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sábado, 18 de maio de 2013

Menino, queres ser meu mestre?





Menino: no outro lado da mesa não há cadeira, mas se me permitires eu levo a minha e sento-me ao pé de ti para me ensinares o que não sei, mas sobretudo, para me ensinares tudo aquilo que eu tive dentro de mim quando tinha a tua idade.



Carlos Queirós (1) num poema inspirado, de rara beleza e de um lirismo tocante, a que chamou “Canção Inocente” põe a tónica do seu estro brilhante desde muito moço, num aspecto que nos devia interpelar.
É que, os adultos, especialmente os pais - não raro -  pela vida que assumiram de um mergulho descuidado na máquina trituradora de uma sociedade que os obriga a  viver a vida sem cuidar nos seus cambiantes mais puros, têm esquecido uma coisa importante: de vez em quando é preciso deixar o papel de adulto e regressar à criança que vive dentro de cada homem e mulher e, desse modo, abeirarem-se das crianças, seus filhos.
Tenhamos presente que é inquietante o modo como hoje são tratadas as nossas crianças por uma questão de mudança social de atitudes, muitas vezes pelas dificuldades económicas criadas e de que as primeiras vítimas são as crianças inocentes que vêem sair os pais de casa e mal os encontram - se é que tal acontece - quando chegam mas  sem tempo de os beijar e lhe contar as histórias infantis que enchem livros, mas eles não têm tempo de lhes ler.
Metidas, manhã cedo nos Infantários, mal conhecem as brincadeiras com os pais.
Pessoas que chegam cansadas ao fim do dia, sem paciência para um contacto mais profundo com elas. E, no entanto, é nelas onde se vai buscar a poesia que falta a esta vida inclemente.
É com elas que aprendemos a ser melhores e mais humanizados.
É por isso, que o Poeta na sua “Canção Inocente” se exprime deste jeito:

Menino, queres ser meu mestre?
 - Contigo tinha tanto que aprender!
A ser casto, sem querer
A ser bom sem o saber
A ser alegre sem ter
Motivos para o ser.
 Menino: queres ser meu mestre?
 - Deixa o teu arco aí. Vem-me ensinar
 A sorrir e a confiar;
 A ter esp’rança e a perdoar;
 A esquecer e a chorar...


      Menino que brincas no jardim:
 - Tu, sim,
Podias ser um mestre para mim!

Tem toda a razão, Carlos Queirós.
Os adultos precisam aprender com as crianças a ser mais puros e castos e a ter motivos de alegria, a perdoar, a esquecer e, até, a chorar quando for preciso. Olhemos, pois, as nossas crianças. É nelas onde se espelham as grandes virtudes que ajudam a tornar melhor o nosso mundo.

      Menino que brincas no jardim
      - Tu, sim,
Podias ser um mestre para mim!

Retenhamos estes últimos versos e em cima deles cantemos uma canção de amor diferente; uma canção renascida pela força do menino que vive dentro de qualquer homem.
E com ele desperto, façamos companhia nas brincadeiras dos nossos filhos e netos. Deixemos que eles sejam os nossos mestres nas virtudes que trazemos – tantos de nós – um pouco esquecidas.
Convenhamos, que andamos fartos de muitos mestres adultos em todas as áreas das nossas relações humanas, desde o desporto à política, sobretudo aqui, neste campo importante  e decisivo  do bem colectivo que parece ter  esquecido a cartilha que devia levar os homens públicos que nos conduziram à miséria actual a pedir desculpa pelos erros cometidos, mas para tanto, era necessário que os faltosos ao cumprimento do bem social regressassem ao seus corações de crianças e deixassem de exibir a falta de humildade quando se mostram mestres de nadas...
-  Tantos mestres, não é? Tantos... que andamos fartos.
Fartos deles e de tão poucos ensinamentos válidos...
Por isso, olhemos as nossas crianças e com veemência e de corações abertos, dispostos a aprender com elas, façamos a mesma pergunta de Carlos Queirós:
                                         Menino, queres ser meu mestre?
E como quem sabe o que aconteceria se ele nos desse a honra de nos ensinar, afirmemos convictamente:
                                         -  Contigo tinha tanto que aprender!
Só com eles é que isto seria possível... pelo menos, a aprender a perdoar como eles terão de fazer, um dia, aos homens públicos que empenharam a geração dos seus pais e, até, a dos filhos que irão ter.



(1)  - José Carlos Queirós Nunes Ribeiro (1907/1949) Poeta, Ensaísta e Crítico de Arte. Prémio “Antero de Quental” em 193

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