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sábado, 14 de novembro de 2015

"Estou a envelhecer, Senhor"!


A foto é elucidativa!
Há vidas velhinhas que até ao fim correm sempre atrás da vida!


Do livro "Caminhos de Oração" de Michel Quoist, transcreve-se este texto de grande profundidade humana a par do divino de que o celebrado autor a veste, deixando ficar em cada asserção a certeza que a vida humana gasta pela velhice não é inútil.

Há neste texto dois diálogos: - o do velhinho ao Senhor - e o outro de resposta - do Senhor ao velhinho - e é na resposta que está patente o que de facto existe e é verdade.
Sois necessários e a todos os vossos irmãos.. e Eu preciso de vós, hoje... pelo que, quando olho a velha fotografia que se reproduz, só eu sei, como aquele velhinho que corria atrás da vida - que a menina representa - quão útil foi para ela a sua existência, num tempo em que sem poder acompanhar o seu passo, não a perdeu de vista, pela guarda que lhe competia fazer daquela vida em botão.


Estou a envelhecer, Senhor.
e é duro envelhecer!

Já não consigo correr,
nem sequer andar depressa.
Já não consigo levar pesos
e subir rapidamente a escada da minha casa.
As minhas mãos começam a tremer
e os meus olhos depressa se cansam
sobre as páginas do livro.
A minha memória fraca e rebelde esconde-me
datas e nomes
que tão bem conhece.

Estou a envelhecer, e os laços de afeição criados
ao longo dos muitos anos passados
soltam-se um a um
e às vezes desatam-se.
Tantas pessoas conhecidas,
Tantas pessoas amadas
Se afastam e desaparecem
no outro lado do tempo.
Que o primeiro olhar que lanço ao jornal diário
é para procurar, inquieto, os nomes da necrologia.
Cada dia me sinto, Senhor,
um pouco mais só.
Só com as minhas recordações
E as minhas dores passadas,
que sempre o meu coração
mantém vivas,
enquanto as alegrias me parecem
muitas vezes ofuscadas.

Senhor, compreende-me!
Tu, que queimaste a Tua existência
em trinta e três anos intensos,
não sabes o que é envelhecer lentamente,
e estar aqui
com a vida a escapar-se, implacável
deste pobre corpo ferrugento,
velha máquina de rolamentos emperrados
que se recusa a funcionar.
E estar aqui, sobretudo,
e esperar.
Esperar que o tempo passe.
Um tempo, que às vezes, se escoa tão lentamente,
que parece desprezar-me, dançar, arrastar-se
diante de mim,
à minha volta,
sem querer dar lugar à noite que vem
e me permite, enfim, dormir.

Senhor, como acreditar que o tempo de hoje
seja o mesmo do tempo antigo.
Aquele que corria tão depressa em certos dias,
certos meses,
tão depressa que eu não conseguia apanhá-lo
e se me escapava
antes que eu pudesse enchê-lo de vida?

Hoje tenho tempo, Senhor,
tempo demais,
tempo que se me amontoa em redor,
inutilizado.
E eu estou aqui, imóvel
e não sirvo para nada.

Estou a envelhecer Senhor,
e é duro envelhecer.
a ponto de alguns dos meus amigos, eu sei-o,
Te pedirem muitas vezes que termine esta vida,
que se tornam, pensam eles,
doravante inútil.


Eles estão enganados, meu filho, diz o Senhor,
e tu, também,
pois embora o não digas,
vezes há em que concordas com eles.
Sois necessários
a todos os vossos irmãos.
E  eu preciso de vós, hoje,
como precisava ontem.
Porque um coração que bate, por mais cansado que esteja,
dá ainda a vida
ao corpo que habita.

E o amor pode brotar, nesse coração,
mais poderoso e mais puro
quando o corpo fatigado lhe dá por fim lugar.
Certas vidas sensacionais,
meu filho,
podem estar vazias de amor,
enquanto outras
que parecem banais
irradiam amor até ao infinito.

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O diálogo é puramente espiritual.

Pertence àquele aspecto metafísico em que a sobrenaturalidade que ele tem o torna possível, porque na filosofia das ideias que moram bem longe das sebentas académicas, existem diálogos destes em que, os homens alquebrados pelos anos num queixume natural podem dizer, estou aqui, mas... - não sirvo para nada - podem receber da divindade a quem se dirigem esta consolação -  preciso de vós, hoje - porque há coisas para fazer.

E, quantas vezes, essas coisas, são feitas através dos que não sendo - vidas sensacionais - daquelas que costumam encher as páginas dos jornais ou abrem os noticiários da Rádio ou da TV, parecendo ser vidas banais irradiam amor até ao infinito?


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