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sábado, 6 de dezembro de 2014

Rescaldo duma visita ao Mosteiro de Alcobaça






Vulgarmente conhecido como "Mosteiro da Alcobaça" esta jóia de pedra, também conhecida por "Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça" ou "Real Abadia de Santa Maria de Alcobaça" assinala a primeira construção da arte gótica erguida em solo português quando decorriam os últimos anos do Século XII (1178) e foi levada a cabo pela Ordem de Cister.

É hoje, Património da Humanidade (UNESCO) e e Monumento Nacional desde 1910. Em 7 de Julho de 2007 mereceu a honra de ter sido considerada uma das "sete maravilhas de Portugal".

Vítima do decreto de supressão de todas as ordens religiosas em Portugal, pela pena torta e obediente às lei de Joaquim António de Aguiar - o "mata frades" - em 1834 os frades que lhe assistiam a manutenção física e lhe davam a espiritualidade própria do seu múnus eclesial, foram forçados a abandonar este belo Mosteiro, com a anuência da Maçonaria e de um dos seus correligionários da época, precisamente, D. Pedro, duque de Bragança, na época Regente de Portugal em nome de sua filha D. Maria II, tendo este acto de sanha gratuita contra os bens da Igreja ocorrido com o triunfo do Liberalismo em 1834.

Fica este apontamento histórico para situar a minha visita feita àquela jóia de pedra, onde estão as estátuas jazentes de Pedro (1320-1367) e Inês (? - 1355), lado a lado como se ali colocadas nos braços direito e esquerdo do transepto do Mosteiro continuassem a "viver" a história de amor interrompida pela política dos homens, prefigurada na abundante e artística decoração escultórica que apresenta as expressões tranquilas de Pedro coroado e rodeado por anjos, segurando com a mão direita a espada, tendo no facial da cabeceira a Roda da Vida e da Fortuna, enquanto em Inês, a expressão do rosto é igual e do mesmo modo coroada de rainha e rodeada por anjos, com a mão direita a tocar o colar que lhe cai do peito e a mão esquerda enluvada, com a escultura de fino recorte a assinalar a infância de Cristo, a sua Paixão, o Calvário e o Juízo Final.

Há quem sustente - e com toda a propriedade - que D. Pedro ao pedir ao escultor a representação do Juízo Final quis mostrar aos assassinos da sua amada - incluindo seu pai, o rei D. Afonso IV - que ele mesmo e aquela que eles sacrificaram tinham um lugar no Paraíso e que todos os que fizeram sofrer Inês e a mataram iriam sofrer os horrores de Levitão representado no túmulo com a sua bocarra horrenda.



Túmulo de Inês


Túmulo de Pedro 


E foi no decorrer da visita que a tragédia "A Castro" de António Ferreira (1528-1569) se fez luz em mim com todo o dramatismo que eu vi serenado nos rostos tumulares, mas que viveram e sofreram a fúria selvática dos homens.

O drama amoroso de Pedro e Inês é, possivelmente, um dos mais belos e carismáticos da História Universal e, por isso, não só do autor acima referido, mas de outros - nacionais e estrangeiros - se tem enchido páginas de grande envolvência, não só do amor que os uniu, como da política dos homens que a força do poder desuniu.

Luis de Camões não lhe podia ficar indiferente e é, assim, o temos a cantar nessa obra imortal que são "Os Lusíadas" com que abro esta página que quis deixar como lembrança da minha visita a terras de Alcobaça.


Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito (...)

Luis de Camões
in, Lusíadas, canto III, (parte da estrofe nº120)



O rei D. Afonso IV é uma das principais personagens masculinas de “A Castro”, de António Ferreira (1) drama onde avulta a figura histórica do “Bravo”,  e que o autor pretende retractar numa trama de grande poder emocional, servindo-se de um episódio verídico da nossa história, no decorrer da Primeira Dinastia: a relação amorosa vivida entre o filho, D. Pedro e D. Inês de Castro, que teve um trágico final, com o rei a fazer de juiz no intuito de aplacar todos aqueles que a seu lado o aconselhavam contra  o perigo que constituía , na Corte, a presença daquela mulher.

O drama é bem conhecido.

O filho de Afonso IV que a História regista como - D. Pedro I, o Justiceiro - casou com uma infanta de Aragão, Dona Constança Manuel, filha de um fidalgo castelhano. No séquito da Princesa veio Inês de Castro como dama de companhia, uma estrangeira muito bonita, oriunda de famílias ricas e nobres da Galiza e de Castela.
D. Pedro, depois da morte prematura da mulher, passou a viver com ela, de quem teve três filhos.

A amizade do príncipe D. Pedro, aos irmãos e amigos de Inês era grande. Os fidalgos portugueses, temendo que isso pusesse em perigo a independência do reino, pelo facto – plausível -  que algum dos bastardos pudesse, futuramente, impugnar a legitimidade de D. Fernando, o filho nascido do seu casamento com D. Constança, convenceram D. Afonso IV do perigo que Inês de Castro representava, estando viva. Os conselheiros do rei, entre os quais figuravam os aguerridos e intriguistas, Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco, reunidos com este em Conselho, no castelo de Montemor o-Velho, acabaram por vencer  a hesitação do Rei, não tendo encontrado melhor solução que não fosse dar a morte, logo possível, à bela castelhana.

Aproveitando o facto de D. Pedro estar fora, numa caçada, a 7 de Janeiro de 1355, aqueles três nobres aproveitam a ausência do Príncipe para invadir o Paço de Santa Clara, em Coimbra, onde levam a cabo a selvajaria hedionda, no momento seguinte, quando D. Afonso IV deixou de ouvir os apelos de Inês, ajoelhada, com os filhos a seus pés e se retirou, angustiado, deixando a sorte da amante do filho ao arbítrio malévolo daqueles três conjurados.
António Ferreira é o celebrado autor do drama “A Castro”, que num dado passo leva Inês a censurar a frouxidão de D. Afonso IV, perante as invectivas dos fidalgos que queriam a sua morte, implorando-lhe:

Esta é a mãe dos teus netos. Estes são
Filhos daquele filho, que tanto amas.
Esta é aquela coitada mulher fraca,
Contra quem vens armado de crueza.
Que te posso querer, que tu não vejas?
Pergunta-te a ti mesmo o que me fazes,
A causa, que te move a tal rigor.
Dou tua consciência em minha prova.

S’os olhos de teu filho s’enganaram
Com o que viram em mim, que culpa tenho?
Paguei-lhe aquele amor com outro amor,
Fraqueza costumada em todo estado.
Se contra Deus pequei, contra ti não.
Não soube defender-me, dei-me toda,
Não a inimigos teus, não a traidores.

A que alguns segredos descobrisse
Confiados em mim, mas a teu filho,
Príncipe deste Reino. Vê que forças
Podia eu ter contra tamanhas forças. (2)

Durante toda a vida, D. Pedro nunca esqueceu a sua amada nem os seus assassinos.
Conseguiu deitar a mão a Pêro Coelho e fez-lhe arrancar o coração pelo peito, apanhou Álvaro Gonçalves e arrancou-lhe o coração pelas costas. Escapou Diogo Lopes Pacheco, refugiado em França.
A Inês de Castro fê-la coroar Rainha.
 A sua trasladação de Coimbra para Alcobaça - onde se encontram os belíssimos túmulos do Rei e de Inês -  são a prova evidente do grande amor que ele viveu, obrigando os vassalos a respeitá-lo.
A personagem de D. Afonso IV é exemplar perante o drama que ele foi forçado a viver.
Demonstra a existência milenar do conflito que se estabelece  sempre entre a liberdade de julgar  - ou não - do homem enquanto agente comum da sociedade e a inevitabilidade do seu julgamento enquanto homem de Estrado, sabendo que os seus actos não deixarão de ser julgados perante a História e pelo povo que ele representa.

No drama “A Castro” tudo se conjuga para dar a ideia de que o Rei tem liberdade para escolher o destino final de D. Inês de Castro, pelo facto de ser ele mesmo, o juiz de quem se esperava para bem do povo, a melhor sentença.
No entanto, essa liberdade é anulada, porque a personagem não era um homem comum, mas o Rei que se vê ultrapassado pela necessidade de se cumprir como que a inevitabilidade de um destino fatal para a personagem que é acusada.
António Ferreira segue no drama as regras clássicas do tempo.

“A Castro” é a única tragédia de cunho clássico, escrita em português, durante o Renascimento e que sobreviveu até aos dias de hoje. Nela, o rei é uma personagem angustiada que se divide entre o receio de cometer uma injustiça dando ouvidos aos seus conselheiros nas razões que estes lhe apontavam como sendo as melhores para a Pátria de que ele era o garante máximo, e as razões de coração que lhe pediam que poupasse a mãe dos seus netos, o que ele não consentiu, por razões de Estado.
Aquele homem atribulado e gasto pelos acontecimentos, à beira da morte no ano de  1357, não deixa, talvez roído pelos remorsos, de pedir a D. Pedro I – já eleito rei de Portugal -  que não persiga os matadores de Inês de Castro, pedido do qual ouve dizer, pela boca do filho que já estavam perdoados.

Tal não aconteceu, como sabemos.

D. Pedro, também conhecido pelo “Cru” jamais lhes perdoaria e deve ter sido de tal modo impreciso e ambíguo no modo como assentira no perdão que o pai lhe pedira para os algozes, que este não acreditou na  palavra dada, pois dela sempre desconfiou, sendo dessa desconfiança que partiu a ordem, dada por si mesmo, para os assassinos da bela Inês se refugirem em Castela, o que veio a acontecer.
Neste drama, o rei D. Afonso IV é  a personagem central, por ter sido chamada a decidir pela morte da mulher de seu próprio filho e mãe dos seus netos, deixando os assassinos à rédea solta e, depois, aconselhando e incentivando a fuga dos assassinos, arcando com as culpas de ter deixado aqueles homens cruéis fazer justiça contra  as leis do seu coração de pai e avô.
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(1)  - Poeta quinhentista
2) - in, “A Castro” de António Ferreira

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