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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A Cidade do Sonho - Um poema de António Feijó



A Cidade do Sonho

Sofres e choras?  Vem comigo! Vou mostrar-te
O caminho que leva à Cidade do Sonho...
De tão alta que está, vê-se de toda a parte,
Mas o íngreme trajecto é florido e risonho.

Vai por entre rosais, sinuoso e macio,
Como o caminho chão duma aldeia ao luar,
Todo o branco a luzir numa noite de estio,
Sob o intenso clamor dos ralos a cantar.

Se o teu ânimo sofre amarguras na vida,
Deves compreender essa jornada louca;
O Sonho é para nós a Terra Prometida:
Em beijos o maná chove na nossa boca...

Vistos dessa eminência, o mundo e as suas sombras,
Tingem-se no esplendor dum perpétuo arrebol;
O mais estéril chão tapeta-se de alfombras,
Não há nuvens no céu, nunca se põe o sol.

Nela mora encantada a Ventura Perfeita
Que no mundo jamais nos é dado sentir...
E a um beijo só colhido em seus lábios de Eleita,
A própria dor começa a cantar e a sorrir!

Que importa o despertar? Esse instante divino
Como recordação indelével persiste;
E neste amargo exílio, através do destino,
Ventura sem pesar só na memória existe...

in, "Sol de Inverno"


Todo o homem em si mesmo é um mundo por aquilo que de si mesmo representa para a colectividade, como por aquilo que dela recebe e por tudo quanto transporta na asa do sonho baseado nas esperanças e recordações de que enche a vida.

Estas últimas jamais morrem, antes desaparecem no grande mistério do subconsciente para surgirem, um dia, vivas, no primeiro abalo que se sente e é então que chega o momento em que na luta contra um qualquer desânimo, o que resta ao homem é a procura no sonho - que é sempre um devaneio da alma - um refrigério para ser ultrapassado o momento do embate contra os percalços da vida.

O Poeta António Feijó, nesta poesia, a que chamou cuidadosamente - "A Cidade do Sonho", tendo em conta que o homem, especialmente, o que faz da espiritualidade uma vivência primordial com o mundo, é convidado a ir com ele até à Cidade do Sonho que ele apresenta situada numa certa altura, donde é possível a partir dela ver o íngreme trajecto - ou seja, a "monte" da vida - que o Poeta diz, apesar da subida ser florido e risonho.

Sente-se, quase se apalpa a espiritualidade do Poeta retratada no convite que faz àquele seu semelhante dorido: Vem comigo! - para depois lhe dizer: O Sonho é para nós a Terra Prometida, para deixar expresso o seu pensamento naquele povo bíblico que sob a condução de Moisés - apesar dos muitos trabalhos que sofria pelos caminhos do Sinai - tinha a esperança, como aconteceu de encontrar a Terra Prometida.

E é aqui que reside o caminho do devaneio - é certo - mas que nos compete seguir em dados momentos da vida, sabendo, que se o homem porfiar por cima de todos os penedos do caminho - fazendo desse propósito um Sonho - há-de chegar a um lugar sem nuvens no céu, e, mesmo de noite, o "sol da esperança" não deixará de brilhar.

Vale, por isso, o último verso: Ventura sem pesar só na memória existe... pelo que a Terra Prometida de que António Feijó nos fala, é, afinal, a que todo o homem, por muitos que sejam os trabalhos, tem de alcançar, e sem qualquer rebuço, aceitar o convite do Poeta: Vem comigo! - e fazer dele - o convite que um qualquer de nós tem o dever de fazer ao outro homem - sobretudo ao desanimado.

Vem comigo à Cidade do Sonho. Nela é que mora a Ventura Perfeita, pelo que não foi por acaso que um outro Poeta, Sebastião da Gama disse: Pelo sonho é que vamos... entendido o "sonho" como uma forma de viver acordado, em cima da vida, em luta com ela.

Há neste poema - espiritualíssimo - um desejo de ânimo como um dever que deve ser seguido, porque no subconsciente dos seres humanos - que podem ser chamados santos pela suas lutas com a vida - embora adormecidas, estão vivas as recordações de tempos melhores, quando no mais estéril chão da suas existências eles foram vistos coberto de alfombras, ou seja, de tapetes verdes por onde apetecia passar... e se passou!

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