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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

As pontes reais e as imateriais que é necessário fazer!



A Ponte de Ferreira na linha férrea do Douro
Gravura publicada pela Revista "O Occidente" de 21 de Fevereiro de 1884


1 - As pontes reais

Ao olhar esta gravura  - belíssima - da Ponte de Ferreira construída em 1885 em Campo (Valongo) com os seus quatro arcos de cantaria e o seu vão central vencido em perfilados de ferro sobre o rio Ferreira na depressão natural  da morfologia do terreno, a imagem do comboio que passa o que fez de mais importante naquela época - como vai acontecer sempre enquanto o génio do homem sentir a necessidade de ligar na horizontal os terrenos opostos - não foi elevar mais alto o olhar  para o maciço dos montes foi o alargamento dos horizontes.

Diz-nos a História que no lugar de Ponte Ferreira da freguesia do Campo se travou em 1832 a Batalha que ficou conhecida por Ponte Ferreira em resultado do confronto das tropas liberais e miguelistas, aquando do Cerco do Porto no decorrer da Guerra Civil (1828.1834) tendo a contenda ocorrido numa ponte de granito, antecedente desta ponte que no seu tempo foi uma bela obra de engenharia.


2 - As pontes imateriais

Por sobre os lamaçais alteia pontes, é deste modo que Florbela Espanca expressa o seu sentimento no soneto que se reproduz e, ainda, que as pontes de que ela nos fala não têm arcos de cantaria, nem vão de perfilados de ferro, foi, contudo, nas pontes reais de que ela se serviu para nos dizer que, se estas se erguem para que passemos a pé enxuto os lamaçais criados pela natureza, as pontes imateriais que o sentimento humano constrói permitem que passemos adiante e, de mãos dadas, passemos para a outra margem onde pode haver mais vida. É a este tipo de pontes que Florbela se refere com o sentimento próprio de quem foi uma singular artista da palavra.


A uma Rapariga
À Nice


Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste duma flor!...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor



Que não esqueçamos a necessidade da construção física das primeiras pontes aqui tratadas, mas, também, a necessidade imaterial da construção das segundas, que não tendo massa física, apesar disso, é com o pensamento bem arrumado onde moram as ideias que o homem só partindo do sonho é que se faz construtor das pontes físicas que ligam as margens acidentais do relevo natural do terreno para poder caminhar sempre em frente além dos montes - como diz Florbela na imagem que nos dá - e, por um impulso da alma quando se torna construtor das pontes imateriais faz delas a ligação com os outros homens que compartilham num mesmo espaço do tempo a alegria de se sentirem irmanados na construção de coisas onde paira, invisível, mas actuante O Ser Supremo que em vez de muros nos pede que façamos pontes que nos permitam sair do silêncio de nós mesmos.

Antoine de Saint Exupéry em "O Pequeno Príncipe" tem uma frase muito feliz sobre isto: As pessoas são solitárias porque constroem muros ao invés de pontes, algo que por ser tão importante, voltando ao soneto de Florbela, a Poetisa nos aconselha: Beija aqueles que a sorte te destina, algo que não podemos fazer se em relação ao outro não construirmos a ponte espiritual da aproximação humana.

E, depois, não esqueçamos.

A aproximação humana se se faz com esta ponte espiritual, para beijarmos aqueles que a sorte nos destina, quantas vezes, para que tal aconteça é preciso passar por cima das pontes - como a Ponte Ferreira - que serviu de mote no encadeamento do título deste apontamento.

Somos assim, chamados a ser eventuais construtores das pontes aqui referidas em primeiro lugar, mas sempre e em cada um dos dias de vida, construtores das segundas, das pontes que se não vêem mas é por elas que temos o dever humano de passar!
E disto Deus não nos dispensa!


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