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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Tudo pode ser poesia!



Quando os nossos sentidos se aprumam, reverentemente, sobre o poesia de Miguel Torga o que fica como resultado natural é o deslumbramento perante a força rítmica das suas palavras, que fazem lembrar o ferro bruto que em cima da bigorna vai tomando forma pelo malho certeiro das pancadas do ferreiro.

Neste seu poema - Comunhão - o que se sente é isso mesmo: a comunhão do insigne Poeta que ele foi, irmanando a si numa estreita comunhão de almas, o trabalho profícuo do camponês e o do pastor, para ele, respeitados como seus confrades pela poesia que eram capazes de realizar na lavra da terra ou no pastoreio, um semeando os grãos nos sulcos e o outro, pelos caminhos da serra, tendo em comum, o facto - importante! - de ambos cantarem, que é sempre um modo de agradecer à vida o dom de a possuir.

Razão, porque, à missa campal que os dois oficiavam, o Poeta juntou ao canto deles o seu próprio canto - escrito é verdade! - mas, como ele quis que acontecesse, juntou-o admiravelmente ao coro da poesia que todos faziam!


Comunhão

Tal como o camponês, que canta a semear
A terra,
Ou como tu, pastor, que cantas a bordar
A serra
De brancura,
Assim eu canto, sem me ouvir cantar,
Livre e à minha altura.
Semear trigo e apascentar ovelhas
É oficiar à vida
Numa missa campal.
Mas como sobra desse ritual
Uma leve e gratuita melodia,
Junto o meu canto de homem natural
Ao grande coro dessa poesia.


Miguel Torga

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