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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Daqui, do vão largo da minha janela...


in, Revista Municipal da Câmara Municipal de Lisboa,  nº 36 - ano 1948

A minha janela é larga  e é de lá que vejo o mundo todos os dias sempre que deixo voar a imaginação e vou, num vôo - como se fosse um pássaro azul - até às lonjuras maiores onde nunca irei, mas onde sei, vivem homens como eu, esperançosos na mudança das coisas que acontecem e que magoam a nossa sensibilidade.
O meu pensamento, tem assim, a largura do que vejo a partir da minha janela larga e me pede mais alguma largura de mim mesmo, porque é necessário e urgente abandonar de vez e, para sempre, um certo desejo de solidão, quando - e eu sei - o homem foi criado com o sentido gregário de quem sente e sabe que a sua obra só se completa no meio dos outros e no sentido solidário que deve ter.
E, foi por isso, que ontem no momento em que abri a minha janela e li, atirando ao espaço e à brisa fresca da manhã um pedaço de prosa de Albert Einstein, fiquei meditativo depois de ler aquele grande homem, que de si mesmo dizia algo que me deixou perplexo:

Sou um verdadeiro solitário. O meu sentido ardente de justiça social e de dever social estiveram sempre em estranho desacordo com uma marcada carência de necessidade directa de ligação com os homens e com as comunidades humanas. Sou um verdadeiro solitário («Einspänner»), que nunca pertenceu inteiramente e de todo o coração ao Estado, à Pátria, ao círculo dos amigos ou até mesmo à família mais chegada, mas antes pelo contrário experimentou sempre, em relação a todas essas ligações, um sentimento indomável de estranheza e de ânsia de isolamento, um sentimento que com a idade mais se intensifica. Apercebemo-nos nitidamente, mas sem o lamentarmos, que nos é limitada a convivência em sociedade com outros seres humanos. Um homem desta natureza perde, de certo modo, uma parte da sua maneira de ser inocente e despreocupada mas ganha em se sentir largamente independente das opiniões, dos hábitos e juízos dos homens, e não cai na tentação de estabelecer o seu equilíbrio numa base tão pouco sólida.

in 'Como Vejo o Mundo'
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Depois de lido aquele naco de prosa os meus olhos e o pensamento - esta máquina inquieta que todos temos - fixou-se, sobretudo, na parte final da declaração de Einstein, que, embora o não pareça, é um grito de alarme para todos os homens que se fecham dentro de si mesmos.
Efectivamente, perdemos muito quando nos isolamos, mas pode ganhar-se algo quando se adquire o bem da independência das opiniões, dos hábitos e juízos dos homens, o que, convenhamos, no tempo que passa em que há mais mestres que alunos - porque todos sabem de tudo - essa posição pode redundar na conquista da paz interior que está faltando, mas não deixa de ser uma deserção do mundo, tal como a sentiu e viveu o mestre Albert Einstein, tendo tido a franqueza de ter confessado o seu desejo de isolamento.
E nisto se vê o ser superior que ele foi.
A minha janela é - efectivamente - larga e, naquele dia, ao meditar na prosa do grande cientista, senti que o meu pensamento, embora isolado, erguia dentro dele o desejo de soltar um grito de independência de um mundo frívolo, mas ao mesmo tempo fazia nascer um outro grito, mas este, de uma paz serena e de união com todos os homens.
E foi assim, que daqui, do vão largo da minha janela fiz uma viagem longa por dentro de mim mesmo e agradeci a Deus a leitura que havia feito.
E, nela, especialmente, agradeci a honestidade das palavras daquele homem invulgar que se isolou para criar, enquanto eu - um homem vulgar, longe de ter em mente os projectos que ele teve - devo continuar a sonhar com "mundos" que existem para lá do vão largo da minha janela e levá-los ao encontro real das coisas que acontecem, arrostando, embora, com os juízos dos homens e prometer a mim mesmo que o não devo fazer em relação a eles.
Cada homem é, em si mesmo, um mundo.
Einstein, porque tinha coisas grandes para fazer - ele era um mester -  isolou-se.
Eu - que não sou mestre de nada -  não me posso isolar.
Tenho muito que aprender!

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