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sábado, 25 de outubro de 2014

Poema para a minha aldeia





Cântico de Amor


A aldeia onde tive a graça de ter nascido fica no fundo da uma gamela natural com que Deus a presenteou, a espraiar-se no aconchego da uma condição geográfica singular, com as suas encostas de variegados verdes formando os contrafortes possantes que num passado recente ainda ouviram o balir dos rebanhos e o assobio dos pastores e, hoje, apenas, ouvem o zumbido álacre das abelhas e o coro dos pardais que voltejam estridentes, sob o sol das manhãs, quando estas despontam a ferir o azul imaculado de um céu sem mancha que se abre risonho sobre aquele mundo pequeno, mas grande na minha lembrança e na minha recordação.

A minha terra é um povoado humilde. Foi lá onde abri os olhos para todas as paisagens do mundo, e é a ele que regresso sempre desejoso de o rever – por ser único - nos cambiantes que trago emoldurados na arca do peito e me acompanham sempre por todos os lados por onde tem passado o comboio do meu destino.
Tenho a certeza que os teus filhos nunca te abandonarão, meu belo torrão natal.
É que tu trazes preso a ti, como uma marca de qualidade, aquele mistério dos povoados que parecem ter surgido das lendas velhinhas que furaram os tempos, sem no entanto terem a sua história firmada nos compêndios da sabedoria académica da Pátria que somos.

Ainda assim, é essa aura de sonho e névoa, que constituem a melhor garantia para projectar no futuro o encanto das existência de povoados iguais a ti. Amo-te, por isso mesmo: por seres uma realidade que eu sinto, sem, no entanto, conhecer a tua origem. Diziam os mais antigos que os teus primeiros habitantes se aninharam na margem da tua ribeira explorando uma mina que saía desta, lá para as bandas do Poço do Seixo...
A bocarra da mina está lá, escondida por entre silvas e ramagens de era e musgos, mas o mineral que dela se explorou não se sabe ao certo, qual foi.

Mas é, neste ponto a par de outros que reside o teu encanto, precisamente por não seres uma certeza devassada, mas antes, uma certeza que se afirma em cima da nuvens de um passado longínquo, onde não falta o heroísmo dos meus avós para se firmarem no chão duro das tuas encostas e nos talvegues inóspitos dos teus montes a namorar os vales, que mais não são que as paredes da gamela que tu és e, onde, nos socalcos que firmavam com paredes de pedras soltas entre si, erguiam as minguadas courelas onde plantavam as couves com que cozinhavam o caldo à mistura com as migas da broa de milho e das castanhas que amareleciam no caniço, por cima da lareira.

Transportas, assim, no teu seio a grandeza do desconhecido e todo o mistério da tua existência onde não faltam motivos de recreio para o olhar mais exigente.
A grandeza das tuas encostas verdes firmam nos baixios os leitos apertados das tuas duas ribeiras, onde se ouvem, distintos, os beijos das águas cantantes quando tropeçam nos seixos rolados. E é um encanto quando as águas límpidas, num roçar dengoso e fresco formam aqui e ali lagoas naturais onde nadam os peixes assustadiços, indiferentes ao bucolismo das margens onde crescem os salgueiros com as suas ramadas pendentes a beijar as águas que correm a caminho de um destino longo e muito menos bucólico.

Contudo, não te apreciamos como mereces, o que é uma desatenção que fazemos à tua quietude e ao teu ar sadio que é uma bênção de Deus que nem sempre temos sabido agradecer.
Mas, tenho a certeza, apesar de algumas desatenções, não morrerás.
Muitos dos teus filhos legítimos e outros adoptivos – mas que são teus filhos, do mesmo modo – não deixarão que aconteça, um dia,  o esquecimento do teu céu azul vivo e forte, da água pura das tuas nascentes, dos verdes dos teus montes e da variedade multicor das flores campestres que em todos os meses de Maio implantam tapetes policromos que apetece percorrer e, até, rolar sobre eles, cantando um hino de amor por tanta beleza espraiada num mar imenso de cores.

Todo o teu conjunto é uma maqueta alegra e viva.
Tu foste e és - agora nos meus tempos de um adulto já muito entrado pelos anos fora -  o meu melhor brinquedo...
Que nós todos, os teus filhos se lembrem do brinquedo que tu és e o saibamos preservar, para que continues a cumprir o dever de nos encantar e sejas para sempre a magia que nos chama e à qual havemos de continuar a responder, com a poesia de que formos capazes, como aconteceu com os nossos primeiros avós, aos quais homenageio porque foi deles, no lonjura dos tempos que te firmaste como eu tento dizer, como sei e posso neste poema que é um cântico de amor para ti.


Num certo dia,
num tempo d’outras canseiras
fizeste a tua estadia
na queda das cachoeiras,
bebendo da  água fria
das tuas duas ribeiras.

Depois, como uma flor
abriste um pouco mais.
Nasceu o “Povo de Baixo”
-o teu primeiro amor-
e aconteceste, Praçais!

Subiste de seguida
e alargaste o teu chão
na Várzea, na Ladeira
e lá no alto, no Caratão.
Foi isto, há muitos anos...
-tempo onde não estive!
Tantos anos, que perdi o conto
a todos os avós que tive.
Mas aponto os teus lugares
que falarão a vida inteira
dos teus antigos lagares
e dos moinhos da ribeira
que já não têm caminho.

Aponto, também,
as encostas da Varejeira
e a água do Regatinho
que por ser tão pura
podemos levar à feira!

Aponto, ainda,
a granja da Cortavinha
e a tua Escola velhinha
que foi uma imensa luz
e é uma saudade minha!
E não esqueço, não
as Voltinhas e o Cabeço
e as terras do Sendão.

E aquele sussurro
da água que se escoa
na Foz do Muro.
E aponto a saudade antiga
do passar dos bóis
quando caía a tardinha...
ou, então, ao pino do calor
sob o som da cantiga
do humilde lavrador!

E, não esqueço, não
o Poço do Moinho
onde íamos a banhos
deixando nos montes
os cândidos rebanhos.

E, por fim, aponto
a tua linda Capela
onde Deus se faz presente
na luz de cada vela
e em toda a tua gente!



1 comentário:

  1. Meu bom irmão: que outra coisa não lesse de ti, esta me diz tudo o que teu "prosar e versejar" tem de encanto e manifestação de um coração vibrante de vida e de ternura.

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