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segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Partida - Um poema de Soares de Passos



PARTIDA

Ai, adeus! acabaram-se os dias
Que ditoso vivi a teu lado;
Soa a hora, o momento fadado:
É forçoso deixar-te e partir.
Quão formosos, quão breves que foram
Esses dias d'amor e de ventura!
E quão cheios de longa amargura
Os da ausência vão ser no porvir!

Olha em roda estas margens virentes:
Já o outono lhe despe os encantos;
Cedo o inverno com gélidos mantos
Baixará das montanhas dalém.
Tudo triste, sombrio, e gelado,
Ficará sem verdura nem flores:
Tal meu seio, privado d'amores,
Ficará de ti longe também.

Não sei mesmo, não sei se o destino
Me dará que eu te abrace na volta...
Ai! quem sabe onde a vaga revolta
Levará meu perdido baixel?
Sobre as ondas, sem norte, e sem rumo,
Açoutado por ventos funestos,
Sumirá por ventura seus restos
Nas voragens d'ignoto parcel.

Mas ah! longe esta ideia sombria!
Longe, longe o cruel desalento!
Após dias d'amargo tormento
Virão dias mais belos talvez.
Dá-me ainda um sorriso em teus lábios,
Uma esp’rança que esta alma alimente,
E na volta da quadra florente
Eu coas flores virei outra vez.

Mas se as flores dos campos voltarem
Sem que eu volte coas flores da vida,
Chora aquele que em tumba esquecida
Dorme ao longe seu longo dormir;
E cada ano que o sopro do outono
Desfolhar a verdura do olmeiro,
Lembra-te ainda do adeus derradeiro,
Deste adeus que te disse ao partir!

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Soares de Passos morreu na flor da idade.

Tinha 34 anos e a grande qualidade da sua poesia é a verdade dos sentimentos que soube derramar sobre tudo aquilo que escreveu, numa época em que a politica em Portugal era uma convulsão de interesses mesquinhos, onde a Nação de pouco valia e só tinham valor as disputas do Poder.

Era ainda menino, mas em 1829 - tinha ele três anos - os acontecimentos políticos estavam desabridos com o enforcamento de nove inimigos de D. Pedro IV, na antiga e desaparecida Praça Novas das Hortas - hoje Praça da Liberdade, onde está a estátua do segundo filho varão de D. João VI - tendo esta carnificina resultado das lutas para impor no trono a sua filha, rainha D: Maria II.

Foi, efectivamente, um tempo que marcou, sobremaneira, a adolescência e o tempo de adulto de Soares de Passos, pelo que não nos pode admirar que os seus poemas sejam o reflexo da angústia que sentia ao olhar a sociedade, com ênfase par o seu Porto, aliando-se a este desencanto o sofrimento com a sua abalada saúde, pelo que muito da sua poesia é o reflexo do modo como ele enxergava o mundo que deixou, minado pela tuberculose em 1860.

Este poema, que pode sugerir a despedida de um emigrante para um qualquer País estrangeiro não configura nada disso, pois a personagem que aparece ao leitor desprevenido é a dele mesmo.

É Soares de Passos que está ali de corpo inteiro, no ano de 1853 quando partiu para Coimbra com o fim de se matricular no quinto ano jurídico, cujas aulas só passaria a frequentar no mês de Novembro, mercê da doença, tendo o poema PARTIDA sido escrito pelos pressentimentos da morte breve que se atravessaram, dentro de si, num misto de recordação e saudade.

O que nesta poesia está escrito é uma elegia com toda a carga da tristeza que Soares de Passos sentia, até pela turbulência da vida académica de Coimbra, entretanto surgida como resultado a situação política caótica, no ano de 1854, em que acabou a sua formatura.

O poema foi publicado em 1855 na "Grinalda" vol. I - pág. 99, um jornal de então dedicado à poesia e de que era proprietário o seu amigo Nogueira Lima.

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