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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Os mestres calceteiros (2)






Fotos capturadas a partir do Arquivo Municipal de Lisboa



Profissão esforçada de um tempo que lá vai e que de ponta a ponta da rua ocupava em toda a roda do dia os mestres calceteiros em posições de trabalho duríssimas - na actualidade, menos desgastantes, pelo auxílio mecânico  das máquinas de compactação dos pavimentos e outras - os calceteiros de Lisboa, no tempo das pavimentações das grandes ruas e avenidas do início do século XX,  agora recobertas pelo betuminoso, escreveram páginas de um trabalho manual que lhes exigiu, para além do cansaço físico, o saber do alinhamento das pedras, quer fosse nas zonas destinadas aos rodados do trânsito da época, quer das valetas para o escoamento das águas pluviais, quer dos passeios pedonais.

A história não apagará a saga destes mestres calceteiros que trabalhavam alinhados no sentido transversal da rua, vendo um o trabalho do outro, por forma a dar ao pavimento a forma do seu próprio alinhamento físico, tendo a dirigi-los o capataz de olhar atento à obra que ia progredindo nivelada com os batimentos dos pesados maços de madeira que aqueciam e calejavam as mãos destes trabalhadores que com a sua obra alteraram a fisionomia das ruas e avenidas de Lisboa.

Cesário Verde, o poeta da Lisboa que se erguia buliçosa, com os seus trabalhadores empenhados nas mais diversas profissões, mereceu que ele, no poema CRISTALIZAÇÕES dedicasse, logo no início um apontamento sobre os mestres calceteiros que ele imortalizou deste modo:


Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros,
Vibra uma imensa claridade crua.
De cócoras, em linha, os calceteiros,
Com lentidão, terrosos e grosseiros,
Calçam de lado a lado a longa rua.
Como as elevações secaram do relento,
E o descoberto sol abafa e cria!
A frialdade exige o movimento;
E as poças de ar, como em chão vidrento,

Reflectem a molhada casaria.

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Não se ouvem aves; nem o choro duma nora!
Tomam por outra parte os viandantes;
E o ferro e a pedra - que união sonora! -
Retinem alto pelo espaço fora,
Com choques rijos, ásperos, cantantes.
Bom tempo. E os rapagões, morosos, duros, baços,
Cuja coluna nunca se endireita,
Partem penedos; cruzam-se estilhaços.
Pesam enormemente os grossos maços,
Com que outros batem a calçada feita.
A sua barba agreste! A lã dos seus barretes!
Que espessos forros! Numa das regueiras
Acamam-se as japonas, os coletes;
E eles descalçam-se com os picaretes,
Que ferem lume sobre pederneiras.

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