O Sapateiro Santo
(1510-1576)
(1510-1576)
Quadro de Manuel Maria Bordalo Pinheiro
publicado pela Revista "O Occidente" 4º Ano - Vol. IV nº 82 - 1 de Abril de 1881
Diz a notícia de o "Occidente" que o quadro representa o sapateiro Simão Gomes, um dos grandes sapateiros profetas do século XVI, desse tempo em que o ler o futuro andava junto no deitar de meias solas, e dando consulta na sua loja da Rua Larga de S. Roque, ouvem atentos o sapateiro profeta dois velhos cavalheiros e mulheres do povo que tem naquele mestre o seu oráculo.
Não deixa o articulista, sem citar, com alguma crítica à mistura, que à porta um jesuita escuta a ver se o sapateiro Gomes recita bem a sua lição, porque como muito bem se sabe estes profetas da tripeça não passavam de uns instrumentos poderosos do jesuitismo.
Se a critica da Revista "Occidente" faz ou não sentido quanto à utilidade dele perante os padres jesuítas não o podemos confirmar, mas que ele foi uma personagem que teve a sua aura, parece certo que a mesma existiu e a fazer juízo da notícia é dito que a sua inteligência era menos brilhante que a do Bandarra, mas em compensação era dotado de mais virtude no que dizia respeito a coisas da Igreja.
Ainda de acordo, com a notícia, naquele tempo teria a sua loja na Rua Larga de S. Roque e não ser natural de Lisboa, pois noutro ponto, a notícia coeva refere que Simão Gomes era natural do Marmeleiro, próximo a Tomar, oriundo de uma família pobre (...) dizendo, ainda: Com fama de santidade morreu Simão Gomes em dia de S. Lucas Evangelista a 18 de Outubro de 1576 e foi sepultado na Igreja de S. Roque, junto à grade do cruzeiro, adiante do altar da Virgem.
Se a critica da Revista "Occidente" faz ou não sentido quanto à utilidade dele perante os padres jesuítas não o podemos confirmar, mas que ele foi uma personagem que teve a sua aura, parece certo que a mesma existiu e a fazer juízo da notícia é dito que a sua inteligência era menos brilhante que a do Bandarra, mas em compensação era dotado de mais virtude no que dizia respeito a coisas da Igreja.
Ainda de acordo, com a notícia, naquele tempo teria a sua loja na Rua Larga de S. Roque e não ser natural de Lisboa, pois noutro ponto, a notícia coeva refere que Simão Gomes era natural do Marmeleiro, próximo a Tomar, oriundo de uma família pobre (...) dizendo, ainda: Com fama de santidade morreu Simão Gomes em dia de S. Lucas Evangelista a 18 de Outubro de 1576 e foi sepultado na Igreja de S. Roque, junto à grade do cruzeiro, adiante do altar da Virgem.
Uma notícia que se transcreve "ipsis-verbis" do site http://www4.cm-evora.pt, - Câmara Municipal de Évora - com efeito corrobora isto e apresenta-o, como residente em Évora, sendo conhecido pelo "Sapateiro da Rua Nova" e, de uma forma breve, mas explícita dá-nos mais dados desta personagem popular.
A meio do século XVI viveu e foi
muito conhecido em Évora o então chamado Sapateiro Santo, mestre deste ofício
cujo nome era Simão Gomes. Nascido por volta de 1510, no lugar de Marmeleiro,
pertencente a Tomar, já em adulto, este devoto a Deus, a quem consideravam
profeta, veio para Évora e aqui casou e permaneceu 14 anos, morando sempre na
Rua Nova, na “casa da cova”, e tendo vindo a ser o primeiro Guarda ou Corrector
da Universidade de Évora.
O Padre António Franco descreve a
sua vida como tendo sido “(…) cheia de singulares virtudes, maravilhas e
espírito profético” e o padre jesuíta Manuel da Veiga fez em livro a sua
biografia. Nos escritos de ambos e em todas as referências à sua figura, Simão
Gomes é descrito como um homem muito simples, de grande modéstia e humildade,
que desde a adolescência revelou tendências proféticas e terá predito factos
como o desaparecimento de D. Sebastião, o domínio de Castela e a aclamação de
D. João IV.
O rei D. Sebastião muito o
consultava, em matérias espirituais e políticas, chamando-o até a Conselhos de
Estado. Este monarca e várias individualidades o quiseram beneficiar, mas o
virtuoso sapateiro, que nunca deixou de exercer o mister, sempre recusou, e só
já idoso aceitou ir para Lisboa, onde faleceu, a 18 de Outubro de 1576, tendo
sido sepultado na Igreja de S. Roque.
O cardeal D. Henrique nomeou-o
seu escudeiro com moradia e sapateiro de sua pessoa e concedeu-lhe o título de
enfermeiro de seus criados e durante cerca de 200 anos as suas profecias foram
veneradas. No século XVIII foram, porém, consideradas falsas e foi ordenada a
destruição dos seus apontamentos, por isso a sua fama e as suas previsões se
esbateram no tempo, incluindo em Évora.
Texto adaptado do original de
Manuel Carvalho Moniz, in Dominicais eborenses. Évora: Câmara Municipal de
Évora, 1999, (Col. Novos Estudos Eborenses, 4), p. 128.
Na mesma época viveu em Trancoso o sapateiro Conçalo Annes Bandarra (1500-1566), conhecido por "O Bandarra" e que, tal como Simão Gomes, gozou de uma fama popular que chegou a merecer as boas graças do Padre António Vieira no tempo em que ele defendeu, com base numa profecia de Daniel - mas com grande aceitação "As Profecias do Bandarra" a instauração de um "Quinto Império" destinado a Portugal.
As Profecias do Bandarra e o Messianismo Português
A utopia era no
tempo, um poderoso motor que impulsionava a mística da luta pela causa da
autonomia perdida, perpassando sobre isto uma mística imperial assente na linha
da fé, proclamando-se um expansionismo do catolicismo à escala universal sob a
égide de um rei português que estaria presente após a décima sexta gestação,
onde caía a Restauração que havia de pôs Portugal no trilho das glórias de
antanho.
Nas suas
interpretações messiânicas o grande jesuíta serviu-se, para tanto, de elementos
milenaristas, joaquimitas, nacionais e judaicos para formular as concepções
messiânicas que confluíram para a formação de um messianismo português, tendo
em Bandarra seu maior expoente, redundando tanto no sebastianismo do século XVI
como no discurso legitimador de Vieira, no século seguinte, como se infere do
facto de não lhe ter passado despercebida a previsão de Bandarra que D. João
seria esse novo rei alevantado, e aclamado em finais dos anos quarenta.
De facto D. João
IV seria aclamado em 1640, um facto que levou a Sé de Lisboa a ter um retrato
seu exposto no Templo, não admirando, por isso, que sobre ele o Padre António
Vieira escrevesse: Bandarra foi verdadeiro profeta, pois profetizou e escreveu
tantos anos antes tantas coisas, tão exactas, tão miúdas e tão particulares,
que vemos todos cumpridas com os nossos olhos.
Estas palavras
tinham latente o velho sonho de dar a Portugal a grandeza antiga e perdida para
o consulado filipino, o que o terá levado a crer firmemente que o Quinto Império só podia ser português,
seguindo na esteira dos quatro Impérios até então desaparecidos: o assírio, o
persa, o grego e o romano.
Vieira não
escapou, por causa desta crença aos cárceres da Inquisição, que utilizou como pretexto para o processo
inquisitorial a sua Carta “Esperanças de Portugal, Quinto Império do Mundo”,
datada de fins de 1659, escrita em Belém do Pará, resumindo-se a carta a um
silogismo com base no Bandarra, que profetizava que El-Rei D. João o quarto há
de obrar muitas coisas, e que estas se realizariam, concluindo deste modo a sua
convicção, tendo em mira a ressurreição política do Reino de Portugal: logo, El-Rei D. João o quarto há-de
ressuscitar.
Tinham como causa
as suas opiniões bem conhecidas a respeito dos cristãos novos e, também, as
tendências extravagantes da sua fértil imaginação e do seu subtilíssimo
espírito que se comprazia em adivinhações, necromancias e explicações
proféticas das escrituras, isto, ainda no tempo em que ele era protegido pelo
rei D. João IV, sendo os autores das denúncias, nesse ano, Martim Leitão,
António de Serpa, Pedro Álvares, Lopo Sardinha, João Pizarro, Manuel Caldeira e
Francisco de Andrade; em 1650, Francisco de Santa Maria, Pedro de Almeida e o
mesmo Martim Leitão; em 1651, Lourenço de Castro; em 1652, Manuel Álvares Carrilho.
Quando Vieira
parte em 1652 para Belém do Pará, já
tinha conhecimento dos delatores e do
cerco que a Inquisição lhe fazia.
Quando dez anos
depois regressa a Portugal, com a queda da Rainha, vem encontrar um ambiente
hostil. Sente que se acabara o privilégio de que gozara até então na corte
portuguesa.
Comentários de
Vieira às Profecias do Bandarra
Na continuação da
sua defesa, apresenta aos inquisidores a segunda parte da sua argumentação,
escrita em terras brasileiras no ano de 1659, tinha Vieira 51 anos. Nesta carta
expõe ao amigo, Bispo do Japão, a sua visão sobre o Quinto Império do Mundo,
com base numa profecia de Bandarra e subordinada ao título:
Esperanças de
Portugal,
QUINTO IMPÉRIO DO
MUNDO,
primeira e
segunda vida de
El-Rei D. João, o
quarto. Escritas por
GONSALIANES
BANDARRA, e comentadas pelo
Padre António
Vieira da Companhia
de Jesus, e
remetidas pelo dito ao Bispo
do Japão, o Padre
André Fernandes.
Em 1660 o Padre
André Fernandes é intimado a entregar o escrito no Santo Ofício, organizando-se
um processo para o prender.
Esta segunda
parte da narrativa vieiriana é extensa e de tal modo assenta no pormenor das
proposições do sonho profético do Bandarra, que tal facto, embora não cabendo
por inteiro neste trabalho – dada a sua extensão - sobre as mesmas e de um modo
sucinto tecem-se os seguintes comentários:
Dirigindo-se ao
seu particular amigo, começa desta forma: Conta-me vossa senhoria prodígios do
mundo, e esperanças de felicidades a Portugal, e diz vossa senhoria que todas
se referem à vinda D'el-Rei D. Sebastião, em cuja dúvida e vida tenho já dito a
vossa senhoria o que sinto. Por fim me ordena vossa senhoria, que lhe mande
alguma maior clareza do que tantas vezes tenho repetido a vossa senhoria da
futura ressurreição do nosso bom amo El-Rei D. João, o 4.° A matéria é muito
larga, mas para se escrever tão de caminho como eu o faço, em uma canoa em que
vou navegando no rio das Amazonas, para mandar este papel em outra que possa
alcançar o navio que está no Maranhão de partida para Lisboa, e resumindo tudo
a um silogismo fundamental, digo assim:
O Bandarra é
verdadeiro profeta, o Bandarra profetizou que El-Rei D. João o 4.° há de obrar
muitas coisas que ainda não obrou, nem pode obrar senão ressuscitando.
E na continuação
expende o seguinte raciocínio: Prova-se a consequência deste silogismo com um
discurso claro e evidente, de que se Bandarra é verdadeiro profeta, como se
supõe, se hão de cumprir suas profecias, e que há de obrar El-Rei D. João as
coisas que Bandarra dele tem profetizado. (…)
E continua,
apresentando o silogismo e a primeira proposição que faz parte do primeiro
sonho de Bandarra:
Antes que cerrem
quarenta
Erguer-se-á grã
tormenta (…)
Há nisto uma
alusão perfeita aos quarenta anos subsequentes ao início do século XVII e a um
tempo situado ao ano anterior a 1640, quando os conjurados restauradores já se
reuniam com o fim de expulsar de Portugal o domínio filipino.
Profetizou mais
Bandarra – continua a dissertação de Vieira -
que o nosso rei havia de ser da casa de infantes, e que havia de ter por
nome D. João, que havia de ser feliz e bem andante, e que com suma brevidade
lhe haviam de vir novas de todas as conquistas a que ele chama terras presadas,
as quais se declarariam pelo novo rei, e que dali por diante estariam firmes
por ele, como tudo se tem visto inteiramente: os versos são no mesmo sonho:
Saia saia esse
infante
Bem andante,
O seu nome é D.
João
Tire e leve o
pendão,
E o guião:
Poderoso e
triunfante (…)
que não nomeio.
……………………………………………………………….
Termina, assim, a
longa exposição das trovas:
Finalmente, supõe Bandarra que há de haver
glosadores ao seu texto, e eu suponho que haverá muitos mais à minha glosa,
deixando entrever que um e outro teriam de se haver com as incompreensões e a
hostilidade dos que não criam nas trovas do sapateiro de Trancoso e não
entendiam a sua aceitação das mesmas.
Na sua despedida
ao Bispo, diz Vieira:
Guarde Deus a
vossa senhoria muitos anos, como desejo, e como estas cristandades hão de mister.
Camutá do Rio das
Amazonas 29 de abril de 1659 anos.
O padre António
Vieira
da Companhia de
Jesus
Dir-se-á, a concluir, que se Simão Gomes foio um aríete do jesuitismo do seu tempo que o tinha à mão, tal não parece ter acontecido com "o Bandarra" cujas profecias foram devidamente consideradas pelo grande orador que foi o Padre António Vieira (1608-1697) que não foi seu contemporâneo, mas no qual acreditou de tal sorte que teve problemas sérios com a Inquisição.
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