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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Os sonhos da adolescência... e os da idade maior!




Raimundo Correia (1859-1911) é um poeta brasileiro da escola parnasiana, contemporâneo de Machado de Assis que lhe prefaciou o livro "Sinfonias" tendo feito da natureza um exaltamento de que encheu a sua obra poética, de que é um exemplo o célebre soneto "AS POMBAS", onde a imagem literária que ele burilou com o cinzel da sua poesia nos dá do poeta que ele foi a imagem do homem que ao olhar para o percurso da vida sentiu o desconforto de alguns sonhos perdidos, o que não sendo, de todo, um facto isolado, a corda da sua sensibilidade não deixou de ser tocada no mais íntimo de si mesmo.


                             
 Vai-se a primeira pomba despertada...
 Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
 De pombas vão-se dos pombais, apenas
 Raia sanguínea e fresca a madrugada...

 E à tarde, quando a rígida nortada
 Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
 Ruflando as asas, sacudindo as penas,
 Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
 Os sonhos, um por um, céleres voam,
 Como voam as pombas dos pombais;

 No azul da adolescência as asas soltam,
 Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
 E eles aos corações não voltam mais...



O soneto "AS POMBAS" é um alegoria à idade dos sonhos que o homem persegue na sua juventude - que se vão e não voltam mais - porque é neste estádio da vida, quando nos parece que ela não tem fim na doce ilusão em que se vive, que eles ganham asas e céleres voam como voam as pombas doa pombais, constituindo esta feliz imagem de Raimundo Correia o acerto vivencial que só mais tarde damos por ele, quando os sonhos se esfumam e por mais que possamos fazer, assim embalados e de tal modo arquitectados na moldura do coração da nossa juventude, não voltam mais, porque a vida concreta se afadiga em os dissolver, razão que levou o Poeta a fixá-los no belo texto que nos deixou para nos alertar que os "vôos" dos sonhos na tenra idade são coisas que não voltam a encher os "pombais" dos nossos corações, bem ao contrário dos vôos das pombas que cruzam os ares em liberdade total sem nunca se esquecerem de voltar ao ponto de partida.

É uma imagem situada na liberdade do Poeta a quem é dado o poder criador de estabelecer comparações que só a sua arte pode conter e explicar.

Sonhar, no entanto, é um acto que nos deve acompanhar toda a vida e não sentir pena dos sonhos que não foram cumpridos e neste contexto como assegura Gabriel Garcia Márquez, não é verdade que as pessoas param de perseguir os sonhos porque estão a ficar velhas, elas estão a ficar velhas porque pararam de perseguir os sonhos.

Esta asserção realista da vida não tira nada de valor à ideia da pureza da forma que marcou o famoso soneto de Raimundo Correia, que quando nos diz que os sonhos voam como as pombas dos pombais, o que nos quis transmitir foi que os sonhos próprios da juventude marcam apenas uma época da vida - e essa não volta de novo - mas, de modo algum excluiu o poder de sonhar nas épocas que se lhe seguem.

 Neste pormenor, tão fundamental o pensamento de Gabriel Garcia Márquez faz todo o sentido, porque velhos, evidentemente, ficam os homens que deixam de perseguir os sonhos, seja na juventude ou na idade adulta.


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