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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Luís de Montalvor (S. Vicente-Cabo Verde 1891 - Lisboa 1947)




Luis de Montalvor com Fernando Pessoa

in, ("Restos de Colecção")



Luís  de Montavor é o pseudónimo literário do poeta, ensaísta e editor, de seu nome completo, Luís Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos, nascido na Ilha de S. Vicente em 1891, da então colónia portuguesa de Cabo Verde, tendo falecido em Lisboa em 1947, num trágico acidente de automóvel, na companhia da mulher e do filho, engolido pelas águas do rio Tejo, nas cercanias da Estação Fluvial de Belém.


O acidente - que nunca assim foi entendido - parece ter-se tratado de um suicídio colectivo, mercê das circunstâncias económicas da família, tendo com aquele acto premeditado - ou não - desaparecido um vulto importante, cuja vida literária nas lides literárias começou como editor da Revista "Orpheu" em 1915 de que, depois, foi colaborador, inscrevendo o seu nome na escola do "modernismo", que alguns estudiosos inscrevem no "movimento que representou a continuidade e redescoberta do simbolismo.decadentismo", levando em linha de conta que a fundação em 1916 da Revista "Centauro", onde faz apelo à recuperação do "simbolismo" que foi buscar ao movimento literário em que professava Maeterlinck, com o seu fundo espiritual de uma mistura poética entroncada no lado misterioso da existência humana.


Capa da Revista "Orpheu" -  nº 1



É nas páginas do "Centauro" que faz publicar os poemas de Camilo Pessanha, que mais tarde (1920) foram reunidos no livro "Clépsidra" e que são, de acordo com os estudiosos, a "expressão mais pura do simbolismo português".

Colaborou, ainda, nas seguintes publicações: "Presença" - "Exílio" - "Athena" - "Contemporânea" - "Sudoseste" - "Cadernos de Poesia" e "Seara Nova", tendo desenvolvido uma actividade relevante ao nível editorial de que usufruiram as gerações poéticas da década de 40, tendo, inclusive, em 1930 fundado a Editorial Ática, que viria a publicar em 1942  as obras completas de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, num tempo em que a Editora gozava de alguma prosperidade, que o pós-guerra viria a complicar, até ao ponto de entrar em crise, o que levou Luís de Montalvor  a compartilhar a tragédia de muitos dos que o acompanharam no projecto da "Orpheu".

O "Mundo Literário" pela pena brilhante de Adolfo Casais Monteiro publicou sobre Luis de Montalvor, lembrando a sua morte, a seguinte local



in, "Restos de Colecção"


Deixou com a sua morte trágica a sua poesia esparsa que foi postumamente coligida em 1960, de que se publicam algumas poesias em honra e louvor de um homem da cultura portuguesa - hoje quase esquecido - o que prova que em Portugal, no tempo do chamado "Estado Novo", como acontece, agora, a cultura continua a ser a parente pobre dos regimes, sejam eles ditatoriais ou democráticos.




Entardecer

Sol-posto ungindo o mar: incensos de ouro!
Recolhe funda a tarde em sonho e mágoa.
Surdina fluida: anda o silêncio a orar –
E há crepúsculos de asas e, na água,
O céu é mármore extático a cismar!

E nas faces marmóreas dos rochedos
Esboçam-se perfis,
- Cintilações,
Penumbra de segredos!

Ó painéis de nuvens sobre a terra,
Ogivas delirantes
Na água refractando…
Encheis de sombra o mar de espumas rasas,
Iniciando
A hora pânica das asas!

E, à meia luz da tarde,
Na areia requeimada,
São vultos sonolentos
As proas dos navios…

Ó tristeza dos balões
Iluminando,
Na água prateada,
Os pegos e baixios…

Dormentes constelações
Que, em fundos lacustres
E musgosos,
Pondes reverberações
Em nossos olhos ansiosos.

Ó tardes de aquático esplendor,
Descendo em meu olhar!

Num sonho de regresso,
Numa ânsia de voltar,
Em mim todo me esqueço
E fico-me a cismar.

A tarde é toda um sonho moribundo.
É já olor da cor que amorteceu.
O céu vive no mar: sono profundo.
A asa do rumor no ar adormeceu!

Luís de Montalvor, in 'Antologia Poética'



Infante


Dá-me o sol a minha fronte. Doloridos
e chagados meus pés descalços vão fugindo...
- Memórias dos meus doidos passos incontidos!
- Ó meu rumor do mundo em pétalas abrindo!

Ó corças que correis pela tarde desferindo
o balido ligeiro que alonga os ouvidos...
- Tarde de écloga e mel silvestre reluzindo...
- Minhas vinhas de vinhos de oiro não bebidos...

Desfolham-se ilusões e vão-se sem apegos...
Murchou a flor dos meus desejos com que pude
a vida transformar em ócios e sossegos...

Que lucrei, eu, Senhor! com horas execráveis
dum sonho que perdeu meu corpo de virtude?
- o pródigo que fui dos erros inefáveis!

Luís de Montalvor, in 'Antologia Poética'



Baby!


Baby! Sossega a tua voz. Não digas mais
Essas canções do Mundo. Deixa que eu esqueço
Que fui menino ao colo de seus pais.
Deixa! Que o coração em si mesmo o adormeço...

Com olhos de criança olho os desiguais
Dias e nuvens, sós, passando, e empalideço...
Canto de Prometeu todo desfeito em ais!
E a vida, a vida até, brinquedo que aborreço...

Mundo dos meus enganos como a desventura!
Experiência, - pobre fumo! Anela o meu cabelo
E põe-me o bibe azul e antigo da Ternura...

Que a vida, essa Babel desfeita que se embala,
ainda é para mim - criança de Deus, pesadelo
Da infância das fanfarras, fogo de Bengala!

Luís de Montalvor, in 'Antologia Poética'


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