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sábado, 31 de janeiro de 2015

IV Domingo do Tempo Comum - Ano B - 1 de Fevereiro de 2015

Entraram em Cafarnaúm. Chegado o sábado, veio à sinagoga e começou a ensinar.  Emaravilhavam-se com o seu ensinamento, pois os ensinava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei.  Na sinagoga deles encontrava-se um homem com um espírito maligno, que começou a gritar:  «Que tens a ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus.»  Jesus repreendeu-o, dizendo: «Cala-te e sai desse homem.»  Então, o espírito maligno, depois de o sacudir com força, saiu dele dando um grande grito. Tão assombrados ficaram que perguntavam uns aos outros: «Que é isto? Eis um novo ensinamento, e feito com tal autoridade que até manda aos espíritos malignos e eles obedecem-lhe!»  E a sua fama logo se espalhou por toda a parte, em toda a região da Galileia. (Mc 1, 21-28)


Naquele dia, 
Jesus entrou na sinagoga de Cafarnaúm
levando consigo os primeiros discípulos:
Simão, André, Tiago e João, 
todos habitantes daquela terra de pescadores
que ao ouvi-l'O viram n'Ele o Messias,
ante a pequena comunidade ali reunida 
para ouvirem a Liturgia daquele dia de sábado.

Diz o texto que Jesus começou a ensinar
de um modo que não era habitual ouvir
aos doutores da Lei.

E de tal forma, que os ouvintes, concluíram
que ensinava assim porque sabia o que dizia,
não tendo, portanto, dificuldade em aceitar
que Aquele pregador trazia a marca de Deus,
pelo modo, não só como se expressava,
mas, sobretudo, como agia, 
como aconteceu com aquele homem 
que interrompeu a assembleia
porque trazia, e si, um espírito impuro, 
sobre o qual Jesus impôs a sua autoridade, 
devolvendo ao possesso a liberdade perdida.

Como testemunho do divino que havia n'Ele
esta foi a primeira acção, a "prova provada"
que Ele trazia uma proposta de libertação 
que vinha de Deus para restituir, a vida, 
em plenitude, 
a todos os homens!

Ser o que somos, ainda que subamos muito alto


O difícil não é subir, mas, ao subir, 
continuarmos a ser quem somos.


Desconheço o autor deste pensamento, mas dou-lhe parabéns, porquanto, as suas breves palavras obrigam a pensar o mais caturra dos homens se, ao olhar o modo sereno e sem pressas como a hera vai subindo pelo tronco da árvore, aquilatar que esta quando atingir o topo continua a ser a mesma hera, quer no aspecto da verdura da folhagem como no  seu tamanho.

A lição é esta.

Se nos pode servir ou não, cada um é dono do modo como ergue a sua vida, mas de uma coisa podemos estar certos como muito bem considerou o célebre moralista brasileiro, Marquês de Maricá quando disse: deixamos de subir alto quando queremos subir de um salto, palavras sábias das quais a natureza da hera responde, confirmando aquele conceito com a sua mudez vegetal que devia ser um exemplo a seguir pela nossa natureza carnal que parece ser, neste aspecto - sobretudo para os que desejam subir alto a qualquer preço - menos inteligente.

Que nos sirvam as palavras acertadas - e profundamente humanas -  que vão no rodapé da fotografia.

O PS chama o Presidente da República nas raias do absurdo




in, "Expresso.sapo. pt" de 31 de Janeiro de 2015


Compreende-se que a animosidade política do BE e do PCP contra o Presidente da República tenha levado aqueles dois partidos a cometer a ousadia inqualificável de chamar o supremo magistrado da Nação a depor na Comissão da Assembleia da República que no momento tem entre mãos o caso da eclosão do Banco Espírito Santo, pelo facto de no âmbito das suas atribuições ter recebido o banqueiro Ricardo Salgado, anuindo a um pedido de reunião que este dirigiu à Presidência da República.

Compreende-se e não se estranha.

Outro tanto não acontece com o Partido Socialista que devia ter outra compostura de Estado por saber - se não sabe os seus dirigentes deviam aprender - que o Presidente da República não tem de dar contas daquilo que faz no exercício da sua função aos deputados da Assembleia da República, que por muito que o queiram ser não são juízes, de que é uma prova evidente o facto da Comissão que formaram para ouvir os cidadãos implicados no caso BES não conduzir a um qualquer julgamento criminal efectivo, porque não poderem sobrepor-se à Justiça que é um exclusivo dos Tribunais.

Por isso, o PS deu um tiro no pé ao aliar-se, no pedido estapafúrdio dos dois partidos que se sentam à sua esquerda.
Mas tal facto não espanta. O PS actual dividiu a sociedade portuguesa em "bons e maus", só sendo "bons" os que alinham com a sua cartilha e "maus" todos os outros, fazendo alinhar aqui o Presidente da República, que muito bem, não lhes vai fazer a vontade, embora reconheça ter ouvido o banqueiro.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O pelourinho dos nossos dias, um símbolo do poder municipal.

Pelourinho 
de Aguiar da Beira
Gravura publicada pela Revista "O Occidente" 
de 11 da Março de 1884


Os pelourinhos tal como os conhecemos implantados a partir do século XVI e em grande profusão no século imediato, ao contrário do que está enraizado na crença popular não foram, exclusivamente, locais de anúncio e exposição de criminosos onde eram proclamadas as penas por crimes cometidos - tendo até, em tempos recuados anteriores ao século XV sido utilizados não só para açoitar os malfeitores como locais onde os maiores criminosos eram executados.

Tal deixou de acontecer a partir do século XVI, passando desde então a simbolizar a liberdade dos municípios.

O facto de terem passado a serem assim considerados terá sido inspirado na lenda de Sileno, um dos deuses da mitologia grega, apresentado como um beberrão que quando estava bêbado adquiria o poder da profecia o que levou o rei Midas da Frígia a querer a todo o custo aprisioná-lol para aprender com ele, uma acção que levou Sileno a refugiar-se nas florestas da Frígia tentando escapar à prisão do rei.
Não tendo conseguido escapar depois de ter sido aprisionado por uns camponeses foi levado à sua presença, acrescentando a lenda que Sileno foi mandado e liberdade plena pelo rei Midas.

O pelourinho de Aguiar da Beira data do século XVI.
É como a gravura representa uma peça de notável grandeza escultórica, pertencendo pelo que anteriormente é dito à época em que estas colunas - ou padrões - eram representativas do poder municipalista.

A mulher e a instrução.


A Instrução 
in, Revista "O Occidente" de 1 de Março de 1884


Relata esta importante Revista cultural (1878-1915) que esta estátua - A Instrução - foi executada pelo escultor António Alberto Nunes (1838-1932) a quem coube, também a honra de conceber e realizar a escultura em bronze do "Génio da Independência" do monumento que se encontra na Praça dos Restauradores. 
Gravura do escultor António Alberto Nunes
 publicada pela Revista "O Occidente" de 11 de Maio de 1886


A estátua "A Instrução" seguiu um destino bem diferente por ter sido erigida não numa qualquer praça urbana de uma determinada cidade mas para servir de símbolo e, como ta, foi colocada no Hospício Português de Caridade do Rio de Janeiro, onde a Instrução era um modo de fazer a caridade relativamente ao próximo.

A mulher aqui representada com o seu ar nobre e educacional é bem representativa do carinho, do respeito e do amor fraterno que devem merecer aos homens todas as honras, tendo-se em conta que ela é a matriz da vida.

Nunca gostei de Michelet pelo facto inoportuno e machista de no seu livro "L'amour" que para além de piegas, muitas vezes, é obceno de ter dito que a mulher era uma doente em cada mês e em cada período de nove meses, sem se lembrar que havia - segundo o seu distorcido raciocínio - uma mulher "doente" que o havia dado à luz e a quem havia cabido a primeira instrução que recebera.

Nunca me esqueceu esta barbaridade de linguagem.

O escultor Alberto Nunes executou esta bela escultura que vista sobre qualquer ângulo é sempre encantadora e à qual deu o título de "A Instrução" honrando assim e sobremaneira o papel importantíssimo da mulher mãe - ou não -  que na frialdade do mármore parece aquecer com a sua mão esquerda pousada no ombro da pequenino o seu entendimento para soletrar as primeiras letras, enquanto ostenta no seu lado direito a bandeja de prata, simbolizando o prémio merecido a todo aquele que se esforça por aprender a ser um homem, prémio que o seu empenho e amor nunca se furta de dar.

Disse Sólon que é a instrução a melhor provisão de viagem para a paragem da velhice mas cabe ao Padre António Viera a síntese mais perfeita de quanto vale a instrução: Instruir é construir.

Reflectindo sobre o conceito breve de António Vieira, o que sentimos é que, ainda hoje, apesar do trabalho profissional que atirou a mulher para fora do lar durante muitas horas do dia, continua a ser ela a grande instrutora da vida, cabendo-lhe para além do exercício profissional - onde, tantas vezes lhes cabe a instrução de crianças que não são seus filhos - mas fazendo-o dentro dos seus lares com os próprios filhos com a sabedoria de que só a mulher é dotada, como instruir a família nas tarefas comezinhas da cozinha, da higiene, da conservação e fabrico alimentar, do tratamento das roupas, da própria decoração do lar e da administração dos recursos disponíveis.

Por fim, diremos em abono da verdade que foi a mulher que instruiu o modo como se saíu da boçalidade da Idade-Média através de pequenos mas fundamentais gestos, como: a imposição dos talheres na hora da refeição, o hábito da bebida do chá - que até teve uma hora própria - a instrução de não se entrar em casa sem antes limpar a soleira dos sapatos, que sendo tudo gestos simples humanizaram a sociedade.


António Costa viu um "sinal de mudança" no Syriza, mas cinco dias depois...



in, Expresso.sapo.pt, de 25 de Janeiro de 2015


António Costa, exultante, pela da vitória eleitoral do Syriza do passado dia 25 de Janeiro - que é algo incompreensível pelo facto de ter esquecido os seus camaradas socialistas do PASOK que deixaram que aquele partido quase tivesse desaparecido, engolido pela força da votação do povo grego - de acordo com o Expesso online, fez a declaração acima reproduzida (sic) do êxito do Syriza lhe poder dar força e "seguir na mesma linha" mas sem se lembrar que fazê-lo é mandar às malvas o que fez o governo do PS português de que ele foi Ministro no tempo de José Sócrates quando em nome de Portugal o então Primeiro-Ministro assinou o acordo de resgate e 2011, que nos livrou - a um mês - de entramos em bancarrota.

Foi uma afirmação insensata.

Hoje, numa local da 1ª página do "Diário de Notícias" - e que com a devida vénia reproduzimos -  António Costa entrou de supetão numa reunião do grupo parlamentar, manifestando-se contrário a uma ideia radical de renegociação ou reestruturação da dívida portuguesa que é - segundo ele disse na referida reunião "constrangedora", admitindo, no entanto, não ser "insustentável".

E, de facto, não é.

É por estas e por outras que o povo português tem de tomar tento nas coisas que ouve. Portugal vive um momento muito delicado e não pode viver as diatribes de uma qualquer ocasião. Haja responsabilidade nas afirmações que se fazem. O Mundo, hoje, é uma aldeia global e as notícias correm ligeiras!

Alguém que quer ser Primeiro-Ministro - e na eventualidade de o vir a ser - não quer "levar com a porta na cara" quando nessa qualidade for a Bruxelas, penso que António Costa, com o êxito eleitoral do Syriza, estugou em demasia não o seu passo que se deseja que tenha a da força de um "papa léguas" - mas o de Portugal que neste momento é um passo curto - pelo que "emendou a mão" e bem depressa, por ter visto que nos vai ser difícil o passo largo, que afinal todos desejamos, quando se sabe ser uma incógnita o que vai acontecer com o partido radical que ganhou as eleições gregas do passado dia 25 de Janeiro.

Ao fim e ao cabo, alguém que foi um membro importante do seu partido, disse um dia "que só os burros é que não mudam" e, ate, pragmaticamente "meteu o socialismo na gaveta", pelo que ter dado um passo atrás não lhe fica mal, o que pereceu um mal foi ter visto no Syriza "força para seguir a mesma linha", quando se sabe que é uma linha perigosa, atendendo a Portugal, terra de gente nobre que de modo algum deve perder esse valor numa qualquer aventura para não nos vermos "gregos" na nossa própria terra.


in, "Diário de Notícias" online 
de 30 de Janeiro de 2015

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Quando a vida nos força a ser irmãos de Pierrot!

 

in, "Contemporânea" Revista de Cultura nº 2
Agosto, Setembro e Outubro de 1922



Em ambiente circense, Pierrot como se sabe é o palhaço que morre de amores pela Columbina e se sente trocado pelo Arlequim. Tem como característica comportamental a sua ingenuidade.  
É algo lunático, distante, inconsciente da realidade, sendo habitualmente conotado com o bobo e embora sofra com as partidas que lhe pregam não deixa de confiar no seu semelhante, vestindo sempre roupas largas, pinta o rosto de branco, pelo que as suas vestimentas têm influenciado todos os palhaços.



Américo Durão sente-se irmão de Pierrot fazendo do palhaço o seu confidente e, como ele, parece dizer-nos que o devamos imitar tornando-nos inconscientes da realidade vivencial, algo que tantas vezes acontece com o homem mais consciente, porquanto o viver a dura realidade da vida quando ela se torna difícil o que apetece é vivê-la como no-la descreve nos dois últimos tercetos o Poeta, ou seja, viver  e estar ausente... como se o homem fosse um estranho de si mesmo dentro da sua alma, o que não sendo uma impossibilidade metafísica - porque se pode viver a fingir - mas viver assim é violentar a natureza humana, pelo que nos momentos mais agrestes da vida o que resta fazer é tornar-se o homem Irmão de Pierrot e rir perante a vida, que é sempre o melhor remédio e, depois, pedir ao Sonho o esquecimento do Passado... na certeza de que, se não se esquecem as  agruras passadas o que volta sempre é o desejo de viver como se, de mim e da minh'alma andasse estranho.

É deste modo que Américo Durão termina o texto poético, mas para que tal não aconteça, quando a vida nos força a ser irmãos de Pierrot, sejamo-lo conscientemente, como fazem os palhaços do circo.
A vida ao fim e ao cabo é, em muitos aspectos o circo onde vivemos e onde passam aos nosso lado - e em cada dia - os palhaços bem vestidos!


O simbolismo existencial da estátua "O Desterrado" de Soares dos Reis


"O Desterrado"  escultura de Soares dos Reis
in, Revista "O Occidente" de 11 de Maio de 1889



Esta obra de charneira da estatuária portuguesa, de forma alguma se enquadra na definição que é dado pelo Dicionário ao homem que foi banido da Pátria ou que a si mesmo por qualquer motivo de ordem profissional ou outra qualquer, sente as dores do exílio, pelo que a adjectivação ou substantivação gramatical não faz aqui qualquer sentido, mas apenas se lhe pode dar em sentido figurado o que esta estátua pode sugerir, quando se fala do homem que dentro da sua própria Pátria está afastado de tudo e de todos vivendo o seu isolamento social.

Das muitas interpretações que lhe têm sido feitas merece exalar o cunho artístico que esteve presente na sua origem e no sentido que Soares dos Reis lhe quis imprimir através do cinzel burilador que foi adoçando a bruteza da pedra até lhe dar as linhas românticas da originalidade desta estátua.

Como não sou um estudioso científico de obras escultóricas o meu sentimento de homem vulgar, embora sensitivo por natureza leva-me a ver em "O Desterrado" a cabeça pendida em ar de desalento - na óptica como vejo - poder representar uma carga de um apurado simbolismo interior de ordem espiritual, onde o gesto das mãos pousadas sobre a perna direita permitem que o olhar dobrado sobre a parte esquerda do corpo fique completamente livre e, desse modo ao olhar o chão inseguro da sua vida, sinta que o chão onde põe os pés lhe fuja e de tal modo que já não sabe como erguer a cabeça e fazer frente a uma vida madrasta de onde fugiram os sentimentos mais nobres.

Desterrados assim, há mais do que pensamos...
Quantas vezes nos temos cruzado com eles?
Daí, pensar, que o obra de Soares dos Reis é uma alegoria que tende prestar homenagem a esses desterrados que vivem perto de nós e não damos por eles, especialmente, quando vivemos bem instalados...

Que o olhar desta bela estátua pousado num chão que lhe fugiu seja suficiente para acordar em nós a chama fraternal que por demais trazemos apagada, mercê da fartura que temos e que nos leva pela ânsia de ganhar muito a esquecer ou negar valores éticos que ao impor a sua "lei" são os geradores da tentação de o exercer no completo desprezo pelos direitos dos outros, na exploração dos que têm necessidade e sobre os quais não há lugar para um mínimo de regras de conduta social.

Na estátua, "O Desterrado" o olhar perdido da figura pode não ser, mas é crível que a alma do escultor tenha sido tocada pelos que se sentem desterrados, embora vivendo dentro do chão que os viu nascer.


Não vale cair na extravagância...




Aconteceu ontem na tribuna da Assembleia da República.

Vieira da Silva um dos homens bem conhecidos da política partidária alinhado na bancada do Partido Socialista que já representou em tarefas governamentais, nas ultimas palavras que disse, zurzindo no Governo acusou-o de estar, "do lado errado da história", apresentando razões para este epíteto, como homem probo que é e eu reconheço.
E o seu partido?
Esteve do lado certo da história quando em 2011 deixou Portugal à beira da bancarrota?

É que não vale cair na extravagância política, porque do "lado errado da história" estão há muito tempo o PS e o PSD, que em vez de unirem esforços - como aconteceu em 1983-1985 - se digladiam em lutas estéreis, enquanto Portugal espera por uma solução forte de governação.
Mas não há quem veja isto?

Estar do lado certo da história é estar, agora, como o Syriza - como parece estar o PS português - e olvidar o que se passou com o Pasok, o Partido Socialista grego membro do Partido Socialista Europeu e da Internacional Socialista?

Não senhor. Não vale cair na extravagância política e, muito menos, falar alto, porque quando temos culpas no cartório de nada adianta falar grosso... quando a voz soa a falsete, sobretudo quando se sabe que "do lado errado da história" esteve o PS dos últimos anos de governação quando já soavam campainhas de alarme e, parece,não ter havido dentro deste partido fundamental da Democracia portuguesa quem lhes ouvisse o tinir e continuasse a levar Portugal a caminho do abismo.

As pontes reais e as imateriais que é necessário fazer!



A Ponte de Ferreira na linha férrea do Douro
Gravura publicada pela Revista "O Occidente" de 21 de Fevereiro de 1884


1 - As pontes reais

Ao olhar esta gravura  - belíssima - da Ponte de Ferreira construída em 1885 em Campo (Valongo) com os seus quatro arcos de cantaria e o seu vão central vencido em perfilados de ferro sobre o rio Ferreira na depressão natural  da morfologia do terreno, a imagem do comboio que passa o que fez de mais importante naquela época - como vai acontecer sempre enquanto o génio do homem sentir a necessidade de ligar na horizontal os terrenos opostos - não foi elevar mais alto o olhar  para o maciço dos montes foi o alargamento dos horizontes.

Diz-nos a História que no lugar de Ponte Ferreira da freguesia do Campo se travou em 1832 a Batalha que ficou conhecida por Ponte Ferreira em resultado do confronto das tropas liberais e miguelistas, aquando do Cerco do Porto no decorrer da Guerra Civil (1828.1834) tendo a contenda ocorrido numa ponte de granito, antecedente desta ponte que no seu tempo foi uma bela obra de engenharia.


2 - As pontes imateriais

Por sobre os lamaçais alteia pontes, é deste modo que Florbela Espanca expressa o seu sentimento no soneto que se reproduz e, ainda, que as pontes de que ela nos fala não têm arcos de cantaria, nem vão de perfilados de ferro, foi, contudo, nas pontes reais de que ela se serviu para nos dizer que, se estas se erguem para que passemos a pé enxuto os lamaçais criados pela natureza, as pontes imateriais que o sentimento humano constrói permitem que passemos adiante e, de mãos dadas, passemos para a outra margem onde pode haver mais vida. É a este tipo de pontes que Florbela se refere com o sentimento próprio de quem foi uma singular artista da palavra.


A uma Rapariga
À Nice


Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste duma flor!...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor



Que não esqueçamos a necessidade da construção física das primeiras pontes aqui tratadas, mas, também, a necessidade imaterial da construção das segundas, que não tendo massa física, apesar disso, é com o pensamento bem arrumado onde moram as ideias que o homem só partindo do sonho é que se faz construtor das pontes físicas que ligam as margens acidentais do relevo natural do terreno para poder caminhar sempre em frente além dos montes - como diz Florbela na imagem que nos dá - e, por um impulso da alma quando se torna construtor das pontes imateriais faz delas a ligação com os outros homens que compartilham num mesmo espaço do tempo a alegria de se sentirem irmanados na construção de coisas onde paira, invisível, mas actuante O Ser Supremo que em vez de muros nos pede que façamos pontes que nos permitam sair do silêncio de nós mesmos.

Antoine de Saint Exupéry em "O Pequeno Príncipe" tem uma frase muito feliz sobre isto: As pessoas são solitárias porque constroem muros ao invés de pontes, algo que por ser tão importante, voltando ao soneto de Florbela, a Poetisa nos aconselha: Beija aqueles que a sorte te destina, algo que não podemos fazer se em relação ao outro não construirmos a ponte espiritual da aproximação humana.

E, depois, não esqueçamos.

A aproximação humana se se faz com esta ponte espiritual, para beijarmos aqueles que a sorte nos destina, quantas vezes, para que tal aconteça é preciso passar por cima das pontes - como a Ponte Ferreira - que serviu de mote no encadeamento do título deste apontamento.

Somos assim, chamados a ser eventuais construtores das pontes aqui referidas em primeiro lugar, mas sempre e em cada um dos dias de vida, construtores das segundas, das pontes que se não vêem mas é por elas que temos o dever humano de passar!
E disto Deus não nos dispensa!


terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Quem nunca pecou que atire a primeira pedra!



Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!
(Jo 8, 8)


O episódio bíblico da "mulher adúltera" é um dos mais conhecidos do Livro Sagrado.

De acordo com o texto, Jesus havia regressado do seu retiro no Monte das Oliveiras e antes do nascer do Sol estava junto do Templo, o lugar privilegiado onde os falsários doutores da Lei mosaica  - que pregavam e não faziam o que apregoavam - gostavam de O provocar escudados no oráculo  que guardara em temos idos a Arca da Aliança, antes do seu desaparecimento, ao que parece, quando Nabucodonosor invadiu o reino de Judá que abarcava a cidade de Jerusalém.

Naquela manhã, aos repelões e até por arrastamento, coberta de pó e de maus tratos colocaram aos pés de Jesus uma mulher apanhada em flagrante adultério, enquanto todos à uma fizeram uma roda sinistra apupando com injúrias a mulher, ao mesmo tempo que de dedos acusadores em riste, numa galhofa reles própria de homens que seguiam uma Lei onde faltava qualquer sinal de misericórdia invectivaram Jesus, a quem numa raiva mal contida lembraram a Lei, bem longe de saberem que Ele estava entre eles para a abrogar:

- Mestre, esta mulher foi apanhada a pecar em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou-nos matar à pedrada tais mulheres.
- E tu que dizes?

Para aqueles homens malsãos, desta vez, a armadilha ia resultar...
Jesus estava apanhado!
A armadilha - mais uma! - não tinha escapadela.
A Lei falava bem alto!

Mas tal não aconteceu. 
Dobrando-se sobre si mesmo, postando-se bem junto da mulher ajoelhada a seus pés, enigmaticamente, com um dos dedos da mão começou a escrever no chão, sem que os fariseus cessassem de o interpelar, até que, num dado momento, erguendo-se e olhando-os de frente - de cara a cara - disse-lhes:

- Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!

Foi uma pedrada no charco imundo daqueles homens impuros...
E, de novo, tendo-se inclinado continuou a escrever no chão e sem ter dito mais uma palavra deu que, um por um, aqueles acusadores assanhados - a começar pelos mais velhos, portanto, os que mais se sentiram atingidos por aquilo que Jesus dissera - saíram todos até restar no largo fronteiro do Templo, Jesus e a mulher adúltera.

Foi, então, que Ele se ergueu e tendo convidado a mulher a fazer o mesmo, cheio de doçura no olhar e com modo brando, perguntou-lhe:

- Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou? - ao que ela respondeu:
- Ninguém, Senhor.

Foi então, que cheio de misericórdia exclamou:

- Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar.

Alguns exegetas declaram que a mulher que Jesus protegeu de ter tido uma morte selvagem pelo apedrejamento, era Maria Madalena que os textos bíblicos relatam não mais ter deixado de acompanhar Jesus.

Tendo acreditado que Ele era o Messias não deixou de estar presente no Calvário, tendo sido ela que no sábado após a crucificação rumou a Jerusalém para comprar perfumes com a finalidade de preparar o Corpo de Jesus, como era na época um costume funerário, tendo-lhe cabido a tarefa da ida ao sepulcro e, embora, o tivesse encontrado vazio consolou-se com a dita de ter sabido que o Mestre tinha ressuscitado indo a correr levar a grande notícia - a causa da nossa crença - aos apóstolos. 


Maria Madalena - in, Wikipédia


Este episódio bíblico levou-me a meditar o seguinte:

Jesus usou a "arma" do amor misericordioso e a "arma" primorosa de não ter acusado ninguém... nem mesmo os acirrados carrascos daquela mulher que se foram retirando de consciência pesada e, desse modo abalou todos os circunstantes, quer os acusadores como a pessoa que era acusada, ou seja, com a sua acção chegou a todos, levando-os a repensar as atitudes que seguiam e pelas quais distorciam os valores que qualquer sociedade deve ter e se cingem no encontro de cada um consigo mesmo para que Deus que lhes dá a liberdade total de O aceitar ou não - aceitando-O -  possa encontrar um terreno mais propício para plantar as suas vides.

Jesus - devemos repetir - nesta cena fundamental do Evangelho exerceu o sonho missionário e chegar a todos, precisamente aquilo que o SÍNODO LISBOA 2016 nos pede no tempo que passa, o que nos leva a pensar que é sempre a força do Espírito Santo que conduz a História dos homens que vivem centrados com Deus.

Com efeito, neste momento, vivemos uma caminhada sinodal em que está empenhada a Diocese de Lisboa cujo tema central "é o sonho missionário de chegar a todos" um facto que me fez meditar que é possível "chegar a todos" se todos nos empenhamos em seguir o modo como Jesus conseguiu chegar por dentro não só dos fanáticos doutores da Lei, como, sobretudo, daquela mulher, sem que, para aquilo que aconteceu, Ele que é dono e Senhor de toda a Doutrina tivesse utilizado frases de um qualquer compêndio doutrinal, mas tão só o modo como agiu, utilizando a compreensão e o amor que nos deve merecer sempre aquele que se desviou do caminho por causas onde, muitas vezes, a culpa começa em nós mesmos, fazendo que o acusador seja o grande culpado.

E isto conduziu-me a algo que me parece muito importante: 

O primeiro Evangelho que nos compete transmitir ao outro - tendo em conta o modo cheio de ternura humana como Jesus actuou - para que tal posa acontecer connosco pode não ser, falar do Livro Sagrado em primeiro lugar e muito menos fazê-lo exaustivamente usando a sua Palavra Eterna que jamais passará, mas antes, termos à saciedade nos gestos e nos modos como agimos perante o semelhante o influxo imaterial que existe dentro de nós e nos impele, sem que haja nisto qualquer afectação - que é um erro que se comete - e, portanto, mostrar ao outro a diferença que transportamos pelo modo como nos comportamos, sejam ou não religiosos os nossos modos, porque estes, mesmo quando o não parecem ser, já o são, pelo facto de Deus morar no coração de todas as criaturas.

Jesus deu-nos este exemplo.

Não usou Palavras de uma bem elaborada oratória sagrada e podia tê-lo feito, porque Ele melhor que ninguém sabia o modo de a expressar.
Não fez isso.
Utilizou palavras simples mas carregadas de humanidade a começar com as que dirigiu aos doutores da lei que se foram dali envergonhados de si mesmos e, do mesmo modo, com a mulher pecadora a quem disse: 

 Vai e de agora em diante não tornes a pecar.

Não sabemos se os fariseus se converteram. Sabemos que se retiraram.
Quanto à mulher é o que se sabe, 
É uma Santa a quem a Igreja dedica o dia 22 de Julho como Memória Obrigatória


segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Para alguém sou o lírio entre os abrolhos!



Gravura publicada pela Revista "O Occidente" 
de 21 de Junho de 1883



Todos nós e, neste caso, especialmente os homens, são para as suas mães o lírio entre os abrolhos, mas como ninguém, Gonçalves Crespo (1846-1883), falecido quase na mocidade, soube cantar - à sua mãe - esta ternura de se sentir assim e ser para ela - uma mestiça escrava casada com um comerciante português radicado no Brasil -  a vida e a luz dos olhos.

Gonçalves Crespo no pouco tempo que viveu em Portugal - apenas 27 anos e onde  se formou em Direito e exerceu o jornalismo e deu asas leves à sua veia de Poeta centrada na escola parnasiana - teve a dita do público português que o estimava ter apreciado as suas "Obras Completas" publicada pela sua própria mulher, Maria Amália Vaz de Carvalho.

Como homenagem ao Poeta que admiro desde a minha juventude, neste momento em que a curva da vida se vai acentuando, deixo ficar das "Miniaturas" algumas composições, a começar por esse "ALGUÉM", a sua mãe brasileira que ele imortalizou num soneto de uma inspiração que só acontece aos homens que Deus fadou para serem exemplos e testemunhos da vida que viveram e da Vida que ele sempre viu existir na mística toada que ele ouvia quando rezava  "O ROSÁRIO", uma outra das suas celebradas composições poéticas onde o etéreo desfiar lhe mostrava presa nos seus dedos a Cruz ebúrnea onde agonizava o Cristo.

Eu curvo-me, respeitosamente, por quem - como ele - viu e sentiu daquele modo o Cristo do Calvário!


ALGUÉM

Para alguém sou o lírio entre os abrolhos,
E tenho as formas ideais de Cristo;
Para alguém sou a vida e a luz dos olhos,
E, se na Terra existe, é porque existo.

Esse alguém, que prefere ao namorado
Cantar das aves minha rude voz,
Não és tu, anjo meu idolatrado!
Nem, meus amigos, é nenhum de vós!

Quando, alta noite, me reclino e deito,
Melancólico, triste e fatigado,
Esse alguém abre as asas no meu leito,
E o meu sono desliza perfumado.

Chovam bênçãos de Deus sobre a que chora
Por mim além dos mares! esse alguém
É de meus olhos a esplendente aurora;
És tu, doce velhinha, ó minha mãe!

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O ROSÁRIO

Quando à noite contemplo taciturno
estas contas antigas, o rosário
das minhas orações,
vejo em minh'alma o poema legendário
dos velhos tempos das longínquas eras
de santas devoções.

A cruz ebúrnea, onde agoniza o Cristo,
é de um lavor subtil que nos revela
um génio magistral,
obra de monge em merencória cela,
piedoso artista há muito adormecido
em velha catedral.

Tem séculos; talvez que nestes contas
passasse outrora suas mãos esguias
a castelã senil,
pensando triste nos saudosos dias
em que a seus pés um menestrel vibrava
o mimoso arrabil.

Talvez que este rosário minorasse
as saudades da noiva lacrimante
que debalde esperou
em cada nau, que vinha do Levante,
o seu donzel amado que partira
e nunca mais voltou.

Sobre a cota de um jovem cavaleiro,
que o beijava por noite estreladas
pensando em sua mãe,
ele assistiu às guerras das cruzadas,
atravessou talvez a Terra Santa
e viu Jerusalém.

Talvez alguma freira, em triste claustro,
de seus anos na doce primavera
só dele confiou
seus loucos sonhos de falaz quimera,
e, apertando o rosário ao peito ansioso,
consolada expirou.

Isto o que leio no rosário antigo;
e, quando melancólico lhe beijo
as contas de marfim,
no ar escuto indefinido arpejo,
e então a crença, a mística toada,
murmura dentro em mim.

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A SESTA

Na rede, que um negro moroso balança,
qual berço de espumas,
formosa crioula repousa e dormita,
enquanto a mucamba nos ares agita
um leque de plumas.

Na rede perpassam as trémulas sombras
dos altos bambus;
e dorme a crioula, de manso embalada,
pendidos os braços da rede nevada
mimosos e nus.

Na rede, suspensa dos ramos erguidos,
suspira e sorri
a lânguida moça, cercada de flores;
aos guinchos dá saltos na esteira de cores
felpudo sagui.

Na rede, por vezes, agita-se a bela,
talvez murmurando
em sonhos as trovas cadentes, saudosas,
que triste colono por noites formosas
descanta chorando.

A rede nos ares do novo flutua,
e a bela a sonhar!
Ao longe nos bosques escuros, cerrados,
de negros cativos os cantos magoados
soluçam no ar.

Na rede olorosa... Silêncio! Deixai-a
dormir em descanso!...
Escravo, balança-lhe a rede serena;
mestiça, teu leque de plumas acena
de manso, de manso...

O vento que passe tranquilo, de leve,
nas folhas do ingá;
as aves que abafem seu canto sentido;
as rodas do «engenho» não façam ruído,
que dorme a sinhá!


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UM NÚMERO DE 
INTERMEZZO

Ria tomando o chá em torno à mesa
Da Sociedade a flor;
E no campo de estéticas opostas
Discutia-se o Amor.

«O amor deve ser etéreo e puro»,
O conselheiro diz:
Sorrindo a conselheira um ai! abafa
Com gestos de infeliz.

Diz o cónego: «o amor destrói, mas quando
Sensual, já se vê!»
A donzela pergunta ingenuamente:
«Reverendo, porquê?»

A condessa murmura em voz dolente:
« O amor é uma paixão.»
E lânguida uma chávena oferece
Ao pálido barão.

Era vago um lugar em torno à mesa
Era o teu, minha flor!
Tu, só tu, poderias, se quisesses.
Dizer o que era Amor!

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