Gravura publicada pela Revista "Occidente" - 1 de Setembro de 1881
Uma janela do Convento da Arrábida
atira o Infinito de Deus para o finito de um pedaço de mar que lhe fica em frente
in Revista "Mundo Gráfico" nº1 - 15 de Outubro de 1940
É tão belo este texto que apetece tirar o chapéu ao seu autor - o Professor Campos Coelho, conforme está assinalado no seu rodapé - e apetece dar-lhe tal honra, pelo simples motivo dele ser intemporal não, apenas, pelo o Espírito que o enforma, como pela prosa que não marca um tempo, porque ele está perfeitamente acima de todo e qualquer tempo e, depois, por ser cristã a sua essência.
Quer dizer que todos os considerandos e os quadros são de tal modo trabalhados que nele se revê o católico, como o protestante, pelo facto da cristologia que dimana da compostura artística do escritor lhe ter dado o ecumenismo de um tempo que devia ser prosseguido por todos os homens que seguem como podem e sabem o Grande Sacrificado da Cruz.
Frei Agostinho da Cruz - o poeta da Arrábida - foi a esse Homem-Deus que dedicou na contemplação da Serra, do Céu e do Mar arrábido uma grande parte da sua vida - e é, talvez por isso, que naquele "ninho branco" como o apelida o escritor, o pensamento do homem se recria no silêncio reverente, que é a grande riqueza do convento e da paisagem que o emoldura e que faz dele um dos quadro dos mais belos da bela Serra da Arrábida.
Frei Agostinho da Cruz cantou-a deste jeito.
(Da Arrábida)
Alta Serra deserta, donde vejo
As águas do Oceano duma banda,
E doutra já salgadas as do Tejo:
Aquela saudade que me manda
Lágrimas derramar em toda a
parte,
Que fará nesta saudosa, e
branda?
Daqui mais saudoso o sol se
parte;
Daqui muito mais claro, mais
dourado,
Pelos montes, nascendo, se
reparte.
Aqui sob-lo mar dependurado
Um penedo sobre outro me ameaça
Das importunas ondas solapado.
Duvido poder ser que se desfaça
Com água clara, e branda a pedra
dura
Com quem assim se beija, assim
se abraça.
Mas ouço queixar dentro a Lapa
escura,
Roídas as entranhas aparecem
Daquela rouca voz, que lá
murmura.
Eis por cima da rocha áspera
descem
Os troncos meio secos
encurvados,
Eis sobem os que neles
enverdecem.
Os olhos meus dali dependurados,
Pergunto ao mar, às plantas, aos
penedos
Como, quando, por quem foram
criados?
Respondem-me em segredo mil
segredos,
Cujas primeiras letras vou
cortando
Nos pés doutros mais verdes
arvoredos.
Assim com cousas mudas conversando,
Com mais quietação delas aprendo
Que outras que há, ensinar
querem falando.
Se pelejo, se grito, se contendo
Com armas, com razão, com
argumentos,
Elas só com calar ficam
vencendo.
Ferido de tamanhos sentimentos
Fico fora de mim, fico corrido
De ver sobre que fiz meus
fundamentos.
Ali me chamo cego, ali perdido,
Ali por tantos nomes me nomeio,
Quantos por culpas tenho
merecido.
Ali gemo, e suspiro, ali
pranteio;
Ali geme, e suspira, ali
pranteia
O monte, e vai de meus suspiros
cheio.
Ali me faz pasmar, ali me enleia
Quanto colhendo estou da saudade,
Que por toda esta terra se
semeia.
Ora me ponho a rir da vaidade,
Ora triste a chorar com quanto
estudo
Erros solicitei da mocidade.
Tudo se muda enfim, muda-se
tudo,
Tudo vejo mudar cada momento:
Eu de mal em pior também me
mudo.
Soía levantar meu pensamento
Assentado sobre estas penedias
Duras, eu duro mais nelas me
assento.
Punha-me a ver correr as águas
frias
Por cima de alvos seixos
repartidas,
Que faziam tremer ervas
sombrias.
As flores, que levava já
colhidas,
Passando pelos vales enjeitava
Por outras doutra nova cor
vestidas.
O livre passarinho, que voava,
Cantando para o céu deixando a
terra,
Da terra para o céu me
encaminhava.
Cuidei que se esquecesse nesta
Serra
A dura imiga minha natureza;
Mas donde quer que vou lá me faz
guerra.
Oh! quem vira naquela fortaleza
Rodeada de fogo de amor puro,
Daquele amor divino esta alma
acesa!
Quão firme, e quão quieto, e
quão seguro
No campo se pusera em desafio!
E quão brando sentira o ferro
duro!
Mas se agora de mim me não
confio,
Se fujo, se me escondo, se me
temo,
É porque sinto fraco o peito
frio.
Alevantam-se os mares; e pasmo,
e tremo:
Vejo vento contrário, desfaleço,
A corrente das mãos me leva o
remo.
Confesso minha culpa, bem
conheço
Que por mais graves males que
padeça
Menos padecerei do que mereço.
Mandais, Senhor, que busque,
bata, e peça,
Eu busco, bato, e peço a vós,
Senhor,
Sem haver cousa em mim que vos
mereça.
Com os braços na Cruz, meu
Redentor,
Abertos me esperai, co lado
aberto,
Manifestos sinais do vosso amor.
Ah! quem chegasse um dia de mais
perto
A ver cos olhos de alma essa
ferida,
Que esse coração mostra
descoberto!
Esse, que por salvar gente
perdida
De tanta piedade quis usar,
Que deu nas suas mãos a própria
vida.
A sangue nos quisestes resgatar
De tão cruel, e duro cativeiro,
Vendido fostes vós por nos
comprar.
Padecestes por nós, manso
Cordeiro,
Pisado, preso, e nu entre
ladrões,
Ardendo o fogo posto no madeiro:
Arçam postos no fogo os
corações.
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