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domingo, 1 de novembro de 2015

"O vil metal"



O dinheiro tornou-se o vício do século. 

A forma moderna do Maligno e da sua maldição. Era o instrumento que teria permitido construir a felicidade. Não passa do poder anónimo que pretende substituí-la. Fazendo do dinheiro um fim, o homem tornou-se seu escravo. Neste mundo apaixonado pelo “igualitarismo” nunca tirano algum foi tão absoluto. 

O dinheiro exige tudo, permite tudo, apaga tudo. Extravagâncias ou decadências. Já não se conhece outro caminho para ser feliz a não ser o esforço de enriquecer. Nem outra esperança, nem outro amor. É preciso exorcizar o dinheiro. 

Desintoxicar as suas vítimas: os egoístas, tão pobres e tão sós, os saciados, em equilíbrio sobre as suas pseudo fortunas, ruínas que nada mais temem que a ruína. Eu não vos peço que pagueis um resgate, mas que vos empenheis. Cessai de acreditar que o dinheiro pode bastar a tudo e que o dom de um pouco do vosso supérfluo vos dispensa do amor.

 (R. Follereau) - captado de "O Astrolábio" de 1 de Novembro de 2015

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O filósofo Schopenhauer tem no pensamento que ilustra o texto que se reproduz uma síntese muito feliz sobre os que fazem do dinheiro o bem supremo, afirmação que teve em Raoul Follereau um intérprete empenhado - olhando a miséria dos leprosos que ajudou a viver - com o dinheiro do amor humano que chegava à sua Instituição, que era para ele a maior riqueza do Mundo vinda do supérfluo das almas boas que conheceram a sua Obra.

Ao invés destes, há os que, enfileirados nos egoísmos seguem a marcha da vida por outros caminhos e outra metas. São os que lhe mereceram esta frase:

Já não se conhece outro caminho para ser feliz a não ser o esforço de enriquecer.

E é isto que me deixa a pensar no bem que fazem todos aqueles que da parte do dinheiro que têm ajudam a viver os que pouco ou nada possuem, quer ajudando anonimamente o próximo ou fazendo-o, institucionalmente, em obras de apoio à comunidade.
E é, ainda, pensando nos que fazem o esforço de enriquecer que, lhes proponho este poema de Pedro Homem de Melo, que é na sua análise crua - mas certeira - uma crítica aos que bem precisavam de ser desintoxicados, como sugere Follereau.


Dinheiro

 Quem quiser ter filhos que doire primeiro
 A jarra onde, inteira, caiba alguma flor!
 Ai dos que têm filhos, mas não têm herdeiro!
— Dinheiro! Dinheiro!
 Ó canção de Amor!

 As noivas sorriem, talvez, aos vinte anos.
 Os amantes sonham... Sonho passageiro!
 Música de estrelas: Ética de enganos;
 Ilusões, perdidas depois dos vinte anos..
 E logo outras nascem: Dinheiro! Dinheiro!

 Teus pais, teus irmãos e tua mulher
 Cercarão teu leito de herói derradeiro
 (Ai de quem, ouvindo-os, nada lhes trouxer!)
 E hão-de ali pedir-te o que o mundo quer:
— Dinheiro! Dinheiro!

 Deixa-lhes os versos que um dia fizeste,
 Amarrado ao lodo, porém verdadeiro.
 E eles te dirão: — Pássaro celeste,
 Morreste? Morrendo, que bem que fizeste!

 Ó canção de amor!
 Dinheiro! Dinheiro!

                                                          in "Os Amigos Infelizes"


Na parte final do texto de Follereau a última frase termina assim: Cessai de acreditar que o dinheiro pode bastar a tudo e que o dom de um pouco do vosso supérfluo vos dispensa do amor, levando-nos a sentir no poema de Pedro Homem de Melo que a personagem do seu poema - que parece, nem do supérfluo ter dado nada a ninguém - no fim, sarcásticamente, destinada a ele, veio a conclusão final: 

Morrendo, que bem que fizeste!

Eis, porque, Schopenhauer tem toda a razão quando diz, advertindo-nos:

O dinheiro é uma felicidade humana abstracta.

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