Gravura publicada pela Revista "Occidente" de 1 de Novembro de 1887
Camilo Castelo Branco havia acabado de sofrer o acidente mais grave de toda a sua vida tumultuosa - a cegueira - tendo no espaço de tempo que viveu e a vista lhe consentiu, ter sido como é amplamente reconhecido, um dos mais fluentes autores de livros - onde avulta o de romancista, a par do cronista, do crítico, do dramaturgo, do historiador - obras gradas na sua maioria e que enriqueceram, sobremaneira, a Literatura Portuguesa.
Cego, embora, não perdeu a sua veia de humor, mas neste caso, acompanhado de algum azedume satírico contra os homens que ele considerava seus amigos, mas cujo gesto de abandono perante a doença que culminou com a cegueira que o levou a suicidar-se, lhe havia de merecer a escrita do soneto que se reproduz.
Aqueles versos são uma lição de vida que ele, antes de desfechar contra si o revólver que lhe ceifou a vida, fez questão de deixar como um aviso inscrito em poesia, e na qual proclama que a verdadeira amizade não pode ser circunstancial, mas é, aquela que se revela em todo o tempo na partilha de alegrias, êxitos, tristezas e sofrimentos.
" OS AMIGOS"
Amigos cento e dez, e talvez
mais,
eu já contei. Vaidades que eu
sentia!
Pensei que sobre a terra não
havia
mais ditoso mortal entre os
mortais.
Amigos cento e dez, tão
serviçais,
tão zelosos das leis da
cortesia,
que eu, já farto de os ver, me
escapulia
às suas curvaturas vertebraís.
Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez, houve
um somente
que não desfez os laços quase
rotos.
- Que vamos nós (diziam) lá
fazer?
Se ele está cego, não nos pode
ver". .
- Que cento e nove impávidos
marotos!
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