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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O desconcertante Fernando Pessoa!



Os Meus Sonhos São Mais Belos 
que a Conversa Alheia

Não faço visitas, nem ando em sociedade alguma - nem de salas, nem de cafés. Fazê-lo seria sacrificar a minha unidade interior, entregar-me a conversas inúteis, furtar tempo senão aos meus raciocínios e aos meus projectos, pelo menos aos meus sonhos, que sempre são mais belos que a conversa alheia.
Devo-me a humanidade futura. Quanto me desperdiçar desperdiço do divino património possível dos homens de amanhã; diminuo-lhes a felicidade que lhes posso dar e diminuo-me a mim-próprio, não só aos meus olhos reais, mas aos olhos possíveis de Deus.
Isto pode não ser assim, mas sinto que é meu dever crê-lo.

Fernando Pessoa, 'Inéditos

Fernando Pessoa é desconcertante.
Misterioso, até.
Vaidoso, poderão dizer os mais desatentos de quem de si mesmo declara, existir para ser devido a uma humanidade futura, como se esta tivesse de ficar agradecida ao homem que ele era e tivesse a obrigação de lhe prestar homenagem num dia futuro!

Manda a verdade dizer que assim aconteceu.

Ao homem que ele foi, Portugal inteiro está rendido ao génio de um "profeta" dos nossos tempos que para interiorizar o que sentia se ausentou de tertúlias de confrades ou mesmo de simples amigos, porque fazê-lo era sacrificar a sua unidade interior, afirmação que nos deixa entrever como aquele homem em vez de ter desperdiçado o seu tempo o utilizou, sabiamente, para emoldurar os seus raciocínios em quadros literários de uma beleza estética que são ímpares na cultura portuguesa, seja em prosa, seja em verso!

E, neste passo, recorda-se o que ele disse quanto ao desperdício do tempo que os homens vulgares fazem e que nele era um desperdiço do divino património possível dos homens de amanhã, uma asserção que nos dá do divino que ele sentia viver em si como um património recebido, pelo que não agir em conformidade com o seu pensamento e a sua natureza era diminuir a felicidade que podia dar aos homens que lhe sucedessem no fluir das gerações e, também, uma diminuição de si mesmo, como ele diz,  não só aos meus olhos reais, mas aos olhos possíveis de Deus.

Aos olhos possíveis de Deus!

Esta frase não pode passar sem ser repetida ainda que perpasse alguma dúvida, que foi apenas uma prova do homem inteligente que morava naquele frágil arcaboiço humano que, afinal, escondeu uma alma forte que não teve pejo - ao contrário de outros seus pares nas artes literárias ou artísticas - de exclamar para que constasse da sua espiritualidade e do cunho em que ela assentava, como uma marca indelével, o seguinte:

Isto pode não ser assim, mas sinto que é meu dever crê-lo.

Leio isto e medito nisto:
Aquilo que eu penso de Deus, pode não corresponder ao que devia pensar - crendo, efectivamente, nesse Ser espiritual que não tem Princípio nem Fim - mas, como disse Pessoa, é meu dever crê-lo.
Penso, aliás, que devia ser um dever de todos os homens!

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