ALEXANDRE HERCULANO
A criação intelectual é o
mais misterioso
e solitário de todos os
misteres humanos:
(Gabriel Garcia Marquez)
De seu nome completo, Alexandre Herculano de Carvalho
e Araújo, nasceu em Lisboa em 1810 e faleceu na sua propriedade rústica de Vale
de Lobos, em 1877.
Era filho do recebedor da Junta de Juros, Teodoro
Cândido de Araújo, que tendo cegado e por manifesta falta de meios após o jovem
ter completado os estudos preparatórios com os padres Oratorianos desistiu de o
matricular na Universidade de Coimbra, fazendo-o entrar na Academia da Marinha
e, mais tarde, na Aula de Comércio que então preparava os candidatos para a
Fazenda Pública.
Ainda adolescente tornou-se adversário do absolutismo de D. Miguel,
envolvendo-se nas lutas civis entre liberais e miguelistas, estes
arregimentados ao Infante que desde 1827 se encarniçava com os seus apaniguados
contra os aderentes à ideia nova do liberalismo.
No decurso do ano de 1831, apoiados pelo Duque de Palmela que na Ilha
Terceira (Açores) em 1829 havia formado um conselho de regência em nome de D.
Maria II, revoltou-se em Lisboa o Regimento do 4 de Infantaria, com o propósito
de incendiar a esquadra de D. Miguel. É neste passo que surge Alexandre
Herculano, tendo sofrido a desdita da revolta ter sido vencida pelos
miguelistas, um facto que o leva a refugiar-se em Plymouth, até que no ano de
1832 aporta à Ilha Terceira – que nunca aderira ao absolutismo – e de onde
regressa ao Continente na expedição liberal de D. Pedro, desembarcando no
Mindelo e participado nas lutas que levaram à capitulação de D. Miguel, em
Évora-Monte, no ano de 1834.
Vencida a causa em 1839 é nomeado director das Bibliotecas reais das
Necessidades e da Ajuda.
Já então a sua pena havia produzido A Harpa do Crente (1837) a
que se seguiram as Lendas e Narrativas, (1839-1844) 2 volumes, e neste mesmo ano, Eurico, o Presbítero
e O Pároco de Aldeia.
Escreve quase de seguida o 1º Volume da História de Portugal
(1846) e O Monge de Cister (1848) e o Bobo; o seu labor
infatigável a que se ficou devendo a renovação do estudo da História de
Portugal não cessa de produzir uma obra vastíssima, tendo em 1850, agastado com
a intolerância religiosa do seu tempo, dado à estampa A História da Origem e
Estabelecimento da Inquisição em Portugal.
É, com Garrett, o iniciador do romantismo, em Portugal, fazendo as suas
obras apresentadas sob a forma de
romance, drama ou poesia, transmitam a nova corrente literária, inserindo-as
num passado histórico em que Portugal, enquanto Nação ainda não existia ou
estava a ganhar a sua independência.
Para além de exímio historiador, Herculano foi um poeta de grande
qualidade, um facto literário nem sempre devidamente apreciado na obra deste
escritor de eleição.
Embora ao de leve, servindo-nos de um escrito do seu grande amigo e
admirador Bulhão Pato, vamos relatar um facto, possivelmente pouco conhecido e
que esteve na origem de uma criação poética das mais conhecidas do mestre.
Num estudo que fez, em 1883, sobre o celebrado poema de Herculano, A
Cruz Mutilada, conta o autor das Flores Agrestes, que num
certo dia foi de longada, a pé, até Sintra, levando por companhia, Alexandre
Herculano e o Marquês de Sabugosa, com o fito de se alojarem na propriedade do
Conde de Lavradio, cunhado do Marquês. É a história de um passeio de amigos.
A narração de Bulhão Pato é extremamente curiosa e merece um pouco de atenção.
Conta ele, que o triunvirato, tendo almoçado em Queluz, onde chegaram
por um caminho bravo, por ausência de estrada, seguiram depois, pela
estrada que passou a haver, até Sintra, serra acima até ao convento do Carmo, onde chegaram
mortos de fome. Caíram na cama e todos dormiram o sono dos justos, tendo-os
acordado, Herculano – que se levantara às sete da manhã, com a seguinte
cantilena:
Quatro horas dorme o santo.
Cinco o que não é tanto.
Seis o estudante.
Sete o viandante.
Oito o porco
e nove o morto!
Com muita graça conta Bulhão Pato que ele e o Marquês haviam dormido
doze horas!
Na continuação do relato daquele passeio, conta o narrador que a bela e
inspirada poesia A Cruz Mutilada foi inspirada a Herculano nas
imediações do convento do Carmo, naquela agreste e encantadora posição da
nossa Sintra, a que o próprio Lord Byron, inimigo figadal dos portugueses,
chama a mais bela da Europa.
A cruz tinha um braço partido e a hera, a mãe solícita das ruínas,
deitara-lhe em volta os ramos verdejantes e cariciosos.
A célebre poesia, nasceu, deste modo naquele local da Serra e começa
com estes pujantes versos de um puro lirismo e amor místico:
Amo-te, ó cruz, no vértice
firmada
De esplêndidas igrejas;
Amo-te quando, à noite, sobre a campa,
Junto ao cipreste alvejas;
Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos,
As preces te rodeiam;
Amo-te, quando em préstito festivo
As multidões te hasteiam;
Amo-te, erguida no cruzeiro antigo,
No adro do presbitério,
Ou quando o morto, impresso no ataúde,
Guias ao cemitério!
Amo-te, ó cruz, até, quando no vale
Negrejas triste e só(...)
De esplêndidas igrejas;
Amo-te quando, à noite, sobre a campa,
Junto ao cipreste alvejas;
Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos,
As preces te rodeiam;
Amo-te, quando em préstito festivo
As multidões te hasteiam;
Amo-te, erguida no cruzeiro antigo,
No adro do presbitério,
Ou quando o morto, impresso no ataúde,
Guias ao cemitério!
Amo-te, ó cruz, até, quando no vale
Negrejas triste e só(...)
E, neste passo, remata
Bulhão Pato, que Herculano, censurado de ímpio e herege, espécie de papão
com que em certa sociedade se chegou a meter medo às crianças e até a mulheres
já feitas, era uma alma profundamente
religiosa.
Com efeito, o grande escritor, em A Harpa do Crente, ao cantar a
Arrábida com todo o seu fulgor majestático, eleva à Obra de Deus um cântico,
quando afirma:
...............................................................
Oh, como surge majestosa e
bela,
Com viço da criação, a natureza
No solitário vale! E o leve insecto
E a relva e os matos e a fragrância pura
Das boninas da encosta estão contando
Mil saudades de Deus, que os há lançado,
Com mão profusa, no regaço ameno
Da solidão, onde se esconde o justo.
E lá campeiam no alto das montanhas
Os escalvados píncaros, severos,
Quais guardadores de um lugar que é santo;
Atalaias que ao longe o mundo observam,
Cerrando até o mar o último abrigo
Da crença viva, da oração piedosa,
Que se ergue a Deus de lábios inocentes.
Com viço da criação, a natureza
No solitário vale! E o leve insecto
E a relva e os matos e a fragrância pura
Das boninas da encosta estão contando
Mil saudades de Deus, que os há lançado,
Com mão profusa, no regaço ameno
Da solidão, onde se esconde o justo.
E lá campeiam no alto das montanhas
Os escalvados píncaros, severos,
Quais guardadores de um lugar que é santo;
Atalaias que ao longe o mundo observam,
Cerrando até o mar o último abrigo
Da crença viva, da oração piedosa,
Que se ergue a Deus de lábios inocentes.
.............................................................................
Alexandre Herculano foi e é
um mestre da língua portuguesa.
No ano da sua morte (1877) João de Deus, o mimoso autor do Campo de
Flores, encabeçou uma manifestação nacional em honra deste homem, amante
das ideias liberais que irrompiam pela Europa, tecendo-lhe uma homenagem
merecida, por aqueles que viram nele um tempo novo
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