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domingo, 15 de dezembro de 2013

A dissenção de S. Paulo com S. Pedro




Fazer a admissão na Igreja depender da circuncisão (1) e da lei ritual, significava reduzir a Igreja à estreiteza da sinagoga, e negar a universalidade da redenção.
E era exactamente isto que queriam os judaizantes (2) como diz São Paulo: “Os falsos irmãos, que secretamente se intrometiam para espiar a liberdade que temos em Cristo Jesus, queriam reduzir-nos à servidão” (Gal. 2, 4)”.
Tanto São Paulo quanto São Barnabé eram contrários a isso. Resolveu-se que eles iriam a Jerusalém decidir a questão com os Apóstolos. Pois a questão consistia, em última análise, em saber se a Igreja deveria ser independente da Sinagoga, ou se esta deveria absorver a Igreja nascente; ou mesmo, como queriam muitos, aniquilá-la.
São Pedro deu razão a São Paulo com relação aos vindos do paganismo, e também São Tiago Menor, contanto que “se abstenham das contaminações dos ídolos, da fornicação, das carnes sufocadas e do sangue” (Atos 15, 6-21). Foi o primeiro Concílio da Igreja.
Mas depois ocorreu um fato do qual os Actos não falam, que mostra como a situação continuava ainda crítica por causa dos judaizantes. É o próprio São Paulo quem narra aos Gálatas esse penoso conflito:
“Quando Cephas [Pedro] veio a Antioquia, resisti-lhe em face, porque ele se tornara repreensível. Pois, antes de virem alguns dos de Tiago, ele comia com os gentios; mas, quando aqueles chegaram, ele se retraía e se afastava, por medo dos da circuncisão. E os outros judeus o acompanharam na mesma simulação, tanto que até Barnabé se deixou arrastar à simulação deles”. Palavras duras de um santo com relação a outro, ainda mais sendo um Papa! É bom notar que não se tratava de erro doutrinário, mas táctico, se bem que com repercussões muito sérias para o futuro da Igreja.
Continua São Paulo: “Mas, quando eu vi que eles não caminhavam com rectidão segundo a verdade do Evangelho, disse a Cephas diante de todos: Se tu, sendo judeu, vives como gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a adoptar costumes judaicos?” (Gal. 2, 11-15).
A aludida conduta de São Pedro e dos judaizantes ofendeu muito os cristãos originários dos gentios. Separando-se deles, os Apóstolos pareciam relegá-los injustamente a um grau inferior da comunidade.
Por isso São Paulo protestou. Como Apóstolo dos Gentios, cabia a ele elevar a voz. É claro que não foi para humilhar São Pedro, mas sim para manter os princípios. Sentia que essa “simulação”, em vez de acalmar as dissensões possíveis, podia levar ao cisma. Assim, para que seu ato tivesse todo alcance, e muito provavelmente seguindo uma inspiração divina, interpelou São Pedro publicamente.
Essa atitude de São Paulo em relação a São Pedro ajudou a explicitar para toda a Igreja, dezanove séculos depois, no Concílio Vaticano I, que a autoridade do Papa, em matérias que não tratem directamente de fé e costumes, não goza do carisma da infalibilidade. O que em nada diminui a excelsitude do Papado, mas ajuda a compreender a natureza da autoridade que Nosso Senhor quis lhe conceder. Ao longo da História da Igreja, a fidelidade do Apóstolo neste episódio brilha como uma luz para a conduta de todos os fiéis.
Humildemente São Pedro recebeu a admoestação, reconheceu seu erro e estendeu a mão a São Paulo, alegrando a todos que havia escandalizado com sua conduta. Este nobre reconhecimento de seu erro, por parte de São Pedro, é o último episódio da vida do primeiro Papa que encontramos narrado no Novo Testamento.



(1) - Acredita-se que os hebreus tenham assimilado a prática da circuncisão dos egípcios. No Antigo Israel, a circuncisão tinha-se de ser realizada no 8.º dia do nascimento. Tem o sentido de um sinal da aliança entre Deus e Abraão e seus descendentes e um rito de inserção no povo eleito. Deus terá tornado obrigatória a prática da circuncisão masculina para Abraão, um ano antes de nascer Isaque
(2)  - Deu-se o nome de judaizantes aos  que, não sendo etnicamente israelitas ou tendo passado por uma conversão formal, seguiam parte da religião e tradição judaica.

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