ser vivido entre os homens.
É como se estes -
trocando a caridade, entre si -
cumprissem a lei universal expressa no dever de nos amarmos uns aos outros, fazendo da
caridade e lei maior, superior a
qualquer carisma, dispondo-se não a fazer do próximo um meio para
engrandecimento aos olhos da sociedade, mas antes, para fazer dele um benefício
íntimo, onde apenas existe como testemunhas do bem que é feito, Deus, aquele
que o faz e o beneficiário.
Virtude teologal que é, afirma o dom de estar inscrita na
esfera de Deus, razão porque, se a praticamos para que o mundo a veja desvirtuamos
o acto, fazendo-o cair na praça pública das vaidades mundanas.
Quer isto dizer que o amor ao próximo – que passa sempre,
por ver Deus reflectido nele - se não tem o sentido que lhe deu Jesus, é um
embuste.
Não respeitar isto é fazer a tal caridadezinha.
Há, pois, que por em prática um dos aspectos mais
importantes da caridade, como seja, o de olhar o outro como pessoa, seja ela
individual ou colectiva, arvorando-a como um dom de renúncia e partilha e nunca
fazer da caridade um acto inconsequente no plano de Deus, quando a tornamos ofensiva
da dignidade do outro.
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