As Duas Cruzes do
Império – Memórias da Inquisição
SERMÃO DO PADRE
ANTÓNIO VIEIRA
NA CIDADE DE ANGRA
Qui habet aures audiendi, audiat.
Quem tem ouvidos para ouvir, que
ouça.
Este aviso é de Cristo Senhor
nosso. Mas por que o terá feito o Divino Mestre, que nunca disse uma palavra em
vão? Não será que os ouvidos não servem senão para ouvir, e é inútil apelar ao
que servem se a outra cousa não servem? Cristo sabia a quem falava, e conhecia
os ouvidos de cada um dos Seus ouvintes. E, assim como há olhos que, olhando,
não vêem, há ouvidos que, ouvindo, não escutam. (Quia videntes non vident, et
audientes non audiente neque intellegunt.) Mas como pode acontecer que, tendo
os ouvidos no ouvir a sua função, e havendo quem lhes fale, não ouçam? Ou
porque os homens, ouvindo, não queiram ouvir (audientes non audiunt) ou porque
não entendem (neque intellegunt). E são estas as piores formas de não ouvir,
sendo a segunda sem malícia, por ignorância, e a primeira semelhante à maldade
do Demónio, por não atender à verdade.
Se aqui vindes para ouvir sem
escutar, melhor fora que não viésseis nem vos falasse eu. Porque nem só de pão
vive o homem, mas de toda a palavra que vem da boca de Deus. (Non in solo pane
vivit homo, sed omni verbo quod procedit de ore Dei.) E a boca de Deus (oh!
cristãos, indigníssimo sou eu de falar por ela), não vos é dada outra, agora,
senão a minha. Mas, se não há quem fale, não há quem ouça; se não há quem ouça,
não há quem escute; se não há quem escute, não há quem aprenda; e, se não há
quem aprenda, não haverá quem saiba.
Vários são os passos da Sagrada
Escritura em que se lê que a boca tem poder de vida e poder de morte. Ah, que
maravilhoso e terrível poder! Pela boca se alimenta o corpo, mas, desatenta do
que come, o matará se engolir peçonha. Assim são as palavras, que podem servir
à salvação de muitas almas ou trabalhar na perdição de tantas outras. Com a
falsidade das suas bocas perversas, quiseram os velhos luxuriosos perder a fiel
Susana; mas com a mentira delas se condenaram ambos, porque um disse que a vira
debaixo de um lentisco e, o outro, de um carvalho. De maneira que se salvou o
lírio de ser arrancado ao jardim da sua vida, e foram arrancados ao paul, de
que era a deles, os dois perversos.
Temos, pois, que servindo a boca
a variadas funções, as principais são servir o corpo, alimentando-o, e servir o
pensamento, falando. E tomará o gosto do que come, para que o comer mais
apeteça, e o gosto do que diz, para que possa convencer quem ouve. Porque, se o
que fazemos sem gosto de o fazer não pode ser exemplo de que outros por gosto o
façam, falar sem gosto, ou sem acreditar no que se diz, não convence.
E quantos
de nós não estaríamos mortos já, ou decerto todos, se a boca não nos valesse
quando o nariz, que tem de sua natureza própria respirar, não o consegue! Mas
nem só a isto ele serve, porque os cheiros bons ou maus no-los dá a perceber, e
até o paladar se perde quando ao cheiro ele não serve. Deus, na Sua infinita
sabedoria e pela Sua omnipotência, permitiu a cada um destes órgãos distintas
funções, para não nos fazer disformes de cara ou monstros de várias cabeças. E
até os olhos, que parecem servir só para ver e não mais que isso, são
necessários ao sono, fechados quando dormimos, e inúteis, como se estivessem
fechados, quando caminhamos na escuridão. Só os ouvidos não servem para mais
que uma função, e nunca se fecham nem recusam a vigiar por nós, quando os
outros sentidos temos desapercebidos no esquecimento do sono ou na escuridão da
noite. De que serve à sentinela ter olhos, quando não vê? Um cego pode estar de
vigia em noite negra, e nisso ele até melhor que nós, porque o habituou a
necessidade a ver sem olhos. E, se os olhos precisam de claridade e de estar
voltados para o que vêem para poderem ver, aos ouvidos não faz falta a luz, e
mais ouvem sem ela que com ela, tudo ouvindo sem importar de onde vêm os sons
que ouvem.
Pode a boca recusar-se a comer ou
a falar, e cabe-lhe escolher, pelo saber e o sabor, o que mais convém à saúde
do corpo; e, pela boa razão, dizer só o que mais convém que seja dito. E, se os
cheiros nos previnem onde há a podridão ou nos atraem ao perfume, é fácil fugir
de uma ou demorar na deleitação do outro, como é fácil também que os olhos se
desviem do que não queremos ver. Só aos ouvidos, feitos para sempre ouvir, não
há como fugir-lhes a que cumpram tal função. De maneira que, como diz o livro
do Eclesiástico, devemos cercar os ouvidos com espinhos. (Sepi aures tuas
spinis.) Com espinhos, meus irmãos! Olhai que antes será melhor sofrê-los que
atender ao que nos pode perder a alma. Esta a grande lição que daqui havemos de
tomar: que se é difícil fugir a que se ouça, grave é a responsabilidade, entre
tantos sons e arrazoados, tantas confusas ideias e palavras sábias, tanto soar
de ocos címbalos ou mui iluminados pensamentos, de escolher o que mais importa
à salvação das nossas almas. Foi isso ao que viestes, e é isso que sempre
haveis de buscar mais que tudo em vossas vidas.
Contudo aos ouvidos que não ouvem
é inútil falar, ainda que o mesmo Deus o faça. Não se deitam pérolas a porcos,
que preferem a lama que os refresca a um tesouro de que não podem tirar
proveito. E não importa serem sábios os ouvintes porque, muitas vezes, os
ignorantes são mais sábios a ouvir. E nesse mesmo livro de sagrada sabedoria se
diz que é melhor um homem com pouca sabedoria e fraco senso que teme o
Altíssimo, que outro de abundante senso que não cumpre a Sua lei. (Melior est
homo qui minuitur sapientia et deficiens sensu in timore, quam qui abundans
sensu, et transgreditur legem Altissimi.) Vede como deu Cristo graças ao Pai
por revelar as verdades da salvação aos ignorantes, escondendo-as a sábios e
poderosos. E, se aqui nos parece Deus injusto, é porque não O entendemos e, se
O não entendemos, é porque O não sabemos escutar. Pois estes são os falsos
sábios, que cuidam que o seu saber lhes basta e a nenhum outro dão ouvidos ; e
os poderosos são aqueles que cuidam que o poder lhes dá razão, e a outras
razões não atendem senão às suas. Sábio era Nicodemos, mas quis ouvir as razões
de Cristo, e convenceu- o a verdade; poderoso era o centurião, mas humilhou-se
perante o poder de Cristo, e Este lhe curou o servo e exaltou tão admirável fé.
E, das almas mortas pelo pecado, só às que se fazem pequenas pode Cristo erguer
da morte e ressuscitá-las para a vida eterna, como ordenando a cada uma delas:
Talitha kum. (Menina, levanta-te!) Qual dos dois saiu justificado do templo? O
fariseu que se proclamava cumpridor da Lei, ou o publicano que se confessava
pecador? De nada valeu a um ter proclamado o que não era, e muito foi para o outro
ter confessado o que julgava ser.
Mas que é a verdade? Quid est
veritas? A esta pergunta de Pilatos calou Cristo, como se não soubesse
responder. Se Deus tudo sabe, por forte razão terá calado. E a razão não foi
outra senão conhecer os ouvidos que O ouviam, sabendo que nenhuns deles estavam
dispostos a aceitar como verdade o que Ele dissesse que era a verdade. Omni qui
est ex veritate, audit vocem meam. Quem é da verdade ouve a Minha voz, foi a
resposta de Cristo a Pilatos, que não era homem da verdade nem nenhuns outros
que com ele estavam. E assim perderam muitos, que Lhe ouviam as palavras mas
ouvindo só o que queriam e como queriam, uma oportuna ocasião de se converterem
à Verdade que lhes era ali proposta.
Sendo que Deus cala por inútil
falar ao auditório (ou porque não mereça, ou não entenda, ou não queira
escutar), é semelhante a nós no ouvir, porque os Seus ouvidos, infinitamente
mais que os nossos, não se fecham nunca. De maneira que não pode escusar-Se
Deus a saber que palavras saem da nossa boca, porque, assim como não cai uma
pena a uma ave nem um cabelo às nossas cabeças sem que Ele o perceba, assim a
nenhuma palavra pode fugir Deus de a entender. E, o estar em toda a parte, e
conhecer todas as cousas e acções e pensamentos e intenções de cada homem,
torna Deus testemunha de todos os instantes da nossa vida. Et in omnibus his
insensatuns est cor, et omne cor intelligitur ab illo. Pois, cristãos, ainda
que seja o coração humano insensato, Deus vê tudo nos nossos corações. Oh! se
pensáramos nisto, se tivéssemos a mesma vergonha ou temor de ser vistos por
Deus ou por Ele ouvidos como temos de ser por outros homens, quão santa seria a
nossa vida, quantos males se evitariam neste mundo, e quantas almas, que se
perdem, haveriam de ser salvas! Deus, porém, não nos quer justos pelo temor mas
pelas boas intenções, porque se nenhuma acção é má se não é feita com maldade,
nenhuma será boa se só por medo evitamos ser maldosos.
Por que não fala Deus no nosso
tempo como falou a patriarcas e profetas e muitos santos do povo eleito, no
Velho Testamento? Por que só vos envia homens como eu, que sou pecador como
vós, que não sou mais que vós e que mais não sei de Deus? Como podereis
acreditar que as minhas palavras são as que Cristo haveria de dizer e não
outras? Não será porém, cristãos, que o falar de Deus aos homens é o mesmo
ainda, como foi no tempo de Abraão, de Moisés, de Elias e de todos os santos
varões e santas mulheres que viveram antes da vinda de Cristo? Não será que,
sendo Deus o mesmo, o modo de Ele falar aos homens não poderá ter-se mudado
nunca? Não será que, se houve mudança (e que desgraçada mudança!), essa foi
nossa, que deixámos fechar-se o coração e não somos capazes de escutar Deus?
Talvez cuideis que seríeis santos se vísseis o mesmo Cristo, quando, em vez de
um Cristo somente, tendes em cada homem, nosso irmão, a presença de outro
Cristo. Tratai com todos eles acreditando que o são ( e é isso que são e não
menos ) e vivereis como viveríeis acompanhando a Jesus na Galileia ou na
Judeia. E sereis santos. Mas vós, que vos conheceis a vós mesmos melhor que
aqueles que não vêem mais que as vossas acções e não ouvem mais que as vossas
palavras, sabeis que os vossos pecados vos impedem de ser uma sombra da
imitação de Cristo, quanto mais um Cristo verdadeiro! Porém Deus não manda que
cada um de nós se julgue Cristo, senão que trate com cada um dos outros como se
na verdade o fosse. Deus criou o Céu e a Terra para todos os homens. E se há
Inferno para os que não merecem o Céu depois da vida na Terra, também aqui pode
haver já Céu e já Inferno.
E sabeis quem mais faz com que o Inferno seja
Inferno e mais almas leva a ele? Não é outro senão o Demónio. Se viveis com
todos os homens como se cada um deles fosse Cristo, antecipais o Céu na Terra;
mas se, para os vossos irmãos, tornais a Terra um Inferno, fazeis o trabalho do
Demónio. Sofremos muitas tentações, e em muitas delas caímos. Olhai que
paciente é Deus para connosco, que uma só vez pecou Lúcifer no orgulho de não
querer obedecer-Lhe, e foi condenado eternamente. E o Senhor permite-nos pecar
muito, sem perdermos a esperança da salvação. Vigilate et orate,ut non intretis
in tentationem. Vigiai e orai, para não entrardes em tentação. Fecharam-se os
olhos aos apóstolos pelo sono, não se fechem os vossos ouvidos às palavras de
Cristo. Vigiemos, cristãos, que ninguém pode pôr outro de vigia à sua alma
enquanto esta dorme, que é o mesmo que dizer enquanto não cuida do bem dela.
Podem dormir todos os marinheiros e o capitão do navio, só não há descanso para
quem vigia o mar ou vai ao leme. E se a vida é como o mar, e a nossa alma o
navio que navega nele, e queremos que chegue a porto seguro, que é o Céu, temos
de ser o capitão e o piloto e o vigia e o timoneiro e o grumete. Porque, se não
formos cada um tudo isso para a nossa alma, qualquer rochedo, ou baixio, ou
vaga de través poderá perder-nos para sempre.
A que trabalhos se dão os homens
pela fortuna do corpo! Se uma pequena parte desse cuidado, se uns momentos só
desse penar, se a intenção ao menos do que põem no sofrer pelas riquezas do
Mundo fosse posta na salvação da alma, não lhes fariam falta nem pregadores,
nem outras penitências, nem nenhum arrependimento. Olhai no meio de que dor
saem os navegantes que em longes terras, entre desconhecidas e temidas gentes,
acumulam tesouros neste mundo. Ouvi como nos previne Cristo: Nolite tesaurisare
vobis tesauros in terra. Mas que ouvireis e vereis aqui? Quantos choros,
quantas lágrimas, quantos gritos, quantos desesperos, quantas incertezas de ver
regressar quem parte! Quanto disso tudo e mais o medo de não voltar a ver quem
fica, que os perigos do mar (que duas vezes experimentei mais duramente) são
tão feios e medonhos e tormentosos que outros não haverá de causas naturais que
os superem. E tal desconcerto por riquezas que ninguém está seguro de alcançar,
nem estarão elas seguras nunca depois de alcançadas. Podem durar uns poucos
dias, podem durar muitos anos, mas, por mais que durem, sempre será pouco o
tempo que durarem.
Estote ergo vos perfectis, sicut
et pater vester caelestis perfectis est.
Cuidava eu que me bastava a
oração e a penitência, a pobreza de nada ter de meu e a obediência que devo a
quem devo, que não me pedia Cristo mais que servir os homens e pregar-lhes a
verdade, que tinha por certa a virtude só com evitar o pecado. E que ouço da
boca do Divino Mestre? Que só serei perfeito quando for igual ao Pai celeste!
Que impossível para um homem que, só por ser homem, é imperfeito já! Não
sabemos que ninguém é perfeito senão Deus? E como me pede Cristo a mim que o
seja? Mas não o pede, só previne; não o exige, só o aconselha; não me põe por
condição ser igual a Ele, só avisa que, como eu nunca serei perfeito como o
Pai, não poderei descansar nas virtudes da minha alma, por maiores e mais
provadas e mais constantes que sejam. Isto me quereis dizer, Senhor, e isto
terei eu de fazer, sabendo que à perfeição não se chega nunca. Isto tornou
santos os santos, isto fez de homens como eu a Vossa imitação na Terra. Nenhum
deles foi perfeito, e ninguém jamais será.
Diz Santo Agostinho que o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Deus. Com que admirável verdade nos inquieta o bispo de Hipona! Bem sabia ele, por tanto ter experimentado o pecado e a virtude, a diferença que há entre um e outra, e que nem naquele nem por esta pode ser feliz o homem. A inquietação do pecador nasce do medo da perdição eterna, a inquietação do santo nasce da vontade de ver a Deus; a inquietação do pecador é fruto das suas culpas, a inquietação do santo é fruto das suas virtudes; a inquietação do pecador resulta de não querer desapegar-se dos bens terrenos, a inquietação do santo resulta da ânsia de se libertar dos males deste mundo. Oh! quão longe desta virtude ando eu, que estando em perigo de morte no alto mar, e cuidando-me perto de me encontrar com o Pai que está no Céu, tomou-me um tal temor que parecia esperar-me a mais terrível das condenações e não um tão doce encontro.
Diz Santo Agostinho que o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Deus. Com que admirável verdade nos inquieta o bispo de Hipona! Bem sabia ele, por tanto ter experimentado o pecado e a virtude, a diferença que há entre um e outra, e que nem naquele nem por esta pode ser feliz o homem. A inquietação do pecador nasce do medo da perdição eterna, a inquietação do santo nasce da vontade de ver a Deus; a inquietação do pecador é fruto das suas culpas, a inquietação do santo é fruto das suas virtudes; a inquietação do pecador resulta de não querer desapegar-se dos bens terrenos, a inquietação do santo resulta da ânsia de se libertar dos males deste mundo. Oh! quão longe desta virtude ando eu, que estando em perigo de morte no alto mar, e cuidando-me perto de me encontrar com o Pai que está no Céu, tomou-me um tal temor que parecia esperar-me a mais terrível das condenações e não um tão doce encontro.
Vim mandado até vós, meus irmãos, um
pouco como Jonas a Nínive. Nunca recusei pregar a palavra do Senhor, e assim se
poderia dizer que sou melhor que Jonas. Mas, quando o mar embraveceu, o profeta
rebelde quis ser lançado a ele para salvar os que estavam no barco; e eu, pobre
pecador, dei à minha vida um valor tamanho qual se outras não houvesse ali
senão a minha e não tivessem todas de salvar-se para me eu salvar também. Nem
eu sou Jonas, nem vós sois ninivitas. E bem podeis dizer-me que, quem tão pouco
está seguro de merecer a divina protecção, não merece ser acreditado no que
prega. Que se abram, pois, vossos ouvidos, para que o entendimento da verdade
seja coisa mais deles que da boca que a diz, pois esta indigna é, e temerosa, e
como que muda, se comparada à perfeição a que Deus nos aconselha.
Nós já conhecemos Cristo e O
confessamos por Senhor; nada de novo nos podes dizer, ó padre! Tereis razão,
talvez. Mas como O conheceis e como O confessais? Pelo que sabeis dele ou pelas
obras que praticais? Ou não é verdade que podeis estar dispostos até a dar a
vida por Cristo, e não cumprir a Sua vontade? Ninguém conheceu Cristo melhor
que os Seus apóstolos. E quais deles O defenderam no julgamento de Caifás, de
Herodes e de Pilatos? Onde estavam Bartolomeu e André e Filipe e outros seis
dos que Ele mais amava ? Escondidos com medo dos Judeus. E quem O acompanhou?
João, porque era amigo do Sumo Sacerdote, e Pedro, levado por João, mas que O
negou três vezes. E nem do mesmo João se ouviu uma palavra a testemunhar em seu
favor! Como estaria angustiada a Sua alma, sem amigos, sem justiça, sem piedade
à sua volta! Mas houve alguém que o defendeu, e sabeis quem? Aquele que o traiu
e aquele que O condenou à morte!
Enlouqueceste, padre! Se nenhum
de vós o diz, ao menos alguns certamente o terão pensado. Mas eu vos provarei
que a pressa do vosso juízo vos engana. Pois enquanto nove apóstolos se
escondiam longe do seu Mestre, um O seguia porque era conhecido do Sumo
Sacerdote, mas em silêncio, e o outro que também O seguia negava-O três vezes.
Dos doze, somente Judas, vendo que condenavam Jesus à morte, procurou os que
queriam condená-lo, e se enfureceu contra eles. Não vendera o Mestre para ser
morto, e, tendo-lhes lançado o dinheiro da traição, foi enforcar-se. Morreu por
amor a Cristo, e de que lhe terá valido isso? Faltou-lhe nada mais que a
esperança na misericórdia de Deus para ouvir de Jesus o que haveria de ouvir,
pouco depois, o ladrão bom. E o segundo defensor de Cristo não foi outro senão
Pilatos. Não quis ele convencer os sacerdotes de que não encontrava em Cristo
culpa alguma? Ergo nullam invenio in eo causam. Não quis trocar por Ele um
criminoso, dando à escolha o pior que estava preso, a ver se lhes comovia os
corações ou lhes quebrava o ânimo sabendo eles quem seria solto? Quantas vezes
nos é posto de um lado Cristo e do outro Barrabás! Quantas vezes nos é dado a
escolher entre trinta dinheiros e a nossa alma! E nós, loucos, a ir ao pecado
em vez da virtude; e nós, néscios, aos bens que passam em vez da segurança
eterna!
Mas quando trocámos Cristo por
Barrabás? Quando vendemos Cristo por trinta dinheiros? Muitos de vós, ou talvez
todos, o estarão pensando e negando ao mesmo tempo. E eu vos respondo que
talvez não todos, mas certamente alguns ou muitos de vós o fizestes já, e pior
que isso. Pilatos permitiu que matassem Cristo, o que não quisera que fosse
feito, e Judas entregou-O por tão vil preço, mas sem cuidar que O matavam.
Nenhum deles, porém, calou as palavras do Mestre, que haviam sido ditas para
permanecerem eternamente. Nenhum dos dois anulou uma só das acções com as quais
Jesus provou que era Filho de Deus. Nenhum pôde calar a verdade, nem destruir a
vida, nem mudar o caminho que, ouvida de Cristo, e sendo Cristo, e indo por
Cristo, conduzem à eternidade. Ego sum via, veritas et vita. E que fazeis vós,
quando fechais o coração à verdade, quando recusais a vida, quando fugis de
andar pelo caminho da salvação? Fazeis mais que vender Cristo e mais até que
matá-Lo. O que fazeis, cristãos, ( e aqui vacilo em vos chamar cristãos) é
tornar tão inútil a vida de Cristo como se Ele não tivesse vivido nunca. E é
infinitamente pior não existir que viver não muito mais que trinta anos e
morrer de morte tão injusta e terrível. Pois que, se os algozes que O mataram
não puderam evitar a Sua ressurreição, vós o fazeis por não permitir que Cristo
viva em vós.
Os atenienses, a quem S. Paulo
chamou os mais religiosos dos homens (e isto ainda que adorassem muitos falsos
deuses a quem devotamente prestavam culto), tinham num altar vazio uma
inscrição somente: Agnosto Teo, o que na língua dos Gregos é o mesmo que dizer
na nossa: Deus desconhecido. Davam, assim, por imperfeita ou incompleta a sua
fé, e Deus lhes enviou Paulo paro os instruir em Cristo. Eles não sabiam nem o
nome, nem o poder, nem a bondade do único Deus verdadeiro, do único Senhor e
Criador do Universo, mas bem se dirá se se disser que, no fundo dos seus
corações, O adoravam já. E quantos cristãos há que do seu Deus sabem pouco mais
que o nome, não lhes importando conhecê-Lo e amá-Lo e adorá-Lo e obedecer-Lhe
como convém à salvação das almas e à harmonia do Mundo! Que não seja este o
vosso caso, nem que, sabendo que há um só Deus e Cristo é o Seu Verbo feito
homem, nada mais vos sirva de sinal como cristãos. Sereis, se assim fordes,
muito menos merecedores da salvação que os atenienses. Santo Agostinho nos diz
que podemos amar a Deus e fazer o que quisermos.
De sorte que parece que temos aqui um santo, e um sábio, a dizer-nos o que basta para agradar a Deus, e servir o Diabo quando for caso que nos convenha. Pois se é possível amar Deus e fazer tudo o que se quer, não mais havemos de vigiar os maus instintos e os ruins impulsos. Mas quem há que, amando veramente alguém, lhe seja adverso? Debalde o procurais se o tentardes. Quem ama não ofende, e quem não ofende não peca. Assim que amar a Deus nos afasta do pecado, pois ninguém que O ame O ofende, na Sua Divina Pessoa ou na humana dos homens nossos irmãos. E aquilo que disse Francisca de Rimini (que o seu amor a tinha posto no Inferno) é impossível repetir se o amor é entre nós e Deus, pois pelo amor a Deus ninguém se perde. Não podem perder-se os que O amam, nem podem perder-se outros por causa desse amor.
De sorte que parece que temos aqui um santo, e um sábio, a dizer-nos o que basta para agradar a Deus, e servir o Diabo quando for caso que nos convenha. Pois se é possível amar Deus e fazer tudo o que se quer, não mais havemos de vigiar os maus instintos e os ruins impulsos. Mas quem há que, amando veramente alguém, lhe seja adverso? Debalde o procurais se o tentardes. Quem ama não ofende, e quem não ofende não peca. Assim que amar a Deus nos afasta do pecado, pois ninguém que O ame O ofende, na Sua Divina Pessoa ou na humana dos homens nossos irmãos. E aquilo que disse Francisca de Rimini (que o seu amor a tinha posto no Inferno) é impossível repetir se o amor é entre nós e Deus, pois pelo amor a Deus ninguém se perde. Não podem perder-se os que O amam, nem podem perder-se outros por causa desse amor.
Seja que confessais a Cristo por
Senhor. E, no mais, que terá a vossa vida de cristã? Se vos é pedido amor, e só
vos defendeis com a fé; se vos são pedidas obras, e só respondeis com palavras;
se vos é pedida a perfeição, e só vos desculpais com serdes homens. Deus
julgará os gentios como gentios, e os cristãos como cristãos. E a todos julgará
como justos ou pecadores. Não vos adianteis a ocupar os primeiros lugares,
porque o Senhor do banquete pode fechar-vos a porta que não soubestes merecer
que se vos abrisse. Porventura não devemos confiar na misericórdia de Deus?
Perguntais bem, mas eu vos desengano. E, ainda que vindo a vós um pouco como
Jonas a Nínive, não vos anuncio um castigo do Senhor.
Sois vós mesmos que vos castigais, se caminhais para a perdição eterna. E tão alegremente o fazeis, tão nesciamente e consentis, que nem vos dais conta do perigo em que estais. Mais vos valera então gozar a vida como vos aprouvesse, porque, perdidos que estais (e falo àqueles que o estão por não quererem emendar-se) de nada vos servem os poucos gozos a que vos não dais e as penitências que fazeis, para simular que sois cristãos. Fora eu como vós (que sou pecador, mas Deus sabe quanto não quisera ser!) e não me preocuparia com rezas e devoções, com jejuns e abstinências nos dias de preceito. Nem viria ouvir um pregador a que não daria ouvidos. Só temos esta vida, que é fugaz, para ganhar a outra, que é eterna. Se duas vidas temos ( a primeira, que tão depressa se acaba, e a outra, que é sem fim), ao menos uma haveria eu de gozar como melhor quisesse.
Sois vós mesmos que vos castigais, se caminhais para a perdição eterna. E tão alegremente o fazeis, tão nesciamente e consentis, que nem vos dais conta do perigo em que estais. Mais vos valera então gozar a vida como vos aprouvesse, porque, perdidos que estais (e falo àqueles que o estão por não quererem emendar-se) de nada vos servem os poucos gozos a que vos não dais e as penitências que fazeis, para simular que sois cristãos. Fora eu como vós (que sou pecador, mas Deus sabe quanto não quisera ser!) e não me preocuparia com rezas e devoções, com jejuns e abstinências nos dias de preceito. Nem viria ouvir um pregador a que não daria ouvidos. Só temos esta vida, que é fugaz, para ganhar a outra, que é eterna. Se duas vidas temos ( a primeira, que tão depressa se acaba, e a outra, que é sem fim), ao menos uma haveria eu de gozar como melhor quisesse.
Eu vos desengano,
pois. Não confieis demasiado na misericórdia de Deus. Cuidais que sou herege,
porque o digo? Cuidais que enlouqueci, porque o afirmo? Cuidais que sou
ignorante das Escrituras porque estou seguro de que vos enganais com essa
confiança? Ouvi o que está escrito no livro do Eclesiástico, e julgai-me
depois. Et ne dicas: Miseratio Domini magna est, multitudinis peccatorum meorum
miserebitur. Não digas: A misericórdia do Senhor é grande, Ele terá compaixão
da multidão dos meus pecados. Espanta-vos e assusta-vos que assim seja? Se não
o sabíeis, deveríeis ao menos tê-lo imaginado. Estais prevenidos pela Sagrada
Escritura: Initium sapientiae, timor Domine.
E se o temor de Deus é o princípio da mais alta sabedoria, da única e verdadeira e notável entre todas, ouvi ainda outro conselho do filho de Sirac, também ele com o nome santo de Jesus: Ante obitum tuum operare justitiam, quoniam non est apud inferos invenire cibum. É isto, meus irmãos, ou é esta a hora em que deveis praticar a justiça. Não a deixeis para depois da vossa morte, porque à sepultura não chega alimento a vossas almas. Ainda não confiais no que vos digo? Ainda vos não fiais de mim? Ainda cuidais que vos espanto e assusto com o Inferno para vos fazer temerosos, como muitos pregadores gostam de fazer que o auditório seja, e é bom que o façam? Eu, porém, não vos quero temerosos, senão confiantes; não desesperados da eternidade, senão cheios de esperança nela; não desiludidos da vida, senão aborrecidos do pecado.
E se o temor de Deus é o princípio da mais alta sabedoria, da única e verdadeira e notável entre todas, ouvi ainda outro conselho do filho de Sirac, também ele com o nome santo de Jesus: Ante obitum tuum operare justitiam, quoniam non est apud inferos invenire cibum. É isto, meus irmãos, ou é esta a hora em que deveis praticar a justiça. Não a deixeis para depois da vossa morte, porque à sepultura não chega alimento a vossas almas. Ainda não confiais no que vos digo? Ainda vos não fiais de mim? Ainda cuidais que vos espanto e assusto com o Inferno para vos fazer temerosos, como muitos pregadores gostam de fazer que o auditório seja, e é bom que o façam? Eu, porém, não vos quero temerosos, senão confiantes; não desesperados da eternidade, senão cheios de esperança nela; não desiludidos da vida, senão aborrecidos do pecado.
Que justiça haveis de praticar
antes da morte? Não sabeis que justiça é essa e o que é ela? Eu vos ensino em
um momento. Vedes aquele homem ou mulher que vive junto a vós? Vedes todos os
homens, e mulheres, e crianças, e velhos, e enfermos que conheceis? Cuidai que
cada um deles sois vós mesmos e tratai com eles como haveríeis de querer que
eles, sendo vós e vós sendo eles, tratassem convosco. Omnia ergo quaecumque
vultus ut faciant vobis homines, et vos facite illis. Esta é a justiça. Esta é
a única via para que Deus possa ser misericordioso convosco e perdoar a
multidão dos vossos pecados. E que morte é essa antes da qual havereis de
praticar a justiça? Antes da morte do corpo, certamente. Mas eu vos admoesto
mui seriamente que estejais alerta: fazei-o antes de outra morte mil vezes mil
pior que ela. Muitos deixam para os dias em que estão desenganados da vida, e
sabem já que vão morrer, todas as boas obras que deveriam ter feito em outro
tempo.
E dispõem em testamento tantos mil réis aos pobres, tantos cruzados a
uma igreja, tantos moios de terra a um convento, tanto de esmolas para muitas
missas por sua alma. Eu vos digo, porém: é tarde já. Se assim fazeis, ou se
assim pensais fazer, tereis gozado a vida com tudo o que pudestes, e depois,
quando nada vos fizer falta, o dareis para perdão do que pecastes. Sede vós os
juizes, e julgai se isto é justiça ou se o camelo pode passar pelo buraco da
agulha. Que disse o anjo S. Rafael a Tobias? Bona est oratio cum jejunio. Que é
boa a oração com o jejum; e melhor é a esmola que os tesouros que se acumulam.
Et eleemosina magis quam tesaurari auri recondere. Sendo Rafael um dos sete
anjos que apresentam a Deus as orações dos crentes, sabia do que falava. E mais
disse ainda acerca desse assunto: quoniam eleemosina a morte liberat, et ipsa,
quae purgat peccata, et facit inam. Que a esmola limpa todos os pecados e livra
da morte aquele que a pratica. Estas coisas se hão-de fazer em vida, e quando
se a crê ainda longa e a morte longe, e não quando a velhice já anuncia o fim
que, sendo sempre incerto quanto ao tempo em que há-de vir, é certo que na
velhice em breve chegará.
E jovem era Tobias a quem o anjo louvou o espírito de
oração e caridade. Mas se ninguém pode livrar-se da morte, de que morte falava
Rafael? Não de outra senão a da alma. Temos pois, cristãos, que a morte antes
da qual haveis de praticar a justiça é a morte da alma. Mas acaso a alma morre?
Para muitos melhor fora que morresse de morte verdadeira, ou que fossem seus
corpos desalmados. Morre a alma quando os homens se acostumam tanto ao pecado
que não querem ou não podem deixar de pecar. Morre a alma quando os homens
pensam: gozarei a vida e deixarei para os últimos dos meus dias arrepender-me e
fazer penitência. Essa alma, nem o mesmo cristo, que ressuscitou Lázaro depois
de sepultado durante quatro dias, poderá torná-la à vida. Lázaro, por estar
morto, não podia opor-se à vontade de Deus, em caso de não querer ser ressuscitado,
mas uma alma morta, num corpo vivo, ainda pensa, ainda tem vontade, e a sua
vontade é não cumprir a vontade de Deus.
Fiat voluntas tua. Vós orais
assim? Melhor vos fora dizer como Acaz: Non petam et non tentabo Dominum. Não
pedirei, e não tentarei o Senhor. Pois se o fazeis, e não cumpris a vontade do
Senhor, pecais gravemente cada vez que rezais o Pater Noster. Pecar rezando? E
de que maneira! Não será escarnecer de Deus pedir-lhe que se faça o que Ele
quer, e fazer sempre o que se quer? E se isso que quereis fazer e o fazeis é
contrário à vontade do Senhor, não O tornais motivo de mofa em vossos lábios,
por O invocardes como testemunha falsa que finja não saber quando pecais? Não
haverá modo, pois, de alcançar a misericórdia de Deus? Os que têm a alma no
estado de morte que venho dizendo desenganem-se, porque o não há.
E se em algum de vós existe ódio no seu coração e se está disposto a sair daqui zeloso no seu ódio, o melhor que faz é que saia já. De nada lhe serve ouvir a palavra de Deus que, se é um remédio para os pecadores arrependidos e uma consolação para os justos, é como o mais terrível dos venenos para os que teimam em persistir no seu pecado. Se ainda vos rege a antiga lei de que por olho é olho e por dente é dente, sois gentios e não cristãos. Atendei a isto muito seriamente: ou estais dispostos a perdoar e ser perdoados, ou vos arriscais à perdição eterna. E tornar-vos-eis ainda (o que é muito menos mas não é pouco) motivo de escárnio para os que conhecem o vosso ódio e sabem que ele não muda, porque, se não estais dispostos a mudar, sois falsos e mentirosos publicamente, fingindo devoção quando pertenceis à pior espécie de gente que há na Terra. Que cuidais que possa prometer-vos como justiça para esse ódio que não muda? Nada menos que a perdição eterna, como disse que era o risco em que vos encontrais.
E se em algum de vós existe ódio no seu coração e se está disposto a sair daqui zeloso no seu ódio, o melhor que faz é que saia já. De nada lhe serve ouvir a palavra de Deus que, se é um remédio para os pecadores arrependidos e uma consolação para os justos, é como o mais terrível dos venenos para os que teimam em persistir no seu pecado. Se ainda vos rege a antiga lei de que por olho é olho e por dente é dente, sois gentios e não cristãos. Atendei a isto muito seriamente: ou estais dispostos a perdoar e ser perdoados, ou vos arriscais à perdição eterna. E tornar-vos-eis ainda (o que é muito menos mas não é pouco) motivo de escárnio para os que conhecem o vosso ódio e sabem que ele não muda, porque, se não estais dispostos a mudar, sois falsos e mentirosos publicamente, fingindo devoção quando pertenceis à pior espécie de gente que há na Terra. Que cuidais que possa prometer-vos como justiça para esse ódio que não muda? Nada menos que a perdição eterna, como disse que era o risco em que vos encontrais.
Assim chegamos a um ponto em que
estarei a parecer-me aos pregadores que gostam de tornar temeroso o auditório.
E não terei palavras de esperança? Tenho-as, cristãos, mas por bom preço as
vendo. Se quereis comprar bem, tereis que pagar bem; se quereis trocar por bom,
tereis de dar em troca o que tiverdes de melhor. Esta é a lei com que comprais
na Terra, não a cuideis mais branda para comprar no Céu, que é onde a maior e
mais segura compra poderá ser feita. Dai-me a vossa alma arrependida, dai-me a
vossa vida mudada toda, e eu vos dou em troca o Céu. Diz o Eclesiástico que
quem compra coisas por baixo preço acaba por pagá-las com sete vezes o seu
valor. Est qui multa redimat modico pretio, et restituens et in septuplum.
Eu
vos digo que neste negócio dais muito pouco, ainda que eu vos tenha pedido
muito. Pois vos pedi que mudeis de vida, o que pode ser penoso e mui difícil;
mas o que adquiris em troca não vale sete vezes o que haveis de dar, vale infinitamente
mais, porque estareis a dar um tempo, que é tão breve, em troca de outro tempo
(que não é tempo porque é eternidade) que durará para sempre. Qual de vós não
trocaria um fruto por árvore que muitos como ele produzisse em cada ano e por
toda a sua vida? Bom negócio seria esse, mas em nada comparável àquele que vos
proponho. Pois será vosso o Céu não pelo preço da vossa vida, mas pelo preço de
mudar de vida; não pelo preço do que possuís, mas pelo preço do que vos não faz
falta; não pelo preço do que sois, mas pelo preço do que não deveríeis ser. Com
tal negócio garantido, tendo-o em conta Midas é mendigo; Salomão é Lázaro; a
mais fina seda é parra; a mais bela púrpura é cinza. Mas por que não havemos de
confiar demasiado na misericórdia de Deus?
Porque, se imploramos a misericórdia do Senhor, pode bem ser que O queiramos tornar injusto. Implorai a misericórdia do Senhor e confiai nela, quando os vossos pecados forem coisa só havida entre vós e Ele. Olhai que tormentos passou Cristo: que pavor o seu até de suar sangue; que solidão entre as injustíssimas justiças deste mundo ( de Anás para Caifás, de Caifás para Pilatos, de Pilatos para Herodes, de Herodes para Pilatos outra vez); que opróbrio ser trocado por um criminoso, que martírio o dos flagelos; que atrocidade a da coroa de espinhos; que escárnio o do manto que Lhe puseram em cima e a cana nas mãos como se não fosse rei e muito mais que isso; que penoso caminhar com a cruz, que nem pôde chegar com ela ao Calvário sem ajuda; que padecimento o dos cravos nas mãos e nos pés; que agonia medonha até à morte!
Porque, se imploramos a misericórdia do Senhor, pode bem ser que O queiramos tornar injusto. Implorai a misericórdia do Senhor e confiai nela, quando os vossos pecados forem coisa só havida entre vós e Ele. Olhai que tormentos passou Cristo: que pavor o seu até de suar sangue; que solidão entre as injustíssimas justiças deste mundo ( de Anás para Caifás, de Caifás para Pilatos, de Pilatos para Herodes, de Herodes para Pilatos outra vez); que opróbrio ser trocado por um criminoso, que martírio o dos flagelos; que atrocidade a da coroa de espinhos; que escárnio o do manto que Lhe puseram em cima e a cana nas mãos como se não fosse rei e muito mais que isso; que penoso caminhar com a cruz, que nem pôde chegar com ela ao Calvário sem ajuda; que padecimento o dos cravos nas mãos e nos pés; que agonia medonha até à morte!
Tudo isso Lhe foi feito, e como acabou Cristo? Pedindo ao
Pai que perdoasse aos que tamanho mal Lhe haviam feito. Blasfemastes,
vacilastes na vossa fé, revoltou-se contra Deus o vosso coração? Invejastes o
alheio, encheu-vos a soberba pelo orgulho do que sois? Cedestes à gula sem que
por isso outros passassem fome, ou venceu-vos a luxúria ainda que tenhais voto
de castidade? Se estais arrependidos e com nenhum destes pecados provocastes
escândalo público, confiai na misericórdia do Senhor. Mas se sois ladrões de
bens ou de honra alheia? Se pedirdes a misericórdia de Deus para convosco,
estareis a querer que Ele seja injusto para com aqueles que roubastes. Restituí
primeiro a riqueza que não vos pertence, devolvei a honra difamada, e só então
podereis confiar na misericórdia de Deus e, pedindo-a, ser ouvidos.
E como pode um assassino esperar de Deus misericórdia? Se Deus lhe é misericordioso, não estará a ser injusto com o assassinado? Ah! e os juízes deste mundo! Quantas vezes julgam com tal rigor que mandam à forca quem não merecera mais que uns açoites, ou talvez nem isso! São mil vezes piores que o criminoso a quem a ira cegou por uns instantes! Não será pedir que Deus seja injusto ao esperar dele misericórdia para os seus crimes? Quantas vezes usam as leis para estar contra a Lei! Quantas vezes se valem do julgamento, para estar contra a Justiça! Quantas vezes se sentam no tribunal para calcar a verdade a seus pés! É com esta rigorosíssima medida que serão julgados! Eadem quippe mensura, qua mensito fueritis, remetietur vobis.
E como pode um assassino esperar de Deus misericórdia? Se Deus lhe é misericordioso, não estará a ser injusto com o assassinado? Ah! e os juízes deste mundo! Quantas vezes julgam com tal rigor que mandam à forca quem não merecera mais que uns açoites, ou talvez nem isso! São mil vezes piores que o criminoso a quem a ira cegou por uns instantes! Não será pedir que Deus seja injusto ao esperar dele misericórdia para os seus crimes? Quantas vezes usam as leis para estar contra a Lei! Quantas vezes se valem do julgamento, para estar contra a Justiça! Quantas vezes se sentam no tribunal para calcar a verdade a seus pés! É com esta rigorosíssima medida que serão julgados! Eadem quippe mensura, qua mensito fueritis, remetietur vobis.
Estava Herodes no número daqueles
por quem Jesus implorou: Pater, dimitti illis non enim sciunt quid faciem. Pai,
perdoa-lhes, que não sabem o que fazem. Jesus não disse: perdoa alguns; disse:
perdoa-lhes. (Dimitti illis.) A todos, cristãos. Mas lembrai-vos como foi
impiedoso a julgar esse mesmo Herodes pelos seus outros crimes. E cuidareis que
o maior de todos foi ter morto o Baptista, que era um santo. Pois eu vos digo:
quando a ira vos dominar o coração, escolhei um santo para matar. Não seja o
caso que, matando um pecador, lhe mates corpo e alma ao mesmo tempo. Pois que
se o matas sem que possa arrepender-se e fazer penitência pelos seus pecados, a
sua alma cairá no Inferno eternamente. E podes merecer o Céu, quando, por tua
causa, haverá uma alma a penar para sempre? Esperar depois disto a misericórdia
de Deus não será esperar também que seja injusto? Emendai-vos, corrigi a vossa
vida, tornai-vos atentos à palavra do Senhor, para que não sejam tantos os
vossos pecados até ao ponto de o mesmo Deus vos fechar o coração ao
arrependimento, para não ser com uns injusto por ser convosco misericordioso.
Bem posso cuidar que pensais que
não há diferença entre nenhuns pregadores, que todos pregam contra vós como se
todos fôsseis incrédulos, luxuriosos, ladrões e assassinos. E eu acredito que é
melhor pregar um só assunto, pois se muitos levanta o pregador muito se arrisca
a confundir o auditório.
E, se da variedade das flores fazem as abelhas um mel
de uma só cor e um só sabor, e este melhor que outro que assim não fosse feito,
à palavra do pregador se pede que seja exacta e metódica e clara; que não a
torne confusa, nem dispersa, nem obscura. Mas não vos prego senão o pecado, o
qual, sendo uma ofensa a Deus, é múltiplo e variado e distinto, já na forma, já
na gravidade, já na intenção de O ofender. E não quero mais que exortar vossos
ouvidos, e o entendimento da vossa alma, a estarem atentos à palavra de Deus,
que é o único modo de vivermos em rectidão e santidade. E isto, cristãos, é um
assunto só e não muitos. Mas soubera eu quem são os luxuriosos, e haveria de
chamá-los a eles e pregar sobre a luxúria; e, se conhecesse os ladrões,
tendo-os todos juntos lhes pregaria sobre o sétimo mandamento; e, se percebesse
quem foram ou virão a ser os assassinos, haveria, a eles com mais ninguém mas
com a graça de Deus, de persuadir à mansidão; e, se tivesse a certeza de quais
são, de entre vós, os mais descrentes, indo a eles sem estar com outros, lhes
diria um sermão sobre a Fé. E os mais, cada um segundo a sua condição e, a cada
condição, sua pregação. Porém a muitos haveria de pregar várias vezes, pois os
pecadores costumam ser de várias espécies de pecados e não de uma somente.
Assim é nossa mesquinha frouxidão: que, caindo em uma falta uma vez, as outras
caídas depois dela vão-se tornando mais fáceis de acontecer. E de tal modo que,
se lhe custara ao Demónio muito trabalho nosso primeiro pecado, dia virá em que
ele já nem trate connosco, porque fazemos o nosso e o trabalho dele. E não
prego contra vós, prego em favor daqueles contra quem exerceis vossas culpas.
Ainda que só pareça acusar-vos, é a esses que defendo; ainda que só seja
desagradável a vossos ouvidos, é para esses que peço a vossa compaixão, que é
Justiça; ainda que só vos comparara com o Diabo, seria em Deus que vos quisera
confiantes; ainda que só vos assustara com o Inferno, seria o Céu que vos dera
por esperança.
Mas o pior pecado do nosso tempo,
o mais medonho e injusto e terrível; aquele que mais ofende a Deus e prejudica
homens feitos à Sua imagem e semelhança; aquele que mais é contra a mesma
natureza humana, não é outro senão o vergonhoso comércio dos escravos; não é
outro senão que haja gente tratada como qualquer irracional. Porém nenhum homem
é comparável ao boi que tira pela carroça ou pelo arado, nem ao cavalo de
montaria, nem a nenhuma besta de carga. E dos escravos se faz tudo isso, e por
eles e com eles se conseguem fortunas que afrontam a Deus e à inteligência
humana. E bem diria eu se dissesse que este crime é pior que matar por ódio,
por vingança ou por ira. Podeis cuidar que me engano, que se for dado a
escolher a um desgraçado escravo se quer ser morto ou continuar escravo, sobre
escolher a liberdade sem vida, ele há-de preferir a vida sem liberdade. Essa é
a matéria do pecado, mas nem sempre a gravidade da acção depende da matéria
dele senão da sua qualidade.
E, se é grande e abominável crime encurtar os anos da vida de um homem contra a vontade de Deus, maior crime e mais abominável ainda é fazê-lo escravo e como tal o manter. Pois que a morte é o fim natural de todos os homens, enquanto pertence à sua natureza a liberdade. E é uma imagem feita à semelhança de Deus, que assim nos criou Ele, que reduzis a tão miserável servidão. Aos que entram neste iníquo comércio (invenção do Demónio, certamente, porque nem a pior das criaturas sem ser ele seria capaz de o ter imaginado), eu digo em nome de Deus: não tereis a vida eterna. Se vos atreveis a esperar o Céu, e tendes em casa ainda que seja o mais amado dos escravos, sois néscios.´
E, se é grande e abominável crime encurtar os anos da vida de um homem contra a vontade de Deus, maior crime e mais abominável ainda é fazê-lo escravo e como tal o manter. Pois que a morte é o fim natural de todos os homens, enquanto pertence à sua natureza a liberdade. E é uma imagem feita à semelhança de Deus, que assim nos criou Ele, que reduzis a tão miserável servidão. Aos que entram neste iníquo comércio (invenção do Demónio, certamente, porque nem a pior das criaturas sem ser ele seria capaz de o ter imaginado), eu digo em nome de Deus: não tereis a vida eterna. Se vos atreveis a esperar o Céu, e tendes em casa ainda que seja o mais amado dos escravos, sois néscios.´
Lá teria este padre de chegar a
falar-nos dos escravos, estareis pensando. E eu vos lanço um desafio: suba um
qualquer de vós a este púlpito, onde só deve ser pregada a palavra de Deus, que
eu trocarei de lugar com ele. Venha um aqui, e cuide que é meu escravo e eu seu
senhor, e com toda a liberdade diga o que entender que há-de ser dito. Com que
justa dureza de palavras, com que exacta violência de impropérios, haveria
esse, que a tal fosse capaz de atrever-se, de condenar-me! Pois nenhum homem é
menor aos olhos de Deus, nem menos digno de ser homem que qualquer de vós.
Muitos se desculpam que, de outro modo, os infelizes que são feitos escravos em
África ou no Brasil não seriam tornados cristãos, e assim salvam suas almas. E
eu vos digo que, pela misericórdia de Deus, diferentes caminhos haveria que os
levassem até às portas do Céu. Ou cuidais que os homens são mais bondosos, na
sua impiedade, que Deus, na Sua infinita misericórdia? Pois que se salvem eles
por serem cativos, que bem o merecem. E sabeis o que há-de acontecer? Se
cuidais que lhes garantis o Céu, hão-de eles ocupar vossos lugares. Ouvistes o
que cantaram, no desespero do cativeiro da Babilónia, os filhos de Sião:
Si oblitus ero tui, Jerusalem,
oblivioni detur dextera mea!
Adhaereat lingua mea fancibus
meis
si non meminero tui.
Que a minha dextra seque se me
esqueço de ti, Jerusalém; que a língua me fique presa ao paladar, se não me
lembrar de ti! E que terrível e justa ira, meus irmãos, com que o salmista
termina!
Filia Babilonis vastatrix: beatus
qui rependit tibi mala quae
intulisti nobis!
Beatus qui apprehendit et allidit
parvulos tuos ad petram!
Devastadora filha de Babilónia:
feliz o que te retribuir o mal que nos fizeste! Feliz o que agarrar e esmagar
os teus filhos pequeninos contra uma pedra!
Se o povo santo de Deus se
revoltava a tal ponto com os seus opressores, cuidais que esses desgraçados
cativos, que só à força muitas vezes e com grande ignorância são tornados
cristãos, amam menos a sua pátria e a sua liberdade que aqueles? Não vos
desculpa que o rei o consinta ou o mesmo papa o tolere. Pois que chegou a um
tão lamentável estado a cristandade que não haveria fortunas, quais as que há
em Portugal, se não fossem os escravos; e não seria de metade o número dos
cristãos sacramentados se os senhores deles fossem todos excomungados como
deveriam ser. Mas nenhum pecado, por mais repetido que seja, pode mudar a lei
do Senhor. Dia virá em que este abominável comércio há-de acabar, ainda que
tenha Deus de faltar à Sua palavra e mandar outro dilúvio, para que assim seja.
Eu vos exorto, cristãos, a apressar o dia da misericórdia do Senhor, dando primeiro
o exemplo de libertar vossos irmãos. Assim lhes consentis serem felizes nesta
vida, por serem livres, e não sereis vós desgraçados na outra, por cativos do
Demónio. Sabeis o que disse o apóstolo Jacob na sua epístola? Ecce merces
operariorum qui messuerunt regiones vestras, quae fraudata est a vobis, clamat,
et clamor eorum in aures Domini sabaoth intraivit.
Defraudastes aqueles que
ceifaram vossas searas, e o seu clamor chegou aos ouvidos do Senhor dos
exércitos. Isto diz o apóstolo a que chamamos Sant'Iago, e o diz de homens
livres que não são retribuídos como lhes é devido. Isto o diz de ricos que
contratam, mas recusam um salário justo, sabendo que quem contratam não tem
aonde ir que mais receba. De que serve jejuar a quem não paga como deve? Porventura
não será que mais valera ao injusto pagador comer e beber bem todos os dias,
ainda que fosse Sexta-Feira da Paixão de Cristo, mas tendo os seus operários o
que comer nos dias que não são de jejum nem abstinência, pois estes para eles o
são o ano inteiro? Cuidais que não ter precisão de trabalhar é grande honra? Se
Deus o deu por sentença aos homens, e se é sentença para cumprir nesta vida, e
a não cumpris, quando havereis de a cumprir? Obrigais outros à parte que vos
coubera de trabalho, e mais que isso lhes roubais o trabalho e a liberdade.
Assim que pecais em dobro: por preguiça, que é pecado capital; e por furto, que
é contrário à lei de Deus dada a Moisés. E tereis de multiplicar tantas vezes a
segunda parte deste pecar quantos os homens a quem roubais o trabalho e a
liberdade. Os que ajudam a manter o comércio dos escravos não o confessam
certamente como pecado, assim como se não confessam de possuir casas e palácios
e quintas e herdades e outras fazendas, tal se fosse tudo a mesma cousa.
Mas se
nenhum homem é uma cousa que outro homem deva possuir, ainda que bárbaro e
gentio, muito menos o será alguém que já seja baptizado e se tenha feito
cristão. Irmãos meus eclesiásticos: gravíssima é a nossa culpa se absolvemos
esta espécie tão ruim de pecadores. Bem sabeis que, ao dizer ego te absolvo,
não falamos em nosso nome mas no de Deus. Se absolveis nestas condições, ego
não será na vossa boca palavra usada como se o mesmo Deus falasse; e te absolvo
torna-se responsabilidade vossa. O Senhor não perdoará o pecador que
absolvestes e, se ele cuida que está absolvido e perdoado, não está nem
perdoado nem absolvido; e permanecem em sua alma seus pecados, com mais esse,
muito grave, de uma hipócrita e falsa confissão. As suas culpas cairão sobre
vós mesmos, de maneira que, se confessais e absolveis cem pecadores como esse,
as culpas dos cem pecadores pesarão como terrível carga em vossas almas.
E bem nos bastam as nossas culpas, para que ainda tenhamos de responder pelas alheias sem lhas tirarmos a eles. Nesta matéria, não vos canseis nunca de pregar, de exortar, de admoestar, de insistir sempre oportuna e inoportunamente, e de amaldiçoar até. Não vos deu Deus o dom da palavra? Usai o do exemplo, que é mais forte. E vós todos, meus irmãos, que aqui me ouvis: dais-vos acaso ao gosto de saborear açúcar do Brasil? Tal doçura é um veneno para vossas almas, porque não só quem escraviza peca, e sem perdão de Deus, mas todos aqueles que ajudam a que esse negócio de morte seja proveitoso. Se adoçais a boca com açúcar, não é doce o que tomais, mas é fel, e verdadeiro e humano; e se o tendes posto em alguma bebida, o que bebeis é sangue.
E bem nos bastam as nossas culpas, para que ainda tenhamos de responder pelas alheias sem lhas tirarmos a eles. Nesta matéria, não vos canseis nunca de pregar, de exortar, de admoestar, de insistir sempre oportuna e inoportunamente, e de amaldiçoar até. Não vos deu Deus o dom da palavra? Usai o do exemplo, que é mais forte. E vós todos, meus irmãos, que aqui me ouvis: dais-vos acaso ao gosto de saborear açúcar do Brasil? Tal doçura é um veneno para vossas almas, porque não só quem escraviza peca, e sem perdão de Deus, mas todos aqueles que ajudam a que esse negócio de morte seja proveitoso. Se adoçais a boca com açúcar, não é doce o que tomais, mas é fel, e verdadeiro e humano; e se o tendes posto em alguma bebida, o que bebeis é sangue.
Ah! meu Deus e Senhor meu! Abri
os ouvidos aos que me ouvem, ou tornai-me mudo para não sofrer a aflição de
falar sem ser ouvido, pois eu prego a multidões que não me escutam. Aqui me
vedes, vox clamantis in deserto, como se não houvesse nunca auditório, nunca
ouvidos, nunca almas, senão deserto e surdos e pedras brutas. João bradava no
deserto, e abrandava o coração dos pecadores; João pregava em Vosso nome santo,
e muitos ouvidos se lhe abriam; João proclamava que o Vosso reino havia de
chegar, e até as pedras convertia em filhos de Abraão. Eu brado a pecadores, eu
prego em Vosso nome, eu proclamo que viestes já. E o deserto permanece árido, os
surdos não ouvem, as pedras não se comovem. Se é minha a culpa, seja Vossa a
redenção, se é minha a indignidade, seja Vosso o mérito; se é minha a
ignorância, seja Vossa a razão. Nada peço para mim, senão para os mais
desgraçados dos Vossos filhos.
E os mais desgraçados de Vossos filhos são antes os que me ouvem e não os que sofrem as suas iniquidades. E bem mais me dói o futuro eterno e tenebroso daqueles, que o presente efémero e desgraçado destes. Mas uns têm culpa e consciência de, por seu alvedrio, serem o que querem ser, e os outros são obrigados à força a serem o que nunca quiseram nem deveriam ser. Que tão grandes pecadores não mereçam a Vossa misericórdia, eu Vos concedo, Senhor; mas, se os não converteis, não livrais de suas cadeias quem eles atormentam; se não lhes moveis o coração para Vós, não dareis sossego a tantas vidas inocentes; se não os fazeis Vossos, os que padecem por sua causa não Vos perceberão nunca como Senhor de misericórdia e de justiça. Quereis tão ruim fama entre os homens, Vós, Senhor meu, que sois justo e santo e misericordioso, e tudo isto em grau sem medida?
E os mais desgraçados de Vossos filhos são antes os que me ouvem e não os que sofrem as suas iniquidades. E bem mais me dói o futuro eterno e tenebroso daqueles, que o presente efémero e desgraçado destes. Mas uns têm culpa e consciência de, por seu alvedrio, serem o que querem ser, e os outros são obrigados à força a serem o que nunca quiseram nem deveriam ser. Que tão grandes pecadores não mereçam a Vossa misericórdia, eu Vos concedo, Senhor; mas, se os não converteis, não livrais de suas cadeias quem eles atormentam; se não lhes moveis o coração para Vós, não dareis sossego a tantas vidas inocentes; se não os fazeis Vossos, os que padecem por sua causa não Vos perceberão nunca como Senhor de misericórdia e de justiça. Quereis tão ruim fama entre os homens, Vós, Senhor meu, que sois justo e santo e misericordioso, e tudo isto em grau sem medida?
Sermões são palavras, que outra
cousa não quer dizer sermão senão palavras. E se saís daqui, irmãos, já
esquecidos delas, tereis perdido este pouco tempo vosso e talvez a vida toda.
Não faz efeito o remédio que o doente, logo que o bebe, o devolve. Quisera eu
ter a certeza de ter sido ouvido como se fosse o mesmo Cristo ou um Seu
profeta, e vós todos Zaqueus e Madalenas. Ainda que eu seja indigno de ser
profeta de Cristo, quanto mais a sua voz entre vós! Mas quem tem bons ouvidos
para ouvir entende até o silêncio, que é de Deus mais que todas as palavras que
há no Mundo. Pois talvez vos falte, cristãos, ter em silêncio a alma muitas
vezes, porque os negócios e tentações deste mundo são o ruído infernal que vos
distrai da Palavra de Deus e vos afasta do Verbo, que é Seu Filho feito homem.
In Nomine Domini, dixit.
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