Foto in, Pastoral Familiar do Patriarcado de Lisboa
Que bela que é a Matriz da mulher -mãe!
(Fonte de Vida)
Esta foto belíssima foi a inspiração que levou a cantar através dos séculos, hinos de amor às mulheres que tiveram a graça de terem sido Fontes de Vida a partir da Matrizes que, inchadas de Amor fizeram florir nos seus ventres, aconchegadamente, os seres que depois soltaram à vida seguindo os seus passos com o afecto que faz soar nos seus corações o dom que só elas têm, pela razão simples de conter a imaterialidade e a divindade que existe, por vontade de Deus nesse ser único, chamado - num certo dia - a conceber e a dar ao mundo Jesus, de que não tarda a celebração do seu nascimento.
Por um mistério qualquer têm sido os homens os cantores mais acalorados de suas mães, um facto que têm enchido muitas e brilhantes páginas da Literatura Portuguesa, de que basta compulsá-la para se chegar a esta conclusão, que revela, apenas - e é muito - a gratidão que é sentida pela mulher-mãe.
Egas Moniz - o nosso único Prémio Nobel da Medicina - no seu livro "Júlio Dinis e a Sua Obra" (pág. 241) a propósito do que atrás é dito, depois de expender o carinho especial que o autor das "Pupilas do Senhor Reitor" tinha por sua mãe, afirma: É um facto averiguado que as crianças do sexo feminino se sentem mais intensamente atraídas para os pais e que, pelo contrário, os filhos, nas primeiras idades, se mostram mais inclinados para as mães.(...) - acabando por concluir - que, de acordo com a tendência hetero-sexual manifestada nesse jogo de predilecções em que Freud assenta as bases da sua teoria filosófica, não é de todo corrigida com a idade, deixando-se, portanto, como ponto assente, que esta tendência natural acompanha os homens - em relação às suas mães - todo o percurso da vida.
Posto isto, tudo aquilo que se segue - são Hinos de Amor às mães e, propositadamente, apresentam-se poemas desse amor - a começar por mim, que no ano de 1981, num tempo em que ainda vivia a minha mãe lhe dediquei o poema seguinte, publicado, para honrar o Dia da Mãe e, depois, um outro, quando ficou dela a minha grande saudade.
EM TUA MEMÓRIA, MÃE
Para Sempre
COMO FOI ISTO, MÃE?
Como foi possível
Que no teu rosto que é um abrigo
Muito calmo e sereno...
Talvez, de olhar as madrugadas
Com esses olhos que são estrelas
E que trago sempre comigo
- Como foi possível, Mãe,
Que no teu rosto
Tenham surgido no Inverno que passou
Rugas tão profundas e cavadas
Que o meu olhar se entristece ao vê-las?
Que mistério esconde a tua face, agora?
Talvez a lembrança, minha Mãe,
Da tua mocidade
Que há muito se foi embora.
Ou – quem sabe? – talvez seja,
A candura da tua idade,
Que é uma força, ainda... e uma escora
Na minha luta de ser verdade!
Como foi isto, Mãe?
Se ainda ontem bebia o leite do teu seio
E hoje... eu sei... ai, se tu pudesses!
Apertavas-me outra vez contra o peito
E aninhavas-me no xaile azul que não esqueces...
Nem eu, minha Mãe!
Porque, pelas dores que te causei
No primeiro embalar do meu destino
É que hoje, o teu rosto se mostra enrugado.
É que no xaile azul que desfiei
Caíram lágrimas pelo “teu menino”...
Eu sei que sofreste um mau bocado!
Ho! Mãe: Se por qualquer força estranha
À nossa realidade finita e temporal
Voltasses a ser jovem,
Eu que marco já a curva descendente,
Dava um pedaço de mim
Por tudo o que passou... antigamente!
Mas, como ambos sabemos,
Que a vida é um continuar-se
Sempre em frente,
Que as tuas rugas sejam um hino à vida
E que o meu olhar sempre te veja
Numa carícia muito terna
E muito agradecida!
E que o teu corpo, embora lasso,
Tenha sempre a força capaz
De me fechar no quente abraço
E na doçura dos beijos que me dás!
24/5/81(Dia da Mãe)
Como se fosse uma finíssima escultura
de um qualquer afamado artista de
Atenas
era uma estátua grega o teu
rosto mortuário.
Era de tal modo a talha e a
linha pura
que o teu rosto escondia as suas
penas
e tinha o ar de quem rezava o
seu Rosário.
Apesar disso, Mãe,
apesar da tua serenidade
amortalhada
e do ar que tinhas... como se
dormisses
por teres chegado ao fim da
estrada
nunca supus que após o fim da
tua vida
deixasses tanto vazio e tanto
escuro!
É que tudo é mais longe e é mais
além...
e é por me faltar a tua guarida
que em cada passo encontro um
muro.
Ensina-me, Mãe, o modo de o
vencer.
Que há vidas que tenho de
cumprir
e sortes onde não posso perder.
Conto contigo, minha Mãe,
embora nunca mais me digas adeus
quando saía comovido do teu
ninho
- que era a nossa casa da aldeia
-
e me perdia na curva do caminho.
Sabes, Mãe, dou graças ao
destino
por ter sido eu quem te havia de
cerrar os olhos.
- Os teus olhos quase cegos -
mas que se abriam
para me ver, como se não houvesse crescido
e fosse sempre ao teu olhar o
teu menino!
Graças, Mãe, pela tua força e
pelo teu querer
Graças, Mãe, por tudo o que me
ensinaste,
Graças, Mãe, pela tua alegria de
viver
Graças, Mãe, por tudo quanto
amaste
Graças, Mãe, por tudo quanto me
deste:
- os teus inolvidáveis
presentes.
Graças, Mãe, pelo teu amor à
terra
e às suas gentes.
E agora, Mãe, embala-me
docemente,
como se eu fosse - e era para ti
-
o teu menino... sempre em teus
braços.
E reza por mim no alvor celeste
para que eu vença todos os
cansaços
e me erga sempre em cada um dos
passos
que tenha de cumprir na vida que
me deste!
Setembro de 2000
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Carlos Drummond de Andrade, in
'Lição de Coisas'
Poema à Mãe
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de Andrade, in "Os
Amantes Sem Dinheiro"
Minha Mãe que não Tenho
Minha mãe que não tenho meu lençol
de linho
de carinho de distância
água memória viva do retrato
que às vezes mata a sede da infância.
Ai água que não bebo em vez do fel
que a pouco e pouco me atormenta a língua.
Ai fonte que eu não oiço ai mãe
ai mel
da flor do corpo que me traz à míngua.
De que Egipto vieste? De que Ganges?
De qual pai tão distante me pariste
minha mãe
minha dívida de sangue
minha razão de ser violento e triste.
Minha mãe que não tenho minha força
sumo da fúria que fechei por dentro
serás sibila
virgem buda corça
ou apenas um mundo em que não entro?
Minha mãe que não tenho inventa-me primeiro:
constrói a casa a lenha e o jardim
e deixa que o teu fumo que o teu cheiro
te façam conceber dentro de mim.
Ary dos Santos, in 'Antologia
Poética'
Pequeno Poema
Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...
Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...
Sebastião da Gama, in 'Antologia
Poética'
Mater
Tu, grande Mãe!... do amor de teus
filhos escrava,
Para teus filhos és, no caminho da vida,
Como a faixa de luz que o povo hebreu guiava
À longe Terra Prometida.
Jorra de teu olhar um rio luminoso.
Pois, para batizar essas almas em flor,
Deixas cascatear desse olhar carinhoso
Todo o Jordão do teu amor.
E espalham tanto brilho as asas infinitas
Que expandes sobre os teus, carinhosas e
belas,
Que o seu grande dano sobe, quando as agitas,
E vai perder-se entre as estrelas.
E eles, pelos degraus da luz ampla e sagrada,
Fogem da humana dor, fogem do humano pé,
E, à procura de Deus, vão subindo essa escada,
Que é como a escada de Jacó.
Olavo Bilac, in
"Poesias"
Primeiro Amor
Ó Mãe... de minha mãe!
Explica-me o segredo
Que eu mesmo a Deus sem medo
Não ia confessar:
Aquele seu olhar
Persegue-me, e receio,
Pressinto no meu seio
Ergue-se-me outro altar!
Eu em o vendo aspiro
Um ar mais puro, e tremo...
Não sei que abismo temo
Ou que inefável bem...
Oh! e como eu suspiro
Em êxtase o seu nome!...
Que enigma me consome,
Ó Mãe de minha mãe!
João de Deus, in 'Campo de Flores'
Minha Mãe, Minha Mãe!
Minha mãe, minha mãe! ai que
saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de
ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das
ceifeiras,
E a Lua branca, além, por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao
Céu!...
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão.
Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas...
Pelos míseros que entre os uivos das procelas
Vão em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.
O meu coração puro, imaculado e santo
Ia ao trono de Deus pedir, como inda vai,
Para toda a nudez um pano do seu manto,
Para toda a miséria o orvalho do seu pranto
E para todo o crime a seu perdão de Pai!...
(...)
(Excerto do Poema «Aos Simples»)
Mãe que Levei à Terra
Mãe que levei à terra
como me trouxeste no ventre,
que farei destas tuas artérias?
Que medula, placenta,
que lágrimas unem aos teus
estes ossos? Em que difere
a minha da tua carne?
Mãe que levei à terra
como me acompanhaste à escola,
o que herdei de ti
além de móveis, pó, detritos
da tua e outras casas extintas?
Porque guardavas
o sopro de teus avós?
Mãe que levei à terra
como me trouxeste no ventre,
vejo os teus retratos,
seguro nos teus dezanove anos,
eu não existia, meu Pai já te amava.
Que fizeste do teu sangue,
como foi possível, onde estás?
António Osório, in 'A Ignorância
da Morte'
Alguém
Para alguém sou o lírio entre os
abrolhos,
E tenho as formas ideais de Cristo;
Para alguém sou a vida e a luz dos olhos,
E, se na Terra existe, é porque existo.
Esse alguém, que prefere ao namorado
Cantar das aves minha rude voz,
Não és tu, anjo meu idolatrado!
Nem, meus amigos, é nenhum de vós!
Quando, alta noite, me reclino e deito,
Melancólico, triste e fatigado,
Esse alguém abre as asas no meu leito,
E o meu sono desliza perfumado.
Chovam bênçãos de Deus sobre a que chora
Por mim além dos mares! esse alguém
É de meus olhos a esplendente aurora;
És tu, doce velhinha, ó minha mãe!
Gonçalves Crespo, in 'Miniaturas'
Que estes Hinos de Amor que aqui ficam - incluindo os meus - sejam capazes de deixar neste espaço o influxo do amor filial de todos os que tiveram a graça de ser gerados nas Matrizes de todas as mães do mundo e, que, como diz o bem conhecido Poema desse belo cantor da mãe, que foi Gonçalves Crespo, que a tinha no Brasil a rezar por ele, não podia pedir a Deus outra coisa que não fosse, as bênçãos d'Ele sobre aquela de dizia do seu filho, então distante, que ele era um lírio entre abrolhos, porque, é assim, que todas as mães vêem os seus filhos.
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