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domingo, 11 de janeiro de 2015

O arremedo da Caridade!




        Quadro Vivo

Ai, a caridade feita de exterior,
Muito solene, muito silabada,
Muito bem pesada,
Muito dentro do orçamento,
Como se houvesse racionamento
De amor!

Ai, a caridade feita de encomenda,
Com escrituração de compra e venda!

Ai, a caridade com a pedra no sapato!

Ai, a caridade bem conservadinha ...

. . . Como a velha que tinha um gato
E debaixo da cama o tinha!

Miguel Trigueiros in, Revista já extinta
 "Cadernos de Poesia"  nº 2 (1945)



Para a definição da verdadeira caridade - aquela que se dá por amor e não humilha - o Apóstolo S. Pedro, na segunda carta - 1,7-  definiu-a assim: E à piedade o amor fraternal e ao amor fraternal a caridade.

E tudo ficou claro se não fora a vaidade dos homens que ao mascarar as palavras eternas se mascaram a eles mesmos, com a agravante, que tantos deles pela inépcia das atitudes que tomam tornam ridículas as acções que praticam, tornando-as arremedos da verdadeira caridade, quando é feia do exterior, muito solene, muito silabada - isto é, feita de palavras vazias - porque tem por detrás uma opção muito em pensada, muito dentro do orçamento - e, sobretudo, como critica Miguel Trigueiros - como se houvesse racionamento do amor!

O poeta não podia ser mais cruel para com os falsos caridosos, porquanto a caridade perfeita só pode nascer do amor fraternal e, logo, tem de ser gratuita e desinteressada trazendo o sopro benfazejo do amor, que por definição, ao inclinar-se sobre os deserdados ou, por aqueles que num dado momento da vida sofrem privações, se assemelha ao rio que transborda as margens para as irrigar com a frescura das suas águas.

Ser caridoso assim é ter Deus como objecto, tão bem sintetizado por um dito popular: fazer por amor de Deus, o que é bem diferente do que fazer com a pedra no sapato de que nos fala o poema, ou seja, tendo em mira que o mundo nos veja no uso dessa caridade bem conservadinha no modo como a estimamos, bem dependurada no  cabide das nossas vaidades mundanas... fruto das nossas lengas-lengas, como a daquela de que Miguel Trigueiros se serve para finalizar o poema.

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