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sábado, 10 de dezembro de 2016

Uma memória a João de Deus e às suas "Cantigas" do "Campo de Flores"!

in, Revista "Branco e Negro" de 9 de Janeiro de 1898


Nunca é demais lembrar para as gerações futuras os grandes homens que honraram com o seu nome e a sua obra, a terra portuguesa em que nasceram e o País que se honra de os ter por vultos maiores e exemplos de cidadania e portugalidade.

A Revista "Branco e Negro" dois anos após a sua morte fez publicar o texto acima reproduzido, o que fazemos com todo o carinho pelo Poeta de que ninguém em vida jamais lhe conspurcara o carácter, acrescentando: Simples, de uma alma lisa como o aço em que ase espelhavam todas as virtudes, ele atravessou a vida como um cenobita fugindo do ruído, da ostentação. do falso oiro das gloriolas retumbantes.

Ilustrando a velha notícia de 9 de Janeiro de 1898, deixo aqui, o Poema CANTIGAS retirado do seu livro "Campo de Flores", como expressão da sua poesia simples, em grandes rendilhados, mas bela na singeleza das palavras e do seu sentido coimbrão por onde andou anos a fio até se formar.

 Cantigas

 Quando vejo a minha amada
 Parece que o Sol nasceu;
 Cantai, cantai alvorada
 Ó avezinhas do céu.

 Nessas águas do Mondego
 Se pode a gente mirar,
 Elas procuram sossego...
 E vão caminho do mar.

 A rosa que tu me deste
 Peguei-lhe, mudou de cor;
 Tornou-se de azul-celeste
 Como o céu do nosso amor.

 Não me fales da janela,
 Que te não ouço da rua;
 Fala-me de alguma estrela,
 Que te vou ouvir da Lua.

 Dizes que a letra não deve
 Ser nunca miudinha;
 Mas grada ou miúda escreve,
 Que o coração adivinha.

 Não digas que me não amas
 A ver se tenho ciúme;
 Os laços do amor são chamas,
 E não se brinca com lume.

 A virgem dos meus amores
 Sobressai entre as mais belas:
 É como a rosa entre flores,
 É como o Sol entre estrelas.

 Eu zombo de sol e chuva,
 Noite e dia, terra e mar;
 Ais de uma pobre viúva,
 Se os ouço, dá-me em chorar.

 A sombra da nuvem passa
 depressa pela seara;
 Mas a nuvem da desgraça
 Já de mim se não separa.

 Eu bem sei qual é a tinta
 Que dás às faces mimosas;
 E o carmim com que pinta
 Deus nosso Senhor as rosas.

 Quando eu era pequenino
 Que chorava a bom chorar
 A mãe beijava o menino,
 No beijo se ia o pesar.

 Nunca os beijos que te dei
 Me venham ao pensamento...
 Correi lágrimas, correi
 Para o mar do sofrimento.

 Faça Deus maior o mundo,
 Terra, mar e céu maior,
 Não faz nada tão profundo,
 Tão vasto como este amor.

 Se tua mãe te vigia,
 Faz tua mãe muito bem;
 Com jóias de tal valia
 Não há fiar em ninguém.

 Na alma já não me assoma
 Aquela antiga visão;
 A rosa perdeu o aroma
 A luz perdeu o clarão.

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