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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O Crucifixo: património cultural do povo português




A intolerância é em si uma forma de violência
e um obstáculo ao desenvolvimento do verdadeiro
espírito democrático.
(Mahatma Gandhi)


Que a Democracia é o melhor sistema político, ninguém tenha dúvidas.
Só, que às vezes, os homens responsáveis que enchem a boca com este termo, na prática, não o cumprem, agindo assim, como os fariseus que pregaram Jesus na Cruz, sendo sem o terem suspeitado, os inventores do maior símbolo humano: O CRUCIFIXO, que sendo material na forma é um bem imaterial naquilo que representa.
Vejamos a razão que julgo ter e sustenta o que quero dizer.
Indo um pouco atrás no tempo (ano de 2005) a invectiva governamental do governo de José Sócrates contra o Crucifixo mandado retirar de locais públicos - como Escolas estatais -  foi um acto gratuito e, porque bem longe de ter sido respeitoso para com aquela parte do povo católico, foi um acto anti-democrático levado a cabo pelo ME sob a tutela de Maria de Lourdes Rodrigues, tendo isto acontecido logo a seguir ao dia 12 de Novembro de 2005, quando a cidade de Lisboa foi consagrada a Nossa Senhora de Fátima com a vinda da Imagem da Virgem da Capelinha das Aparições, após uma procissão de velas entre a Igreja de Nossa Senhora de Fátima até à Praça dos Restauradores.
Foi coincidência... ou foi de propósito?
O Estado é laico, mas que não pode jamais esquecer valores nacionais, sejam ou não religiosos, porque aquela parte do povo que se afirma laica é uma minoria e não pode nem deve esquecer a outra, que é maioritária, porque ao fazê-lo, a democracia sai ferida, pela simples razão de não se respeitar a maior parte.
Concluindo este pensamento vamos a um pouco de história da implantação da Democracia.

Tudo começou no tempo em que a cidade de Atenas, a mais evoluída das cidades-estados (1) da Grécia Ocidental era governada pelo regime tirânico de  Pisístrato (2) que tomara o poder ilegalmente, exercendo um poder oligárquico.
Apesar de fazer cumprir os códigos de Sólon (3) o seu poder ditatorial continuado em 527 a.C. pelos seus dois filhos Hípias e Hiparco, foi extinto a partir do assassinato de Hiparco por dois jovens, Amódio e Aristógiton -  heróis gregos da Democracia que a História conhece como os  “tiranicidas” e cujo acto extremo levou à fuga de Hípias para a Pérsia, abrindo o caminho a que o “Partido dos Ricos” chefiado por Iságoras e o dos populares, chefiado por Clístenes passassem a disputar entre si o controle político da pólis, até ao momento em que Iságoras, que era apoiado por Cleómenes – rei de Esparta – conseguiu desterrar o seu rival, Cleómenes.
Valeu neste passo, o povo, que tendo-se revoltado, trouxe de volta o seu líder a quem foram dados poderes constituintes com o fim de se experimentar algo que era inédito: o regime governado directamente pela vontade maioritária do povo: A Democracia.
Em traços larguíssimos esta é a história dos primeiros passos democráticos e que levaria Péricles (4) a declarar: Vivemos sob a forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos; ao contrário, servimos de modelo a alguns ao invés de imitar os outros. Seu nome, como tudo o que depende não de poucos mas da maioria, é democracia.

    O que veio a seguir, é que importa, sobretudo, o tempo actual, onde o modelo da democracia ateniense deu lugar às mais diversas, como a nossa, que tem 30 anos e ainda tem muito caminho a percorrer para ser um regime puro, sem recorrer a atitudes que deixem ficar no povo dúvidas quanto à clareza das intenções confinadas a atitudes exercidas, ainda que pela força do voto.
Vem isto a propósito da recente medida do Governo em mandar retirar das Escolas estatais o Crucifixo. Porquê?

- Será que o Crucifixo não faz parte do património cultural do povo português que ao longo da sua História viveu com ele?

Faz e vejamos porquê: Os simples Crucifixos mandados retirar pelo Governo integram-se na memória colectiva do povo português em honra à Cruz do Calvário que foi a inspiradora da cruz que andou nas caravelas e nas naus dos Descobrimentos e está, ainda hoje, nalguns lados erecta nos padrões que assinalam a chegada dos nautas e em muitos dos monumentos nacionais cinzelada nas cantarias.
Por outro lado, lembra-se que a Assembleia da República, no tempo do Governo do Eng. António Guterres fez aprovar o seguinte Diploma:

DATA: Sábado, 8 de Setembro de 2001
NÚMERO: 209/01 SÉRIE I-A
EMISSOR: Assembleia da República
DIPLOMA/ACTO: Lei n.º 107/01

SUMÁRIO: Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural
PÁGINAS DO DR: 5808 a 5829

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:
E segue todo o articulado do texto.

No Artigo 2º é dito:


Conceito e âmbito do património cultural

1 — Para os efeitos da presente lei integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização.
2 — A língua portuguesa, enquanto fundamento da soberania nacional, é um elemento essencial do património cultural português.
3 — O interesse cultural relevante, designadamente histórico, paleontológico, arqueológico, arquitectónico, linguístico, documental, artístico, etnográfico, científico, social, industrial ou técnico, dos bens que integram o património cultural reflectirá valores de memória, antiguidade,
autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade.
4 — Integram, igualmente, o património cultural aqueles bens imateriais que constituam parcelas estruturantes da identidade e da memória colectiva portuguesas.
5 — Constituem, ainda, património cultural quaisquer outros bens que como tal sejam considerados por força de convenções internacionais que vinculem o Estado Português, pelo menos para os efeitos nelas previstos.

6 — Integram o património cultural não só o conjunto de bens materiais e imateriais de interesse cultural relevante, mas também, quando for caso disso, os respectivos contextos que, pelo seu valor de testemunho, possuam com aqueles uma relação interpretativa e informativa.

E, mais à frente, no Artigo 3º, com o título: Tarefa fundamental do Estado, é dito entre outras a seguinte recomendação: Através da salvaguarda e valorização do património cultural, deve o Estado assegurar a transmissão de uma herança nacional cuja continuidade e enriquecimento unirá as gerações num percurso civilizacional singular.
Os sublinhados são nossos.

Postas as coisas neste pé, representando o Crucifixo um bem imaterial que faz parte da cultura da Nação desde a sua origem – e a Lei, como acima refere o que dela se copiou, obriga o Estado a defendê-lo – não se compreendendo, portanto,  a sanha do Governo de José Sócrates que parece ter feito escola - porquanto continua a ser ferida, não apenas a Lei  da protecção e valorização do Património Cultural, como a alínea “e” do art. 9º da Constituição que começa por dizer o seguinte, como uma das missões que lhe cabe ao Estado: 
Proteger e valorizar o património cultural do povo português(...) e nisto nada tem a ver o nº 3 do art. 43º onde se diz que  o  ensino público não será confessional, porque a Cruz não impõe a prática de uma determinada confissão religiosa, mas é, apenas a representação de um símbolo de onde emergem valores, como o da tolerância e do respeito pelas instituições – dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César – disse o Homem, que se tornou, sem que o houvesse pedido o autor desse símbolo histórico que marcou Povos e Nações ao longo dos séculos e, particularmente, o povo de Portugal.

E vai continuar assim, porque a Cruz é eterna e os homens, finitos.
O Governo da altura, é certo, tinha maioria democrática, mas agiu com intolerância, como nenhum outro tinha feito ao longo da nóvel Democracia em Portugal  e, a ser assim, cabem por inteiro as palavras de Gandhi: A intolerância é em si uma forma de violência (...)  pelo facto de ninguém ter a certeza, qual seria a resposta do povo português – no seu todo – se lhe fosse feita a pergunta se estava de acordo em ser retirado o Crucifixo das salas de aula.

Esta dúvida deveria ter bastado para se ter deixado ficar incólume a Cruz, por ser na sua representação – não só a imagem de um credo religioso, que também é – mas por ser na sua singeleza um valor patrimonial da Nação portuguesa, à sombra da qual e da sua força espiritual se formou a Nação que somos. Há, no entanto, quem diga e a voz do povo é voz de Deus - voz do símbolo que foi apeado - com toda a falta de respeito.

É por isso, que o facto pode revestir-se de alguma intolerância  e violência e ser obstáculo ao desenvolvimento do verdadeiro espírito democrático.
Eu não queria – sinceramente o declaro – que estas palavras atribuídas a Gandhi tivessem razão, porque é meu desejo profundo que a Democracia cresça em Portugal para bem do povo de que sou parte e ao qual me orgulho de pertencer.

Para que conste fica aqui o corpo de texto do Diário da República com o nº da respectiva página.




[1] - Nome dado à “pólis”
[2]  - Pisístrato (600-527 a.C.) foi um líder popular e tornou-se um tirano. Usurpou a autoridade que conseguiu manter à sua morte.
[3] - Como legislador, Sólon em 594 a.C. iniciou uma reforma que proibiu a hipoteca da terra e a escravidão por endividamento. Dividiu a sociedade pelo critério censitário (pela renda anual) e criou o tribunal de justiça.
[4]  - Político ateniense(495-429 a.C.) Chefe do partido democrático exerceu uma profunda  influência entre os seus concidadãos. Foi Chefe do Estado (443-429). Protegeu as artes e letras e embelezou Atenas com o Partenon.


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