Fazer a
admissão na Igreja depender da circuncisão (1)
e da lei ritual, significava reduzir a Igreja à estreiteza da sinagoga, e negar
a universalidade da redenção.
E era
exactamente isto que queriam os judaizantes (2) como
diz São Paulo: “Os falsos irmãos, que secretamente se intrometiam para espiar a
liberdade que temos em Cristo Jesus, queriam reduzir-nos à servidão” (Gal. 2,
4)”.
Tanto São
Paulo quanto São Barnabé eram contrários a isso. Resolveu-se que eles iriam a Jerusalém
decidir a questão com os Apóstolos. Pois a questão consistia, em última
análise, em saber se a Igreja deveria ser independente da Sinagoga, ou se esta
deveria absorver a Igreja nascente; ou mesmo, como queriam muitos, aniquilá-la.
São Pedro deu
razão a São Paulo com relação aos vindos do paganismo, e também São Tiago
Menor, contanto que “se abstenham das contaminações dos ídolos, da fornicação,
das carnes sufocadas e do sangue” (Atos 15, 6-21). Foi o primeiro Concílio da
Igreja.
Mas depois
ocorreu um fato do qual os Actos não falam, que mostra como a situação
continuava ainda crítica por causa dos judaizantes. É o próprio São Paulo quem
narra aos Gálatas esse penoso conflito:
“Quando Cephas [Pedro] veio a Antioquia,
resisti-lhe em face, porque ele se tornara repreensível. Pois, antes de
virem alguns dos de Tiago, ele comia com os gentios; mas, quando aqueles
chegaram, ele se retraía e se afastava, por medo dos da circuncisão. E os
outros judeus o acompanharam na mesma simulação, tanto que até Barnabé se
deixou arrastar à simulação deles”. Palavras duras de um santo com relação a
outro, ainda mais sendo um Papa! É bom notar que não se tratava de erro
doutrinário, mas táctico, se bem que com repercussões muito sérias para o
futuro da Igreja.
Continua São
Paulo: “Mas, quando eu vi que eles não caminhavam com rectidão segundo a
verdade do Evangelho, disse a Cephas diante de todos: Se tu, sendo judeu, vives
como gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a adoptar costumes
judaicos?” (Gal. 2, 11-15).
A aludida
conduta de São Pedro e dos judaizantes ofendeu muito os cristãos originários
dos gentios. Separando-se deles, os Apóstolos pareciam relegá-los injustamente
a um grau inferior da comunidade.
Por isso São
Paulo protestou. Como Apóstolo dos Gentios, cabia a ele elevar a voz. É claro
que não foi para humilhar São Pedro, mas sim para manter os princípios. Sentia
que essa “simulação”, em vez de acalmar as dissensões possíveis, podia levar ao
cisma. Assim, para que seu ato tivesse todo alcance, e muito provavelmente
seguindo uma inspiração divina, interpelou São Pedro publicamente.
Essa atitude
de São Paulo em relação a São Pedro ajudou a explicitar para toda a Igreja,
dezanove séculos depois, no Concílio Vaticano I, que a autoridade do Papa, em
matérias que não tratem directamente de fé e costumes, não goza do carisma da
infalibilidade. O que em nada diminui a excelsitude do Papado, mas ajuda a
compreender a natureza da autoridade que Nosso Senhor quis lhe conceder. Ao
longo da História da Igreja, a fidelidade do Apóstolo neste episódio brilha
como uma luz para a conduta de todos os fiéis.
Humildemente
São Pedro recebeu a admoestação, reconheceu seu erro e estendeu a mão a São
Paulo, alegrando a todos que havia escandalizado com sua conduta. Este nobre reconhecimento
de seu erro, por parte de São Pedro, é o último episódio da vida do primeiro
Papa que encontramos narrado no Novo Testamento.
(1) - Acredita-se que os hebreus tenham assimilado a prática da circuncisão dos
egípcios. No Antigo Israel, a circuncisão tinha-se de ser realizada no 8.º dia
do nascimento. Tem o sentido de um sinal da aliança entre Deus e Abraão e seus
descendentes e um rito de inserção no povo eleito. Deus terá tornado
obrigatória a prática da circuncisão masculina para Abraão, um ano antes de
nascer Isaque
(2) - Deu-se o nome de judaizantes aos que, não sendo etnicamente israelitas ou tendo
passado por uma conversão formal, seguiam parte da religião e tradição judaica.
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