Posso não concordar com nenhuma palavra
que dizes
mas defenderei até à morte o teu direito
de as dizeres.
Voltaire
Há, sempre, nos
momentos das crises agudas como a que vivemos, quem deseje por uma questão de
afirmação individual ou colectiva cavalgar a onda agitada da sociedade de que são parte integrante, parecendo contrair a primeira parte do conselho de Oscar Wilde que acima se reproduz, dando razão à segunda parte, ou seja, existem, apenas, mas não vivem... porque viver é uma arte difícil que exige compromisso, lealdade, lisura e, sobretudo, não entrar em domínios que são do outro, cavalgando-os como se o mar da vida - sempre - lhes oferecesse a onda propícia para o "surf" que não de descartam em fazer.
No
momento que passa - e eu não me esqueço que estamos a caminho de mais um Natal e a linguagem dos homens se devia parecer com a de Jesus, mas eu estou longe de ser parecido com Ele, embora me emocionem os seus ensinamentos sobre os homens que têm de ser tratados, espiritualmente, como nossos irmãos - não posso deixar de dizer que existem às claras esses valorosos
“surfistas” e se estivermos atentos às suas tomadas de posição, não raro exibidas
de um modo que só aparentemente é que parecem conciliatórias, porque o dente afiado da intempérie que desejam
assumir ao cavalgarem a onda do descontentamento social que existe, é a
demonstração das suas faltas de pudor, quando em vez de fazerem um exame de
consciência de se terem calado no momento em que a onda crescia, os deveria ter
impulsionado para a defesa do que agora proclamam.
A
omissão não é, apenas, uma falta que se funda no âmbito religioso de que fala S
Tiago quando diz que aquele que sabe
fazer o bem e não o faz comete pecado (4, 17) e de que S. Paulo se
confrange, ao exclamar: porque não faço o
bem que quero, mas o mal que não quero (Rm 7,19), atitudes que na esfera individual
ou colectiva deviam levar a pensar os que com as suas atitudes podem incendiar
a sociedade, sem pensar que a sua omissão cai numa falta contra a
responsabilidade civil subjacente à deontologia do código de honra que cada um
transporta consigo.
Há,
pois, apesar de todos os contratempos de criar condições para a paz social, sem
que isto não nos iniba de apontar os erros no sentido de encontrar novos
caminhos, mas nunca de criar condições mentais que podem levar ao fomento de
destemperanças.
Na
“História de Roma” Tito Lívio (59 a .C. – 17) alerta-nos para
algo que, tendo embora muitos séculos devia continuar a servir de paradigma
para os homens de hoje enquanto sujeitos individuais e das Nações: uma paz certa é melhor e mais segura do que uma vitória esperada,
porquanto a vindicta – tendo na mira uma eventual vitória - é sempre uma
declaração de guerra.
É
evidente que ninguém quer uma paz podre que conduza a sociedade a ter sorrisos politicamente correctos, mas não se
podemos ficar mudos e calados sem um
reparo à decomposição da moral e à putrefacção dos valores que parecem estar
imanentes nesta outra espécie de “surfistas” que tendo na frente o mar
encapelado de alguma desordem social se comprazem em soprar ventos para tornar
mais alterosa a onda, quando se impõe com a serenidade e compostura tornar
menos furiosos os ventos que se querem desordenar.
Não
é hoje o tempo para novas revoluções, ao contrário de uns certos ventos que
andam por aí à solta por causa do descontentamento que existe também por culpa
deles e que agora arvorados numa espécie de novos “surfistas”, aparecem quais
deidades salvadoras de um Portugal que deixou de fazer ondas por se ter afundado nos baixios da corrupção e dos
costumes.
Uma
coisa se impõe: não podemos baixar os braços nem criar desalentos e, muito
menos atear fogos em certas brasas que ainda fumegam.
Não
podemos cair no desânimo de Alexandre Herculano, então retirado da vida pública,
quando ao escrever ao Secretário Geral da Academia Real das Ciências, Latino
Coelho, a propósito de um voto que lhe fora pedido sobre a publicação de um
livro sobre os Monumentos Nacionais, se
expressa assim: Se hoje não existem para
mim as ilusórias esperanças que me impeliam então a amparar (...) o que do
antigo edifício social nas suas diversas manifestações matérias e morais era
necessário salvar (...) ao desaprovar o estado das coisas que o levara para
o silêncio do Vale de Lobos, aprova o livro de Mendes Leal, concluindo: tenho para aprovar com todas as veras da
alma a generosa empresa do nosso consócio. (1)
Também
nós temos de aprovar tudo o que seja para reerguer o edifício social de que ele falou, porque não vale agora chorar lágrimas de crocodilo sobre o leite que
foi derramado pela incúria e complacência de nós todos.
Porque
todos somos culpados.
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(1) - in, Cartas. Tomo I, pág. 264-265, 4ª
edição-Livraria Bertrand
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