
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim
dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...
O soneto "AS POMBAS" é um alegoria à idade dos sonhos que o homem persegue na sua juventude - que se vão e não voltam mais - porque é neste estádio da vida, quando nos parece que ela não tem fim na doce ilusão em que se vive, que eles ganham asas e céleres voam como voam as pombas doa pombais, constituindo esta feliz imagem de Raimundo Correia o acerto vivencial que só mais tarde damos por ele, quando os sonhos se esfumam e por mais que possamos fazer, assim embalados e de tal modo arquitectados na moldura do coração da nossa juventude, não voltam mais, porque a vida concreta se afadiga em os dissolver, razão que levou o Poeta a fixá-los no belo texto que nos deixou para nos alertar que os "vôos" dos sonhos na tenra idade são coisas que não voltam a encher os "pombais" dos nossos corações, bem ao contrário dos vôos das pombas que cruzam os ares em liberdade total sem nunca se esquecerem de voltar ao ponto de partida.
É uma imagem situada na liberdade do Poeta a quem é dado o poder criador de estabelecer comparações que só a sua arte pode conter e explicar.
Sonhar, no entanto, é um acto que nos deve acompanhar toda a vida e não sentir pena dos sonhos que não foram cumpridos e neste contexto como assegura Gabriel Garcia Márquez, não é verdade
que as pessoas param de perseguir os sonhos porque estão a ficar velhas, elas
estão a ficar velhas porque pararam de perseguir os sonhos.
Esta asserção realista da vida não tira nada de valor à ideia da pureza da
forma que marcou o famoso soneto de Raimundo Correia, que quando nos diz que
os sonhos voam como as pombas dos pombais, o que nos quis transmitir foi que os sonhos próprios da juventude marcam apenas uma época da vida - e essa não
volta de novo - mas, de modo algum excluiu o poder de sonhar nas épocas
que se lhe seguem.
Neste pormenor, tão fundamental o pensamento de Gabriel Garcia Márquez faz
todo o sentido, porque velhos, evidentemente, ficam os homens que deixam de perseguir os sonhos, seja na juventude ou na idade adulta.
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