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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Uma bela cartada!




Gravura de M.M. Bordalo Pinheiro
publicada pela Revista "Occidente" 1º ano - vol.I - nº 22 - 15 de Novembro de 1875


UMA BELA CARTADA


Olho esta velha gravura e o que ela traduz, hoje, numa apreciação livre - que me permito fazer - dos gestos dos personagens apostados no jogo de cartas, bem ao contrário do que o autor lhe quis dar, que não fosse outro motivo, que o entretenimento de dois amigos num qualquer botequim da época, onde não falta a linda serviçal, é, para nosso mal, o seguinte:

A personagem de fraque dasabotoado, de lacinho ao pescoço, pelo gesto das penas descontraídas e do rosto onde existe um riso alvar, fez uma cartada de mestre e colocou o adversário, de traje simplório na negrura das vestes, a coçar na cabeça, dando mostras de não saber como responder ao outro, de tal modo que a serviçal o olha com alguma piedade.

Na tal interpretação livre que já falei, atrevo-me a dizer o seguinte:

O jogador da bela cartada - com ar de gozo - personifica o CAPITAL estrangeiro que pela terceira vez depois do 25 de Abril, fomos obrigados a pedir em 2011, depois do canhestro consulado de um Governo de má memória, para continuarmos a ter ordenados pagos à Função Pública, mantendo em funcionamento o Serviço Nacional de Saúde (SNS), as Escolas, todo a Aparelho Judicial e tudo o mais dependente do Estado.

O jogador enrascado, com uma das mãos na cabeça, tem o pesado encargo de representar todo o povo português, coma agravante de não assumir na sua geração o pagamento da DÍVIDA que é devida ao CAPITAL que nos foi emprestado, porque ele sabe que o respectivo pagamento vai recair nos seus filhos e netos.

A serviçal, parece estanha à cena, mas não é. Representa a Pátria com fronteiras definidas mais velha da Europa e tem no olhar meigo como olha o jogador enrascado, embora com a jovialidade que costuma ter a PIEDADE, uma censura velada, vendo-o naquela postura de não saber o modo como se há-de livrar do aperto em que o pôs - mas sem qualquer culpa da sua parte - o CAPITAL manhoso que quer receber de volta e o mais depressa possível os juros respectivos.

Lastimo, ao olhar esta velha gravura ter omitido um encontro lúdico de amigos e ver, nela, o que acima ficou dito.

É o que sinto, por me rever no jogador enrascado a coçar a cabeça, com pena não só de mim mesmo, mas dos meus descendentes que vão pagar sem terem culpa, os desacatos económicos de uns maus políticos que nos apareceram com cravos a florir as espingardas e, agora, nos dão espinhos, porque eles mesmos já não sabem como hão-de fazer florir as rosas...


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