Provenho de uma gente
E de um povo
Que para seguir em frente
Do velho moldou o novo...
Provenho do culto antigo
Que entre as alvas penedias
Fazia crescer o trigo
E até os próprios dias...
Provenho da raça dura
Das gentes da Serra, sadias,
Que matavam a’margura
Com as poucas alegrias!
Provenho das suas raízes...
Daquelas que iam ao fundo
Beber a força da vida.
Provenho daí, dos matizes
De uma vivência sofrida
Na terra dura de antanho...
Provenho daí, desse mundo!
É desse povo que venho
Que da força que guardou
Fez com amor o presente
Sem matar o que passou!
E é esta viva lembrança
Terna, firme e comovida
Que trago desde criança
E levo ao limite da vida!
Este povo de onde venho, durante, pelo menos cinco séculos arroteou as terras que haviam e ainda há - mas incultas - no fundo do vale e, com a força que foi necessária para agricultar o sustento, aplanou as encostas dos montes, criando aprazíveis socalcos, para os quais num obra rudimentar de engenharia agrícola, conduziu através de levadas, pela lei da gravidade, as águas da ribeira que iam buscar a centenas de metros em cotas mais elevadas, deixando-as depois correr para ao nível do povoado, para ali irrigarem a amplitude farta das terras da várzea.
Este povo de onde venho, iletrado mas sábio, ensinou-me de como é possível viver feliz entre montes a ouvir na Primavera o chilrear dos pássaros e no Inverno o uivo dos ventos.
Este povo de onde venho - onde nunca se constou haver um ladrão ou um assassino - ensinou-me que a honradez é a primeira das virtudes seculares e que todas as outras se honrarem a primeira, permitam que se viva feliz - e até poder sonhar como novos mundos - levando para eles o arreganho bebido nos primeiros ares que chegaram purificados pelo atravessamento das agulhas dos pinheiros.
Este povo de onde venho que pastoreou rebanhos de gado, que teve carros de bois, que se descobria ao toque das Trindades, que cantava "modas" singelas e que aos Domingos, depois de cumpridos os deveres de honrar o Senhor Deus, se juntava ao fim da tardes num dos terreiros para dançar ao toque da "gaita de beiços" ou da concertina, já não existe, mas é destas lembranças que continua a viver, porque é desse influxo - como se fosse um mistério - que os actuais descendentes se irmanam em sentimentos que só a força dos avoengos explicam no tempo que passa.
Este povo de onde venho, não o quero esquecer, e é lá, naquele pequeno espaço ali plasmado entre montes que ainda hoje - já velho - costumo ir para lembrar coisas que passaram, para com elas revigorar, não só lembranças antigas mas para me sentir uma raiz ali fundada e que nunca se deixou transplantar, porque foi no chão sadio da minha casa da aldeia - hoje remodelada - que eu sinto que a árvore humana que sou continua a viver pela seiva que a raiz lhe continua a dar.
Este povo de onde venho não é só uma saudade...
É uma Oração que ficou!
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