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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Um postal do tempo em que Portugal honrava a História Pátria



 Postal comemorativo do 4º centenário 
da Descoberta do Caminho Marítimo para a India (1498-1898)
in, "Restos de Colecção"


No passado ano 1998 perfizeram-se cinco séculos da descoberta do Caminho Marítimo para a India, mas como somos, agora, um País de distraídos, ao contrário do que aconteceu um século antes e de que o postal que reproduzimos dá conta, o evento passou como se nada de importante os nossos avoengos marinheiros embarcados na frota de Vasco da Gama tivessem realizado.

Perdemos a memória ou, parece, que temos vergonha do que fizemos.

Este não é caso único. Para os vários responsáveis pela Cultura portuguesa ao nível governativo após a Revolução de 25 de Abril, parece que só esta data conta, enquanto as outras são postergadas o que tem sido lamentável, por se não cuidar que um País sem memória apressa-se a morrer, pelo que, pelo menos, se impõe que o feriado do dia 1º de Dezembro seja reposto quanto antes.

Voltando, ao que vínhamos expendendo, mantém-se de pé a crítica de não ter sido convenientemente lembrado o quinto centenário do feito de Vasco da Gama, pese embora, ter sido dos mais importantes da nossa História marítima, que Luís de Camões imortalizou no poema épico - Os Lusíadas - publicado em 1572, cumprindo o sonho que todo o poeta de alta craveira do século XVI acalentava, como acontecia connosco, pelo que Luís de Camões se lançou na escrita de uma epopeia que nos faltava: os Descobrimentos.

Aquele feito imortal de Vasco da Gama aguçou-lhe a inspiração, tendo feito dele o acontecimento central da sua obra, que tem no Canto Sétimo o seu auge narrativo, a começar pela chegada, pela descrição da India do mouro Monçaide e do recebimento dos portugueses pelo Catual e o Samorim.




O desembarque

1 - ( Chegada da frota à Índia )

        Já se viam chegados junto à terra,
        Que desejada já de tantos fora,
        Que entre as correntes Indicas se encerra,
        E o Ganges, que no céu terreno mora.
        Ora, sus, gente forte, que na guerra
        Quereis levar a palma vencedora,
        Já sois chegados, já tendes diante
        A terra de riquezas abundante.
 
2 - ( Elogio a Portugal )

        A vós, ó geração de Luso, digo,
        Que tão pequena parte sois no inundo;
        Não digo ainda no mundo, mas no amigo
        Curral de quem governa o céu rotundo;
        Vós, a quem não somente algum perigo
        Estorva conquistar o povo imundo,
        Mas nem cobiça, ou pouca obediência
        Da Madre, que nos céus está em essência;
 
3
        Vós, Portugueses, poucos quanto fortes,
        Que o fraco poder vosso não pesais;
        Vós, que à custa de vossas várias mortes
        A lei da vida eterna dilatais:
        Assim do céu deitadas são as sortes,
        Que vós, por muito poucos que sejais,
        Muito façais na santa Cristandade:
        Que tanto, ó Cristo, exaltas a humildade!

                                 (...)

30 - ( Fala de Monçaide )

        Ele começa: "Ó gente, que a natura
        Vizinha fez de meu paterno ninho,
        Que destino tão grande ou que ventura
        Vos trouxe a cometerdes tal caminho?
        Não é sem causa, não, oculta e escura,
        Vir do longínquo Tejo e ignoto Minho,
        Por mares nunca doutro lenho arados,
        A Reinos tão remotos e apartados.

31 - ( Descrição da Índia )

        "Deus por certo vos traz, porque pretende
        Algum serviço seu por vós obrado;
        Por isso só vos guia, e vos defende
        Dos inimigos, do mar, do vento irado.
        Sabei que estais na Índia, onde se estende
        Diverso povo, rico e prosperado
        De ouro luzente e fina pedraria,
        Cheiro suave, ardente especiaria.

32 - ( Malabar. Saramá Perimal. )

        "Esta província, cujo porto agora
        Tomado tendes, Malabar se chama:
        Do culto antigo os ídolos adora,
        Que cá por estas partes se derrama:
        De diversos Reis é, mas dum só
        Noutro tempo, segundo a antiga fama;
        Saramá Perimal foi derradeiro
        Rei, que este Reino teve unido e inteiro. 

(...)     
 
44
        Na praia um regedor do Reino estava,
        Que na sua língua Catual se chama,
        Rodeado de Naires, que esperava
        Com desusada festa o nobre Gama.
        Já na terra, nos braços o levava,
        E num portátil leito uma rica cama
        Lhe oferece, em que vá, costume usado,
        Que nos ombros dos homens é levado.

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        Desta arte o Malabar, destarte o Luso
        Caminham, lá para onde o Rei o espera:
        Os outros Portugueses vão ao uso
        Que infantaria segue, esquadra fera.
        O povo que concorre vai confuso
        De ver a gente estranha, e bem quisera
        Perguntar: mas no tempo já passado
        Na torre de Babel lhe foi vedado. 
 
46 - ( Templo indiano )

        O Gama e o Catual iam falando 
        Nas coisas, que lhe o tempo oferecia; 
        Monçaide entre eles vai interpretando 
        As palavras que de ambos entendia.  
        Assim pela cidade caminhando,
        Onde uma rica fábrica se erguia
        De um sumptuoso templo, já chegavam, 
        Pelas portas do qual juntos entravam.

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        Ali estão das deidades as figuras
        Esculpidas em pau e em pedra fria;
        Vários de gestos, vários de pinturas,
        A segundo o Demônio lhe fingia:
        Vêem-se as abomináveis esculturas,
        Qual a Quimera em membros se varia:
        Os Cristãos olhos, a ver Deus usados
        Em forma humana, estão maravilhados

(...)
 
51 - ( No palácio do Samorim )

        Pelos portais da cerca a sutileza
        Se enxerga da Dedálea facultade,
        Em figuras mostrando, por nobreza,
        Da Índia a mais remota antigüidade.
        Afiguradas vão com tal viveza
        As histórias daquela antiga idade,
        Que quem delas tiver notícia inteira,
        Pela sombra conhece a verdadeira.

52 - Baco

        Estava um grande exército que pisa
        A terra Oriental, que o Idaspe lava;
        Rege-o um capitão de fronte lisa,
        Que com frondentes tirsos pelejava;
        Por ele edificada estiva Nisa
        Nas ribeiras do rio, que manava,
        Tão próprio, que se ali estiver Semele,
        Dirá, por certo, que é seu filho aquele.

53 - ( Semíramis )

        Mais avante bebendo seca o rio
        Mui grande multidão da Assíria gente,
        Sujeita a feminino senhorio
        De uma tão bela como incontinente.
        Ali tem junto ao lado nunca frio,
        Esculpido o feroz ginete ardente,
        Com quem teria o filho competência:
        Amor nefando, bruta incontinência!

54 - ( Alexandre )

        Daqui mais apartadas tremulavam
        As bandeiras de Grécia gloriosas,
        Terceira Monarquia, e sojugavam
        Até as águas Gangéticas undosas.
        Dum capitão mancebo se guiavam,
        De palmas rodeado valerosas,
        Que já, não de Filipo, mas sem falta
        De progênie de Júpiter se exalta.

55 - ( Fala do Catual. Profecia 
                      da vinda dos portugueses à Índia )
 
        Os Portugueses vendo estas memórias,
        Dizia o Catual ao Capitão:
        "Tempo cedo virá que outras vitórias
        Estas, que agora olhais, abaterão;
        Aqui se escreverão novas histórias
        Por gentes estrangeiras que virão;
        Que os nossos sábios magos o alcançaram
        Quando o tempo futuro especularam. 


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