Cântico de Amor
A
aldeia onde tive a graça de ter nascido fica no fundo da uma gamela
natural com que Deus a presenteou, a espraiar-se no aconchego da uma condição
geográfica singular, com as suas encostas de variegados verdes formando os
contrafortes possantes que num passado recente ainda ouviram o balir dos
rebanhos e o assobio dos pastores e, hoje, apenas, ouvem o zumbido álacre das
abelhas e o coro dos pardais que voltejam estridentes, sob o sol
das manhãs, quando estas despontam a ferir o azul imaculado de um céu sem
mancha que se abre risonho sobre aquele mundo pequeno, mas grande na minha
lembrança e na minha recordação.
A minha terra é um povoado humilde. Foi lá onde abri os olhos para
todas as paisagens do mundo, e é a ele que regresso sempre desejoso de o rever – por
ser único - nos cambiantes que trago emoldurados na arca do peito e me
acompanham sempre por todos os lados por onde tem passado o comboio do meu destino.
Tenho a certeza que os teus filhos nunca te
abandonarão, meu belo torrão natal.
É que tu trazes preso a ti, como uma marca de
qualidade, aquele mistério dos povoados que parecem ter surgido das lendas
velhinhas que furaram os tempos, sem no entanto terem a sua história firmada
nos compêndios da sabedoria académica da Pátria que somos.
Ainda assim, é essa aura de sonho e névoa, que
constituem a melhor garantia para projectar no futuro o encanto das existência
de povoados iguais a ti. Amo-te, por isso mesmo: por seres uma realidade que eu
sinto, sem, no entanto, conhecer a tua
origem. Diziam os mais antigos que os teus primeiros
habitantes se aninharam na margem da tua ribeira explorando uma mina que saía
desta, lá para as bandas do Poço do Seixo...
A bocarra da mina está lá, escondida por entre silvas e
ramagens de era e musgos, mas o mineral que dela se explorou não se sabe ao certo, qual foi.
Mas é, neste ponto a par de outros que reside o teu
encanto, precisamente por não seres uma certeza devassada, mas antes, uma
certeza que se afirma em cima da nuvens de um passado longínquo, onde não falta
o heroísmo dos meus avós para se firmarem no chão duro das tuas encostas e nos
talvegues inóspitos dos teus montes a namorar os vales, que mais não são que as
paredes da gamela que tu és e, onde, nos socalcos que firmavam
com paredes de pedras soltas entre si, erguiam as minguadas courelas onde
plantavam as couves com que cozinhavam o caldo à mistura com as migas da broa
de milho e das castanhas que amareleciam no caniço, por cima da lareira.
Transportas, assim, no teu seio a
grandeza do desconhecido e todo o mistério da tua existência onde não faltam
motivos de recreio para o olhar mais exigente.
A grandeza das tuas encostas verdes firmam nos baixios
os leitos apertados das tuas duas ribeiras, onde se ouvem, distintos, os beijos
das águas cantantes quando tropeçam nos seixos rolados. E é um encanto quando
as águas límpidas, num roçar dengoso e fresco formam aqui e ali lagoas naturais
onde nadam os peixes assustadiços, indiferentes ao bucolismo das margens onde
crescem os salgueiros com as suas ramadas pendentes a beijar as águas que
correm a caminho de um destino longo e muito menos bucólico.
Contudo, não te apreciamos como mereces, o que é uma
desatenção que fazemos à tua quietude e ao teu ar sadio que é uma bênção de
Deus que nem sempre temos sabido agradecer.
Mas, tenho a certeza, apesar de algumas desatenções,
não morrerás.
Muitos dos teus filhos legítimos e outros adoptivos –
mas que são teus filhos, do mesmo modo – não deixarão que aconteça, um
dia, o esquecimento do teu céu azul vivo
e forte, da água pura das tuas nascentes, dos verdes dos teus montes e da
variedade multicor das flores campestres que em todos os meses de Maio
implantam tapetes policromos que apetece percorrer e, até, rolar sobre eles,
cantando um hino de amor por tanta beleza espraiada num mar imenso de cores.
Todo o teu conjunto é uma maqueta alegra e viva.
Tu foste e és - agora nos meus tempos de um adulto já muito entrado pelos anos fora - o meu melhor brinquedo...
Que nós todos, os teus filhos se lembrem do brinquedo
que tu és e o saibamos preservar, para que continues a cumprir o dever de nos
encantar e sejas para sempre a magia que nos chama e à qual havemos de
continuar a responder, com a poesia de que formos capazes, como aconteceu com
os nossos primeiros avós, aos quais homenageio porque foi deles, no lonjura dos tempos que te firmaste como eu tento dizer, como sei e posso neste poema que é um cântico de amor para ti.
Num certo dia,
num tempo d’outras canseiras
fizeste a tua estadia
na queda das cachoeiras,
bebendo da água
fria
das tuas duas ribeiras.
Depois, como uma flor
abriste um pouco mais.
Nasceu o “Povo de Baixo”
-o teu primeiro amor-
e aconteceste, Praçais!
Subiste de seguida
e alargaste o teu chão
na Várzea, na Ladeira
e lá no alto, no Caratão.
Foi isto, há muitos anos...
-tempo onde não estive!
Tantos anos, que perdi o conto
a todos os avós que tive.
Mas aponto os teus lugares
que falarão a vida inteira
dos teus antigos lagares
e dos moinhos da ribeira
que já não têm caminho.
Aponto, também,
as encostas da Varejeira
e a água do Regatinho
que por ser tão pura
podemos levar à feira!
Aponto, ainda,
a granja da Cortavinha
e a tua Escola velhinha
que foi uma imensa luz
e é uma saudade minha!
E não esqueço, não
as Voltinhas e o Cabeço
e as terras do Sendão.
E aquele sussurro
da água que se escoa
na Foz do Muro.
E aponto a saudade antiga
do passar dos bóis
quando caía a tardinha...
ou, então, ao pino do calor
sob o som da cantiga
do humilde lavrador!
E, não esqueço, não
o Poço do Moinho
onde íamos a banhos
deixando nos montes
os cândidos rebanhos.
E, por fim, aponto
a tua linda Capela
onde Deus se faz presente
na luz de cada vela
e em toda a tua gente!
Meu bom irmão: que outra coisa não lesse de ti, esta me diz tudo o que teu "prosar e versejar" tem de encanto e manifestação de um coração vibrante de vida e de ternura.
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