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sábado, 21 de novembro de 2015

Os ourives da palavra: Saudade

De um diaporama recebido

Nota: reflexão de Camilo Castelo Branco a uma poesia - A Minha Crença - 
do seu amigo e confidente de Viana do Castelo, José Barbosa e Silva.


A saudade!... Que sentimento e que palavra! Que doçura e que fel exprime! Que suave melancolia e que pungente desesperação revela! Não haverá, talvez, na língua humana palavra que melhor exprima as últimas gotas de seiva que nutrem o coração arado pelos desenganos e descrida da esperança em venturas deste desterro! Nem para o desgraçado há outra seiva que lhe faça abrolhar no coração a cândida flor da fé, pálido reflexo do formoso jardim de fores esperançosas, esfolhadas pelos ventos tempestuosos das paixões.

É então a saudade sublime de mágoa; e, se a sua doce irmã, a carinhosa esperança, não enxugasse as lágrimas do homem, a vida seria um lento agonizar, e a morte a consolação do ateu.

Há, porém, uma saudade, estremecida filha do céu, e embalada connosco no nosso berço de infância. Brincámos com ela no colo de nossas mães, ouvimos-lhe melodias que os anjos lhe emprestaram, beijámo-la em nossos sonhos, tememo-la em nossos temores infantis, viemos abraçados com ela até às portas do mundo, e ai... perdemo-la, chamamo-la em vão e lamentamo-la para sempre perdida.

Essa saudade é a crença religiosa que nos desceu ao coração filtrada pelos lábios maternaIs. Dessa crença o que ficou foi a cruel certeza de estar quebrado o santo prisma por onde a víamos; o que se perdeu foi o ideal da singela fé com que nossa mãe nos dourava as santas aspirações a um mundo, que não era, que não podia ser este.

E o coração do mancebo, que se sentou fatigado do mundo no longo caminho da sua peregrinação, tem instantes de enlevo que o transportam ao túmulo de sua mãe, pedindo-lhe palavras de conforto, hálito de vida para a fé em Cristo que sente morrer-lhe no espírito.
Os lábios do cadáver respondem-lhe pela voz da saudade; e o mancebo a quem Deus confiara uma lira tão cedo enlutada pelo véu do desalento, faz que o seu canto gema, faz que o seu estro se alevante do pó da terra e procure no céu o espírito de sua mãe.

Foi assim que eu compreendi a dorida poesia do meu amigo José Barbosa e Silva.

É o talento protestando contra a ignorância audaciosa dos que passam no mundo, vermes dum dia escarnecendo cinicamente a fé e amor dos que adoram a Cruz, farol divino da morada imortal dos justos.
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Do cap. XIII - "Bibliografias" do Livro "Horas de Paz" , 1º volume

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