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domingo, 11 de janeiro de 2015

Um "ninho branco" na serra da Arrábida!


Gravura publicada pela Revista "Occidente" - 1 de Setembro de 1881


Uma janela do Convento da Arrábida 
atira o Infinito de Deus para o finito de um pedaço de mar que lhe fica em frente


in Revista "Mundo Gráfico" nº1 - 15 de Outubro de 1940


É tão belo este texto que apetece tirar o chapéu ao seu autor - o Professor Campos Coelho, conforme está assinalado no seu rodapé - e apetece dar-lhe tal honra, pelo simples motivo dele ser intemporal não, apenas, pelo o Espírito que o enforma, como pela prosa que não marca um tempo, porque ele está perfeitamente acima de todo e qualquer tempo e, depois, por ser cristã a sua essência.

Quer dizer que todos os considerandos e os quadros são de tal modo trabalhados que nele se revê o católico, como o protestante, pelo facto da cristologia que dimana da compostura artística do escritor lhe ter dado o ecumenismo de um tempo que devia ser prosseguido por todos os homens que seguem como podem e sabem o Grande Sacrificado da Cruz.

Frei Agostinho da Cruz - o poeta da Arrábida - foi a esse Homem-Deus que dedicou na contemplação da Serra, do Céu e do Mar arrábido uma grande parte da sua vida - e é, talvez por isso, que naquele "ninho branco" como o apelida o escritor, o pensamento do homem se recria no silêncio reverente, que é a grande riqueza do convento e da paisagem que o emoldura e que faz dele um dos quadro dos mais belos da bela Serra da Arrábida.

Frei Agostinho da Cruz cantou-a deste jeito.


(Da Arrábida)

Alta Serra deserta, donde vejo
As águas do Oceano duma banda,
E doutra já salgadas as do Tejo:

Aquela saudade que me manda
Lágrimas derramar em toda a parte,
Que fará nesta saudosa, e branda?

Daqui mais saudoso o sol se parte;
Daqui muito mais claro, mais dourado,
Pelos montes, nascendo, se reparte.

Aqui sob-lo mar dependurado
Um penedo sobre outro me ameaça
Das importunas ondas solapado.

Duvido poder ser que se desfaça
Com água clara, e branda a pedra dura
Com quem assim se beija, assim se abraça.

Mas ouço queixar dentro a Lapa escura,
Roídas as entranhas aparecem
Daquela rouca voz, que lá murmura.

Eis por cima da rocha áspera descem
Os troncos meio secos encurvados,
Eis sobem os que neles enverdecem.

Os olhos meus dali dependurados,
Pergunto ao mar, às plantas, aos penedos
Como, quando, por quem foram criados?

Respondem-me em segredo mil segredos,
Cujas primeiras letras vou cortando
Nos pés doutros mais verdes arvoredos.

Assim com cousas mudas conversando,
Com mais quietação delas aprendo
Que outras que há, ensinar querem falando.

Se pelejo, se grito, se contendo
Com armas, com razão, com argumentos,
Elas só com calar ficam vencendo.

Ferido de tamanhos sentimentos
Fico fora de mim, fico corrido
De ver sobre que fiz meus fundamentos.

Ali me chamo cego, ali perdido,
Ali por tantos nomes me nomeio,
Quantos por culpas tenho merecido.

Ali gemo, e suspiro, ali pranteio;
Ali geme, e suspira, ali pranteia
O monte, e vai de meus suspiros cheio.

Ali me faz pasmar, ali me enleia
Quanto colhendo estou da saudade,
Que por toda esta terra se semeia.

Ora me ponho a rir da vaidade,
Ora triste a chorar com quanto estudo
Erros solicitei da mocidade.

Tudo se muda enfim, muda-se tudo,
Tudo vejo mudar cada momento:
Eu de mal em pior também me mudo.

Soía levantar meu pensamento
Assentado sobre estas penedias
Duras, eu duro mais nelas me assento.

Punha-me a ver correr as águas frias
Por cima de alvos seixos repartidas,
Que faziam tremer ervas sombrias.

As flores, que levava já colhidas,
Passando pelos vales enjeitava
Por outras doutra nova cor vestidas.

O livre passarinho, que voava,
Cantando para o céu deixando a terra,
Da terra para o céu me encaminhava.

Cuidei que se esquecesse nesta Serra
A dura imiga minha natureza;
Mas donde quer que vou lá me faz guerra.

Oh! quem vira naquela fortaleza
Rodeada de fogo de amor puro,
Daquele amor divino esta alma acesa!

Quão firme, e quão quieto, e quão seguro
No campo se pusera em desafio!
E quão brando sentira o ferro duro!

Mas se agora de mim me não confio,
Se fujo, se me escondo, se me temo,
É porque sinto fraco o peito frio.

Alevantam-se os mares; e pasmo, e tremo:
Vejo vento contrário, desfaleço,
A corrente das mãos me leva o remo.

Confesso minha culpa, bem conheço
Que por mais graves males que padeça
Menos padecerei do que mereço.

Mandais, Senhor, que busque, bata, e peça,
Eu busco, bato, e peço a vós, Senhor,
Sem haver cousa em mim que vos mereça.

Com os braços na Cruz, meu Redentor,
Abertos me esperai, co lado aberto,
Manifestos sinais do vosso amor.

Ah! quem chegasse um dia de mais perto
A ver cos olhos de alma essa ferida,
Que esse coração mostra descoberto!

Esse, que por salvar gente perdida
De tanta piedade quis usar,
Que deu nas suas mãos a própria vida.

A sangue nos quisestes resgatar
De tão cruel, e duro cativeiro,
Vendido fostes vós por nos comprar.

Padecestes por nós, manso Cordeiro,
Pisado, preso, e nu entre ladrões,
Ardendo o fogo posto no madeiro:
Arçam postos no fogo os corações.

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