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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

As nossas mães: Matrizes e Fontes de Vida!




Foto in, Pastoral Familiar do Patriarcado de Lisboa

Que bela que é a Matriz  da mulher -mãe!
(Fonte de Vida)



Esta foto belíssima foi a inspiração que levou a cantar através dos séculos, hinos de amor às mulheres que tiveram a graça de terem sido Fontes de Vida a partir da Matrizes que, inchadas de Amor fizeram florir nos seus ventres, aconchegadamente, os seres que depois soltaram à vida seguindo os seus passos com o afecto que faz soar nos seus corações o dom que só elas têm, pela razão simples de conter a imaterialidade e a divindade que existe, por vontade de Deus nesse ser único, chamado - num certo dia - a conceber e a dar ao mundo Jesus, de que não tarda a celebração do seu nascimento.

Por um mistério qualquer têm sido os homens os cantores mais acalorados de suas mães, um facto que têm enchido muitas e brilhantes páginas da Literatura Portuguesa, de que basta compulsá-la para se chegar a esta conclusão, que revela, apenas - e é muito - a gratidão que é sentida pela mulher-mãe.

Egas Moniz - o nosso único Prémio Nobel  da Medicina - no seu livro "Júlio Dinis e a Sua Obra" (pág. 241) a propósito do que atrás é dito, depois de expender o carinho especial que o autor das "Pupilas do Senhor Reitor" tinha por sua mãe, afirma: É um facto averiguado que as crianças do sexo feminino se sentem mais intensamente atraídas para os pais e que, pelo contrário, os filhos, nas primeiras idades, se mostram mais inclinados para as mães.(...) - acabando por concluir - que, de acordo com a tendência hetero-sexual manifestada nesse jogo de predilecções em que Freud  assenta as bases da sua teoria filosófica, não é de todo corrigida com a idade, deixando-se, portanto, como ponto assente, que esta tendência natural acompanha os homens - em relação às suas mães - todo o percurso da vida.

Posto isto, tudo aquilo que se segue - são Hinos de Amor às mães e, propositadamente, apresentam-se poemas desse amor - a começar por mim, que no ano de 1981, num tempo em que ainda vivia a minha mãe lhe dediquei o poema seguinte, publicado, para honrar o Dia da Mãe e, depois, um outro, quando ficou dela a minha grande saudade. 






         COMO FOI ISTO, MÃE?


Como foi possível
Que no teu rosto que é um abrigo
Muito calmo e sereno...
Talvez, de olhar as madrugadas
Com esses olhos que são estrelas
E que trago sempre comigo
- Como foi possível, Mãe,
Que no teu rosto
Tenham surgido no Inverno que passou
Rugas tão profundas e cavadas
Que o meu olhar se entristece ao vê-las?

Que mistério esconde a tua face, agora?
Talvez a lembrança, minha Mãe,
Da tua mocidade
Que há muito se foi embora.
Ou – quem sabe? – talvez seja,
A candura da tua idade,
Que é uma força, ainda... e uma escora
Na minha luta de ser verdade!

Como foi isto, Mãe?
Se ainda ontem bebia o leite do teu seio
E hoje... eu sei... ai, se tu pudesses!
Apertavas-me outra vez contra o peito
E aninhavas-me no xaile azul que não esqueces...

Nem eu, minha Mãe!
Porque, pelas dores que te causei
No primeiro embalar do meu destino
É que hoje, o teu rosto se mostra enrugado.
É que no xaile azul que desfiei
Caíram lágrimas pelo “teu menino”...
Eu sei que sofreste um mau bocado!

Ho! Mãe: Se por qualquer força estranha
À nossa realidade finita e temporal
Voltasses a ser jovem,
Eu que marco já a curva descendente,
Dava um pedaço de mim
Por tudo o que passou... antigamente!

Mas, como ambos sabemos,
Que a vida é um continuar-se
Sempre em frente,
Que as tuas rugas sejam um hino à vida
E que o meu olhar sempre te veja
Numa carícia muito terna
E muito agradecida!

E que o teu corpo, embora lasso,
Tenha sempre a força capaz
De me fechar no quente abraço
E na doçura dos beijos que me dás!


24/5/81(Dia da Mãe)




                                       EM TUA MEMÓRIA, MÃE


Como se fosse uma finíssima escultura
de um qualquer afamado artista de Atenas
era uma estátua grega o teu rosto mortuário.
Era de tal modo a talha e a linha pura
que o teu rosto escondia as suas penas
e tinha o ar de quem rezava o seu Rosário.

Apesar disso, Mãe,
apesar da tua serenidade amortalhada
e do ar que tinhas... como se dormisses
por teres chegado ao fim da estrada
nunca supus que após o fim da tua vida
deixasses tanto vazio e tanto escuro!
É que tudo é mais longe e é mais além...
e é por me faltar a tua guarida
que em cada passo encontro um muro.

Ensina-me, Mãe, o modo de o vencer.
Que há vidas que tenho de cumprir
e sortes onde não posso perder.

Conto contigo, minha Mãe,
embora nunca mais me digas adeus
quando saía comovido do teu ninho
- que era a nossa casa da aldeia -
e me perdia na curva do caminho.

Sabes, Mãe, dou graças ao destino
por ter sido eu quem te havia de cerrar os olhos.
- Os teus olhos quase cegos - mas que se abriam
 para me ver, como se não houvesse crescido
e fosse sempre ao teu olhar o teu menino!

Graças, Mãe, pela tua força e pelo teu querer
Graças, Mãe, por tudo o que me ensinaste,
Graças, Mãe, pela tua alegria de viver
Graças, Mãe, por tudo quanto amaste
Graças, Mãe, por tudo quanto me deste:
- os teus inolvidáveis presentes.

Graças, Mãe, pelo teu amor à terra
e às suas gentes.
E agora, Mãe, embala-me docemente,
como se eu fosse - e era para ti -
o teu menino... sempre em teus braços.
E reza por mim no alvor celeste
para que eu vença todos os cansaços
e me erga sempre em cada um dos passos
que tenha de cumprir na vida que me deste!


Setembro de 2000





 Para Sempre


 Por que Deus permite
 que as mães vão-se embora?
 Mãe não tem limite,
 é tempo sem hora,
 luz que não apaga
 quando sopra o vento
 e chuva desaba,
 veludo escondido
 na pele enrugada,
 água pura, ar puro,
 puro pensamento.
 Morrer acontece
 com o que é breve e passa
 sem deixar vestígio.
 Mãe, na sua graça,
 é eternidade.
 Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
 Fosse eu Rei do Mundo,
 baixava uma lei:
 Mãe não morre nunca,
 mãe ficará sempre
 junto de seu filho
 e ele, velho embora,
 será pequenino
 feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas'




Poema à Mãe


 No mais fundo de ti,
 eu sei que traí, mãe

 Tudo porque já não sou
 o retrato adormecido
 no fundo dos teus olhos.

 Tudo porque tu ignoras
 que há leitos onde o frio não se demora
 e noites rumorosas de águas matinais.

 Por isso, às vezes, as palavras que te digo
 são duras, mãe,
 e o nosso amor é infeliz.

 Tudo porque perdi as rosas brancas
 que apertava junto ao coração
 no retrato da moldura.

 Se soubesses como ainda amo as rosas,
 talvez não enchesses as horas de pesadelos.

 Mas tu esqueceste muita coisa;
 esqueceste que as minhas pernas cresceram,
 que todo o meu corpo cresceu,
 e até o meu coração
 ficou enorme, mãe!

 Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
 que adormeceu nos teus olhos;

 ainda aperto contra o coração
 rosas tão brancas
 como as que tens na moldura;

 ainda oiço a tua voz:
           Era uma vez uma princesa
           no meio de um laranjal...

 Mas — tu sabes — a noite é enorme,
 e todo o meu corpo cresceu.
 Eu saí da moldura,
 dei às aves os meus olhos a beber,

 Não me esqueci de nada, mãe.
 Guardo a tua voz dentro de mim.
 E deixo-te as rosas.

 Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"




Minha Mãe que não Tenho


Minha mãe que não tenho    meu lençol
 de linho    de carinho    de distância
 água memória viva do retrato
 que às vezes mata a sede da infância.

 Ai água que não bebo em vez do fel
 que a pouco e pouco me atormenta a língua.
 Ai fonte que eu não oiço    ai mãe    ai mel
 da flor do corpo que me traz à míngua.

 De que Egipto vieste?    De que Ganges?
 De qual pai tão distante me pariste
 minha mãe    minha dívida de sangue
 minha razão de ser violento e triste.

 Minha mãe que não tenho    minha força
 sumo da fúria que fechei por dentro
 serás sibila    virgem    buda    corça
 ou apenas um mundo em que não entro?

 Minha mãe que não tenho    inventa-me primeiro:
 constrói a casa    a lenha e o jardim
 e deixa que o teu fumo    que o teu cheiro
 te façam conceber dentro de mim.

Ary dos Santos, in 'Antologia Poética'




Pequeno Poema


Quando eu nasci,
 ficou tudo como estava.

 Nem homens cortaram veias,
 nem o Sol escureceu,
 nem houve estrelas a mais...
 Somente,
 esquecida das dores,
 a minha Mãe sorriu e agradeceu.

 Quando eu nasci,
 não houve nada de novo
 senão eu.

 As nuvens não se espantaram,
 não enlouqueceu ninguém...

 Pra que o dia fosse enorme,
 bastava
 toda a ternura que olhava
 nos olhos de minha Mãe...

Sebastião da Gama, in 'Antologia Poética'






Mater


Tu, grande Mãe!... do amor de teus filhos escrava,
 Para teus filhos és, no caminho da vida,
 Como a faixa de luz que o povo hebreu guiava
 À longe Terra Prometida.

 Jorra de teu olhar um rio luminoso.
 Pois, para batizar essas almas em flor,
 Deixas cascatear desse olhar carinhoso
 Todo o Jordão do teu amor.

 E espalham tanto brilho as asas infinitas
 Que expandes sobre os teus, carinhosas e belas,
 Que o seu grande dano sobe, quando as agitas,
 E vai perder-se entre as estrelas.

 E eles, pelos degraus da luz ampla e sagrada,
 Fogem da humana dor, fogem do humano pé,
 E, à procura de Deus, vão subindo essa escada,
 Que é como a escada de Jacó.

Olavo Bilac, in "Poesias"





Primeiro Amor


Ó Mãe... de minha mãe!
 Explica-me o segredo
 Que eu mesmo a Deus sem medo
 Não ia confessar:
 Aquele seu olhar
 Persegue-me, e receio,
 Pressinto no meu seio
 Ergue-se-me outro altar!

 Eu em o vendo aspiro
 Um ar mais puro, e tremo...
 Não sei que abismo temo
 Ou que inefável bem...
 Oh! e como eu suspiro
 Em êxtase o seu nome!...
 Que enigma me consome,
 Ó Mãe de minha mãe!

João de Deus, in 'Campo de Flores'




Minha Mãe, Minha Mãe!


Minha mãe, minha mãe! ai que saudade imensa,
 Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
 Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
 Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
 Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
 Era a hora em que já sobre o feno das eiras
 Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
 Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
 E a Lua branca, além, por entre as oliveiras,
 Como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu!...
 E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
 Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
 Eu balbuciava a minha infantil oração,
 Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
 Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
 Que mandasse uma estrela a cada escuridão.
 Por todos eu orava e por todos pedia.
 Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
 Por todas as paixões e por todas as mágoas...
 Pelos míseros que entre os uivos das procelas
 Vão em noite sem Lua e num barco sem velas
 Errantes através do turbilhão das águas.
 O meu coração puro, imaculado e santo
 Ia ao trono de Deus pedir, como inda vai,
 Para toda a nudez um pano do seu manto,
 Para toda a miséria o orvalho do seu pranto
 E para todo o crime a seu perdão de Pai!...

 (...)

(Excerto do Poema «Aos Simples»)




Mãe que Levei à Terra

 Mãe que levei à terra
 como me trouxeste no ventre,
 que farei destas tuas artérias?
 Que medula, placenta,
 que lágrimas unem aos teus
 estes ossos? Em que difere
 a minha da tua carne?

 Mãe que levei à terra
 como me acompanhaste à escola,
 o que herdei de ti
 além de móveis, pó, detritos
 da tua e outras casas extintas?
 Porque guardavas
 o sopro de teus avós?

 Mãe que levei à terra
 como me trouxeste no ventre,
 vejo os teus retratos,
 seguro nos teus dezanove anos,
 eu não existia, meu Pai já te amava.
 Que fizeste do teu sangue,
 como foi possível, onde estás?

António Osório, in 'A Ignorância da Morte'




Alguém


 Para alguém sou o lírio entre os abrolhos,
 E tenho as formas ideais de Cristo;
 Para alguém sou a vida e a luz dos olhos,
 E, se na Terra existe, é porque existo.

 Esse alguém, que prefere ao namorado
 Cantar das aves minha rude voz,
 Não és tu, anjo meu idolatrado!
 Nem, meus amigos, é nenhum de vós!

 Quando, alta noite, me reclino e deito,
 Melancólico, triste e fatigado,
 Esse alguém abre as asas no meu leito,
 E o meu sono desliza perfumado.

 Chovam bênçãos de Deus sobre a que chora
 Por mim além dos mares! esse alguém
 É de meus olhos a esplendente aurora;
 És tu, doce velhinha, ó minha mãe!

Gonçalves Crespo, in 'Miniaturas'




Que estes Hinos de Amor que aqui ficam  - incluindo os meus - sejam capazes de deixar neste espaço o influxo do amor filial de todos os que tiveram a graça de ser gerados nas Matrizes de todas as mães do mundo e, que, como diz o bem conhecido Poema desse belo cantor da mãe, que foi Gonçalves Crespo, que a tinha no Brasil a rezar por ele, não podia pedir a Deus outra coisa que não fosse, as bênçãos d'Ele sobre aquela de dizia do seu filho, então distante, que ele era um lírio entre abrolhos, porque, é assim, que todas as mães vêem os seus filhos.

Para todas, diz Gonçalves Crespo, somos lírios entre os abrolhos  e elas, que nos aninharam nos seus ventres, são as rosas que se abriram e, assim, ficaram para sempre a dar perfume à vida!





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