Desde longa data
que se reconhece a dificuldade de o homem se vencer a si próprio. No século
XVII, D. Francisco Manuel de Melo afirmava na sua célebre - "Epanáfora
Amorosa - que os "homens são eficacíssemos em obrar segundo sua condição,
e remissos quanto a ela".
O autor do livro
cuja capa se reproduz - Mário Gonçalves Viana - escreveu em 30 de Setembro de
1955 no Diário de Coimbra, o seguinte, tendo como ponte a afirmação anterior:
Há, porém, uma
coisa essencial que o homem esquece, quase sempre. Pretende descobrir a maneira
de vencer os outros, vendo, neles émulos, competidores, rivais, adversários ou
inimigos que urge humilhar, superar, por de lado ou aniquilar e, para o efeito,
procura tornar-se forte e poderoso.
No entanto
esquece um pormenor básico desta sua formação. Adestra-se para vencer os outros
e não procura aprender a vencer-se a si próprio: a vencer os seus defeitos, a
vencer as suas paixões malsãs, a vencer os seus maus instintos, a vencer os
seus impulsos irreflectidos...
Muitas ocasiões, o maior "adversário" ou "inimigo" está dentro do próprio indivíduo! Para ser verdadeiramente forte cada homem precisaria de começar por se vencer a si próprio.
Muitas ocasiões, o maior "adversário" ou "inimigo" está dentro do próprio indivíduo! Para ser verdadeiramente forte cada homem precisaria de começar por se vencer a si próprio.
Estas duas reflexões, pertinentes sob qualquer ângulo de análise, leva-nos a concluir que se na psicologia humana existe latente, como um dever, que cada homem deve cumprir consigo mesmo pelo facto de existir, a sua acção empenhada na melhoria do Mundo, sobretudo, na parte ínfima onde vive diariamente, tal desiderato tem de o levar a debruçar-se sobre si mesmo, pela incógnita humana que cada um representa para o seu companheiro de jornada.
Fala-se, hoje, de uma certa crise de valores, mas se ela existe - e de facto assim é porque se perdeu em parte o respeito pela vida humana, tal facto fica-se a dever à falta civilizacional das sociedades humanas, mantendo com espírito forte o "animal feroz que está dentro de nós" - como afirma Tihamer Toth - o que pressupõe que cada homem, antes de enfrentar o outro, especialmente, quando o quer humilhar, deve enfrentar-se a si mesmo.
É, pois, com toda a verdade humana que Fernando Pessoa nas suas "Reflexões Pessoais", quando diz que a sociedade mora dentro de si mesmo, declara, assim:
Para o homem superior
não há outros. Ele é o outro de si próprio. Se quer imitar alguém, é a si
próprio que procura imitar. Se quer contradizer alguém, é a si mesmo que busca
contradizer.
Procura ferir-se, a si próprio, no que de mais íntimo tem... faz
partidas às suas próprias opiniões, tem longas conversas cheias de desprezo e
com as sensações que sente. Todo o homem que há sou Eu. Toda a sociedade está
dentro de mim. Eu sou os meus melhores amigos e os meus verdadeiros inimigos. O
resto - o que está lá fora - desde as planícies e os montes até às gentes -
tudo isso não é senão paisagem..
E, por isso, faz todo o sentido a pergunta de Joseph Charles Philphot, que perece ter-se insinuado no pensamento de F. Pessoa, por ter perguntado:
Mas Quem é o Nosso Maior
Inimigo?
O orgulho de nosso coração,
a presunção de nosso coração,
a hipocrisia de nosso coração,
o egoísmo intenso de nosso coração,
estão muitas vezes ocultos a nós.
Este diabo astuto, egoísta, pode usar tais
máscaras e assumir tais formas.
Esta serpente, o ego, pode então arrastar-se e
rastejar,
pode assim torcer e distorcer, e pode se disfarçar
sob tais aparições falsas,
que muitas vezes estão ocultas a nós.
Quem é o maior inimigo que temos a temer?
Todos nós temos os nossos inimigos.
Mas quem é o nosso maior inimigo?
Aquele que você carrega no seu próprio seio -
diariamente,
de hora em hora, e sempre presente
companheiro,
que se entrelaça em quase todos
os pensamentos do seu coração - que . . .
às vezes incha com orgulho,
às vezes inflama com a luxúria,
por vezes, infla com a presunção, e
às vezes trabalha sob a humildade fingida de
uma santidade carnal.
Deus está determinado a derrubar a soberba da
glória humana.
Ele nunca vai deixar o ego
(que é apenas uma outra palavra
para a criatura)
usar a coroa da vitória.
Deve ser crucificado, negado, e mortificado.
Agora, este ego deve ser vencido.
O caminho para vencer o ego
é olhar para este ego sendo
lançado fora
por Aquele que foi crucificado
no Calvário -
para receber Sua imagem em seu
coração
- para ser vestido com a Sua semelhança –
beber de Seu espírito -
e "receber da Sua plenitude graça sobre
graça."
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Porque será que andamos esquecidos disto?
Meu Deus, a quanto tempo procuro uma leitura tão rica e bem escrita como essa. Parabéns pelo seu trabalho, algo realmente ímpar em meio a tantas coisas vans que são produzidas atualmente
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