De um diaporama recebdido
Padre António Vieira
(...)
Antigamente convertia-se o Mundo, hoje porque
se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos,
antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra são tiros sem bala;
atroam, mas não ferem. A funda de David derrubou o gigante, mas não o derrubou
com o estalo, senão com a pedra: Infixus
est lapis in fronte ejus. As vozes da harpa de David lançavam fora os
demónios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas com a boca, eram
vozes formadas com a mão: David tollebat
citharam, et percutiebat manu sua.
Por isso Cristo comparou o pregador ao semeador. O pregar que é falar faz-se
com a boca; o pregar que é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento,
bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras. Diz o Evangelho
que a palavra de Deus frutificou cento por um. Que quer isto dizer? Quer dizer
que de uma palavra nasceram cem palavras? -- Não. Quer dizer que de poucas
palavras nasceram muitas obras. (...)
in, parte IV do Sermão da Sexagésima, pregado na
Capela Real no ano de 1655
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