Tudo começara
numa determinada Escola Primária – que hoje tem outro nome - antes das férias de um certo Natal,
correspondendo ao hábito que a professora tinha de convidar de vez em quando um
velho colega, o professor Mário, já reformado, que com o seu jeito peculiar bem
conhecido vinha contar uma história aos alunos, ouvida sempre com a atenção que
era devida àquele conceituado mestre.
Naquele dia o
professor Mário agasalhado no seu sobretudo cor de mel e algo já curvado pela
força dos anos postou-se à frente da classe e andando de um lado para o outro,
serenamente, na sua voz ainda bem timbrada começou a desfiar a sua história,
que era, afinal, um lindo Conto de Natal.
Ouçamos o velho
professor.
Começou assim:
Ouvi esta
história, quando era menino como vós sois agora. E acrescentou: a personagem
principal tem um lindo nome: Pedro Tomé.
Era um pobre de
Deus que vivia de esmolas. Não tendo eira nem beira habitava um miserável
casebre cuja parede do fundo era um enorme penedo por onde escorria a água da
invernia quando lhe dava o vento da nortada.
Era um homem
honrado que primava pela educação, sobressaindo pelos modos como falava,
sobretudo de Jesus, de quem se dizia seguidor, pelo facto de se chamar Pedro
Tomé, algo que o enobrecia por ostentar com orgulho os nomes próprios de dois
dos seus apóstolos.
Pedro Tomé tinha
uma adoração muito especial pelo Menino que nascera humildemente e se fizera
Homem, tendo-se deixado crucificar por amor dos homens, um acontecimento que
levou o professor Mário a dizer que, com o seu sacrifício, Jesus inaugura um
tempo novo de que resultara o Novo Testamento onde se recolhem todos os Livros
Sagrados que o compõem.
Fora este facto
que motivara todo o amor que lhe dedicava Pedro Tomé, que desde sempre
acalentava a ideia de ter um Menino Jesus de madeira, rosado e de braços
abertos, como vira, um dia, na loja do Sr. Lopes, na última visita que fizer à
vila, mas com o senão de o vender por um preço para o qual não chegava o seu
magro pecúlio.
Como não
conseguiu comprar aquela desejada escultura, afeiçoou-se mais a uma imagem
d’Ele, velha e já gasta pelo uso que um dia lhe haviam dado na Casa das
Courelas, não indo lá mais vezes por ter vergonha de incomodar aquela santa
gente que o recebia com modos brandos e caritativos.
A esta velha
imagem, Pedro Tomé passou a guardar um amor muito seu.
Era quase uma
adoração.
Já que não era
possível ter um Menino Jesus de madeira que bem desejava colocar num altar na
sua humilde habitação – onde a sua imaginação sempre O viu - gostava que aquela Imagem à qual rezava todos
os dias nunca o desacompanhasse nem se perdesse.
Nas suas
deambulações aconteceu-lhe estar, um dia, em vésperas de Natal defronte da Casa
das Courelas, mas com receio de se anunciar, pois tinha nobreza de sentimentos
e custava-lhe a o incómodo que causava àquela boa gente.
Pensava nisto,
quando sentindo-se muito fraco e doente, não hesitou mais. Tendo endireitado o
corpo dobrado pelos anos e pela penúria de uma vida de privações a que
acrescia, agora, uma dor aguda que há dias o incomodava, arrimou-se ao portão e
puxou com a força que pode o cordão da sineta.
Aconteceu isto ao
cair da noite.
Recebeu-o D.
Genoveva a sua santa protectora e, como era costume mandou-o entrar para o
quinteiro, enchendo-lhe o bornal de abundantes vitualhas.
Reconhecido,
Pedro Tomé lembrou-se que aquela família não faltaria como de costume à Missa
do Galo, vindo-lhe à lembrança o beijo que era dado a um Menino Jesus de
madeira, como aquele que não pudera comprar na loja do Sr. Lopes.
D. Genoveva, condoída
do aspecto adoentado de Pedro Tomé sentiu vontade de o sentar à mesa da
consoada, o que faria se isso dependesse apenas da sua vontade.
Partiu o pobre,
soçobrando o muito que a santa senhora lhe dera e pensando, que apesar de
doente devia dirigir-se à Igreja no intento de agradecer e beijar o Menino, mas
porque esta ficava longe e era bem curto o seu passo, fraquejou e após ter
conversado como fazia tantas vezes com Jesus, só lhe restou arranjar forças
para pedir perdão e dirigir-se para o seu casebre que ficava bem perto, na
dobra do caminho.
Pedro Tomé
estava, efectivamente, muito mal de saúde com uma febre altíssima que fazia
sacudir o seu corpo magro.
A noite era
álgida e fria, cortada de vez em quando por um vento agreste e batida por uns
farrapos de neve que enregelavam o corpo do pobre que já se arrastava num dado
ponto, quando o caminho se inclinava na ladeira que dava para a sua pobre
habitação.
De vez em quando
sentia uma dor maior a roer-lhe o peito e o olhar toldava-se, deixando ficar no
ar visões de um Presépio que nunca tivera e no qual se agigantava um Menino
Jesus de braços abertos onde o pobre julgava ver no delírio da febre um gesto
dirigido para ele.
Era noite funda
quando abriu a porta desengonçada e penetrou no interior da habitação. Acendeu
a candeia e a sua fraca luz pareceu-lhe um imenso clarão e, nele, distinto e
bem recortado apareceu-lhe – no delírio febril - a imagem de um Presépio, no
local onde havia pensando erigir um altar para colocar o Menino Jesus de
madeira que, agora lhe sorria.
Era um Presépio
como nunca vira outro.
Aturdido pela dor
que o consumia, Pedro Tomé deixou-se cair agarrado à Imagem de Jesus que sacou
de um dos bolsos do casaco de onde escorriam alguns flocos de neve.
E foi naquele
delírio que pensou ver à sua frente rosado e lindo um Menino Jesus que estava
ali deitado nas palhas louras daquele Presépio encantado, como se o estivesse a
chamar. Debruçado sobre Ele julgou abraçá-l’O, enquanto no êxtase que o
dominava levou os seus dedos a acariciar os cabelos louros de Jesus, tendo
sobre si os olhares atentos e carinhosos de S. José e de Nossa Senhora,
enquanto os seus lábios se colavam aos beijos à velha Imagem que os anos haviam
amarelecido, prefigurando ver nela a escultura do Menino Jesus de madeira que
não pudera adquirir.
Por fim,
adormeceu, até se dar conta que na manhã do Dia de Natal uma ténue claridade
lhe entrava em poalhas de luz através do janelo voltado a Nascente, mas de tal
modo que lhe beijava o rosto como se fora um acaricia. Ainda mal acordado
respirou fundo e de imediato sentiu-se aliviado da dor física que tanto o havia
incomodado e, até, ao passar a mão pela testa sentiu que a febre cedera.
Foi no decorrer
do exame “clínico” que fazia a si mesmo que ouviu alguém chamar à porta do
casebre:
- Pedro Tomé.
- Quem é?... já
vai.
Ergueu-se, vestiu
o velho sobretudo e ao abrir a porta deu de caras com o Sr. Lopes, o dono da
loja da vila, que ele bem conhecia.
- Seja bem-vindo…
que faz aqui, senhor Lopes?...entre se faz favor.
E, solícito,
abriu de par a par a porta da humilde habitação.
- Olha, Pedro
Tomé. Hoje é Dia de Natal… tempo de
fazer bem. Trago-te aqui uma prenda… espero que gostes dela.
- Uma prenda? -
Obrigado…mas…
- Deixa-te disso
e abre. É para ti.
Pedro Tomé,
tremente, abriu o embrulho e retirou dele, com as lágrimas a correr-lhe pela
face o Menino Jesus de madeira que lhe quisera comprar.
Comovido,
agradeceu:
- Obrigado. Que
Jesus e o bom Deus lhe paguem tão valioso dado.
E num ímpeto com
a estatueta do Menino Jesus agarrada contra o peito com a sua mão direita, com
a outra mão abraçou profundamente o Sr. Lopes, ficando assim por alguns
momentos aquele quadro belíssimo, com Jesus de braços abertos a unir os
corações dos dois homens, um por ter cumprido o preceito do amor humano e o
outro, grato ao irmão mais afortunado e a Jesus que naquele dia nascera, mais
uma vez, por amor de todos os homens.
Conta-se que
Pedro Tomé erigiu na pobre habitação o altar que tanto ambicionara para o
Menino-Jesus e ao ter feito d’Ele sob todos os aspectos a sua maior riqueza,
dizia para quem o queria ouvir, ser o homem mais rico do mundo.
Este foi o Conto
de Natal contado a uma turma de alunos de uma qualquer imaginária Escola, onde,
para além de ser ter posto em prática a assunção da 1ª obra de misericórdia
corporal, que manda dar de comer a quem tem fome, acresceu o dom da
solidariedade pela dádiva da Imagem de Jesus a quem a não podia adquirir, e
desse modo, não se praticou o 2º pecado capital: o da avareza, ressaltando
nobremente destes dois actos de amor o preceituado no velho Catecismo da Igreja
Católica.
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