Não sou o autor da imagem. Peço licença para a publicar
No seu formoso Livro: Momentos, LópezArróniz, conta uma
história encantadora: uma dada aldeia do seu conhecimento recebia uma Missão
Popular, daquelas que levam a Palavra de Deus preferencialmente aos menos
atentos às coisas do espírito.
Ao missionário encarregado de dirigir a Missão, constou-se-lhe que o ferreiro da aldeia se obstinava em fechar os olhos e os ouvidos àquilo que se passava na pequena comunidade onde ele nascera e exercia o ofício.
Ao missionário encarregado de dirigir a Missão, constou-se-lhe que o ferreiro da aldeia se obstinava em fechar os olhos e os ouvidos àquilo que se passava na pequena comunidade onde ele nascera e exercia o ofício.
Diz, o autor, que no
momento em que os sinos da torre volteavam contagiosos convidando toda a
gente a reunir-se no templo para escutar a Palavra de Deus, o ferreiro
martelava com mais força e mais estrépito sobre a bigorna, a fim de não ouvir o
chamamento dos sinos. E se alguém se atrevia a desafiá-lo para assistir ao
exercício da Missão, desatava numa tempestade de blasfémias e dichotes.
E, numa tarde, o
missionário experimentado teve uma inspiração. Desprendeu uma das mãos do seu
enegrecido Crucifixo e foi procurar o contumaz blasfemo. Entrou na forja;
dirigiu-se àquele homem afastado do Senhor e pediu-lhe com afabilidade:
- Pode-me fazer o favor
de me consertar o meu Crucifixo? Desprendeu-se esta mão...
O Crucifixo estremeceu
ligeiramente nas manápulas do ferreiro. A labareda que dançava na forja punha
um reflexo vermelho, como ferida imensa, no metal gasto da Imagem. Por fim,
colocou o Crucifixo sobre a bigorna, empunhou o martelo, ergueu-o...
suspendeu-se um instante e logo baixou o martelo, vagarosamente, sem ímpeto.
Entregou o Crucifixo ao Padre e escusou-se:
- Não, Padre, não me
atrevo. Não prego cravos em Deus
- Mas é o que tens andado a fazer, todos estes dias... com a tua obstinação e as
tuas blasfémias, insinuou o velho missionário.
E López Arróniz, remata esta
história maravilhosa, dizendo que o ferreiro beijou o Crucifixo. E depois, chorou,
convertido.
Momentos é um Livro especial, daqueles que deve ser lido
devagarinho, saboreando as palavras e meditando cada uma das muitas histórias
que fazem dele, não só uma referência espiritual como um modo de aprender a
estar de bem com a vida, no pleno usufruto da inteligência posta de atalaia
para uma melhor compreensão do homem que somos e do caminho que devemos
percorrer para encontrar o equilíbrio e a felicidade numa das metas espirituais
que desde o início dos tempos têm marcado a existência do género humano, que no
mais fundo de si, anseia por se encontrar reflectido numa doutrina em que
acredita.
A trama que o autor
encontrou para chamar o ferreiro ao caminho de Deus, que era, afinal, a sua
missão no mundo, centra-se, precisamente, numa verdade elementar: não podemos
virar as costas a Cristo e muito menos voltar a crucificá-l’O, que era, o que o
ferreiro faria, simbolicamente, ao pregar na Cruz do missionário o braço solto
daquela Imagem; num ápice, aquele homem de falas licenciosas entendeu o
sentido das últimas palavras do
missionário, porque os modos e a acção da sua vida desbragada haviam sido sempre uma
crucificação continuada d’Aquele que tinha entre as mãos e que lhe deram em
tremer, levando o martelo do ofício a pousar devagar na bigorna, obedecendo a
um impulso do subconsciente, de repente desperto e arrependido.
Na
vida concreta do dia a dia, quantos de
nós – possivelmente, sem sabermos – não andamos por aí a pregar cravos em Deus,
com agravante de não termos a
repugnância do ferreiro, que teve a atitude sublime de perceber quanto mal
havia feito ao longo de tantos anos de uma vida longe do credo que era acarinhado
pelos demais homens da aldeia.
Que
a pancada do martelo que ele suspendeu vagarosamente, seja um motivo forte e
nos leve a suspender para sempre aquelas pancadas mal dadas, seja em Deus, seja
nos simples amigos e companheiros da jornada da vida, a quem devemos estima e
que muitas vezes crucificamos com palavras e atitudes.
Que
nunca mais cravemos neles os cravos da nossa arrogância e maledicência, porque
é preciso endireitar este mundo
necessitado de paz e concórdia, sobretudo necessitado de amor.
Que todos aqueles que andam por aí a pregar
cravos em Deus, faltando ao respeito que lhe devem os outros, entendam a lição
da história de López Arróniz, onde o ferreiro, num acto de reflexão emendou
muitos anos de vida à solta, contra Deus, fazendo ouvidos moucos a todos
aqueles que procuravam aquietar o seu
espírito revolto e iconoclasta.
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