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sexta-feira, 24 de maio de 2013

Não prego cravos em Deus





Não sou o autor da imagem. Peço licença para a publicar


No seu formoso Livro: Momentos, LópezArróniz, conta uma história encantadora: uma dada aldeia do seu conhecimento recebia uma Missão Popular, daquelas que levam a Palavra de Deus preferencialmente aos menos atentos às coisas do espírito.
Ao missionário encarregado de dirigir a Missão, constou-se-lhe que o ferreiro da aldeia se obstinava em fechar os olhos e os ouvidos àquilo que se passava na pequena comunidade onde ele nascera e exercia o ofício.

Diz, o autor, que no momento em que os sinos da torre volteavam contagiosos convidando toda a gente a reunir-se no templo para escutar a Palavra de Deus, o ferreiro martelava com mais força e mais estrépito sobre a bigorna, a fim de não ouvir o chamamento dos sinos. E se alguém se atrevia a desafiá-lo para assistir ao exercício da Missão, desatava numa tempestade de blasfémias e dichotes.

E, numa tarde, o missionário experimentado teve uma inspiração. Desprendeu uma das mãos do seu enegrecido Crucifixo e foi procurar o contumaz blasfemo. Entrou na forja; dirigiu-se àquele homem afastado do Senhor e pediu-lhe com afabilidade:
- Pode-me fazer o favor de me consertar o meu Crucifixo? Desprendeu-se esta mão...
O Crucifixo estremeceu ligeiramente nas manápulas do ferreiro. A labareda que dançava na forja punha um reflexo vermelho, como ferida imensa, no metal gasto da Imagem. Por fim, colocou o Crucifixo sobre a bigorna, empunhou o martelo, ergueu-o... suspendeu-se um instante e logo baixou o martelo, vagarosamente, sem ímpeto. Entregou o Crucifixo ao Padre e escusou-se:

- Não, Padre, não me atrevo. Não prego cravos em Deus
- Mas é o que tens andado a fazer, todos estes dias... com a tua obstinação e as tuas blasfémias, insinuou o velho missionário.

E López Arróniz, remata esta história maravilhosa, dizendo que o ferreiro beijou o Crucifixo. E depois, chorou, convertido.
 Momentos é um Livro especial, daqueles que deve ser lido devagarinho, saboreando as palavras e meditando cada uma das muitas histórias que fazem dele, não só uma referência espiritual como um modo de aprender a estar de bem com a vida, no pleno usufruto da inteligência posta de atalaia para uma melhor compreensão do homem que somos e do caminho que devemos percorrer para encontrar o equilíbrio e a felicidade numa das metas espirituais que desde o início dos tempos têm marcado a existência do género humano, que no mais fundo de si, anseia por se encontrar reflectido numa doutrina em que acredita.

A trama que o autor encontrou para chamar o ferreiro ao caminho de Deus, que era, afinal, a sua missão no mundo, centra-se, precisamente, numa verdade elementar: não podemos virar as costas a Cristo e muito menos voltar a crucificá-l’O, que era, o que o ferreiro faria, simbolicamente, ao pregar na Cruz do missionário o braço solto daquela Imagem; num ápice, aquele homem de falas licenciosas entendeu o sentido  das últimas palavras do missionário, porque os  modos e a acção  da sua vida desbragada haviam sido sempre uma crucificação continuada d’Aquele que tinha entre as mãos e que lhe deram em tremer, levando o martelo do ofício a pousar devagar na bigorna, obedecendo a um impulso do subconsciente, de repente desperto e arrependido.

Na vida concreta do dia a dia,  quantos de nós – possivelmente, sem sabermos – não andamos por aí a pregar cravos em Deus, com agravante de não termos  a repugnância do ferreiro, que teve a atitude sublime de perceber quanto mal havia feito ao longo de tantos anos de uma vida longe do credo que era acarinhado pelos demais homens da aldeia.
Que a pancada do martelo que ele suspendeu vagarosamente, seja um motivo forte e nos leve a suspender para sempre aquelas pancadas mal dadas, seja em Deus, seja nos simples amigos e companheiros da jornada da vida, a quem devemos estima e que muitas vezes crucificamos com palavras e atitudes.

Que nunca mais cravemos neles os cravos da nossa arrogância e maledicência, porque é preciso  endireitar este mundo necessitado de paz e concórdia, sobretudo necessitado de amor.
 Que todos aqueles que andam por aí a pregar cravos em Deus, faltando ao respeito que lhe devem os outros, entendam a lição da história de López Arróniz, onde o ferreiro, num acto de reflexão emendou muitos anos de vida à solta, contra Deus, fazendo ouvidos moucos a todos aqueles que procuravam  aquietar o seu espírito revolto e iconoclasta.

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